por Daniel Milazzo
De acordo com relatório do Banco de Compensações Internacionais (BIS, da sigla em inglês), espécie de banco central dos bancos centrais, com sede na Suíça, a economia global vive hoje a maior turbulência financeira desde o fim a Segunda Guerra Mundial. O quadro de aumento mundial da inflação, associado à desaceleração econômica, põe a economia global num "ponto crítico", segundo o relatório anual da instituição.
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Para Luiz Gonzaga Belluzzo, professor de economia da Unicamp e conselheiro informal do presidente Lula, "o relatório é um libelo contra a desregulamentação e liberalização financeira e o descuido dos bancos centrais com a evolução das práticas dos mercados financeiros".
O BIS responsabiliza os próprios bancos centrais pela situação vivida hoje, pelo fato de não controlado no início da década a bolha de crédito. Belluzzo frisa que os bancos centrais foram omissos. "Como o Banco Central do Brasil também está sendo omisso", acrescenta.
O economista considera difícil prever um fim a curto prazo para a crise e concorda com o teor do relatório do BIS, apontando para a gravidade da situação: "Chegamos a uma situação em que as medidas de política econômica não têm efeito sem conseqüências colaterais graves."
A seguir, a entrevista com Luiz Gonzaga Belluzzo:
Terra Magazine - O que o senhor achou deste relatório do BIS?
Luiz Gonzaga Belluzzo - É muito contundente, até porque é uma instituição em geral muito cautelosa ao fazer essas apreciações. O relatório é um libelo contra a desregulamentação e liberalização financeira e o descuido dos bancos centrais com a evolução das práticas dos mercados financeiros. Tivemos crises assim nos últimos anos, mas eram pontuais, em geral ocorriam nos países emergentes. Eram crises cambiais e crises bancárias, mas nenhuma com tal abrangência e tal virulência - pois se está combinando um surto de oferta, um choque inflacionário com uma crise financeira. E os bancos centrais estão aturdidos, não sabem em qual dos pontos atacar.
O que contribui para esse quadro preocupante?
Os preços de energia e commodities acabam empurrando os bancos centrais a políticas mais apertadas, mais duras. Mas, ao mesmo tempo, tem-se que cuidar da fragilidade das instituições financeiras, sobretudo dos bancos que se meteram nessa aventura dos empréstimos hipotecários, para tentar diminuir o prejuízo dessas instituições. Ainda não há clareza a respeito de qual é esse prejuízo. À medida que a crise vai aumentando os corpos vão chegando à superfície, os cadáveres. É uma crise grave, complexa, coloca em questão o modelo de crescimento construído nos últimos anos sobre o endividamento excessivo e o consumo sem limites, sem mecanismos de controle. No caso das commodities, isso é um absurdo pois esse desfecho era previsível, sobretudo no caso do petróleo. As políticas de regulação foram sendo abandonadas, sendo entregues aos mercados privados, sobretudo aos mercados futuros, onde os agricultores fazem hedge. Mas esses mercados se transformaram em instrumentos de especulação colocando em risco qualquer política de estabilização.
Então a crise atual é também o resultado de uma falta de controle dos bancos centrais, que permitiram o avanço do mercado especulativo.
Funcionários dessas instituições agora lamentam que os bancos centrais tivessem restringido sua atuação à política de metas. Os bancos centrais foram omissos. Como o Banco Central do Brasil também está sendo omisso. Abandonaram certos instrumentos, como o controle de crédito, como colocar compulsórias sobre operações de ativos. Tudo isso que os bancos centrais fizeram durante anos, num período mais estável em que havia repressão financeira. Eles se afundaram em sua própria ideologia, na medida em que se recusaram a controlar o fator mais importante no desencadeamento dessa crise que é a relação entre a expansão imoderada do crédito, valorização de ativos e consumo das famílias. Essa é a cadeia alimentar da crise. Isso é uma crise estrutural, do ponto de vista da relação de consumo, uso de recursos naturais e possibilidade de crescimento sem inflação.
Como se trata de uma crise global, em que intensidade o Brasil também está sujeito a ela? O que o Banco Central está fazendo para controlar a situação, aumentando a taxa básica de juros, é suficiente?
Se eles continuarem batendo nessa tecla, do aumento dos juros, além de insuficiente isso é danoso. Pois vão valorizar o câmbio ainda mais; esse ciclo das commodities em algum momento vai se interromper, porque ele não é sustentável e em algum momento todos terão que se ajustar. E o Brasil vai ser pego no meio dessa tormenta com a taxa de câmbio valorizada, o que não é lá muito recomendável. A inflação, fundamentalmente, é o choque de oferta que foi se espalhando porque pegou a economia brasileira em velocidade de cruzeiro, andando mais rápido do que as outras. Mas como o Banco Central não toma nenhuma medida sobre o controle do crédito, e é preciso que tome; nós estamos cansados de falar isso e eles fazem ouvido de mercador, certamente que apenas subindo a taxa de juros a política monetária perde eficácia. Você não consegue desestimular a oferta de crédito com a taxa de juros muito alta. Você tem que fazer controle de crédito mesmo é através de aumento de compulsórias sobre algumas operações. A função do Banco Central é também regular o crédito. Ele não é responsável apenas pela moeda. Não adianta vir com dogmatismos. Tem que enfrentar as questões com praticidade. É hora de agir.
Qual pode ser esse desfecho crítico deste quadro? Onde pode chegar a crise?
É difícil prever. Os bancos centrais estão postos diante de um dilema muito difícil de resolver. De um lado continuam a aparecer sinais de que a crise financeira ainda não foi totalmente debelada e nem vai ser no curto prazo, dada a extensão e a profundidade dela. A outra questão é saber como se vai lidar com a inflação. Não tenho dúvidas de que o Banco Central europeu vai subir a taxa de juros porque a inflação já está em 4%, portanto, o dobro da meta estabelecida pelo banco central europeu. Assim, o dólar vai se desvalorizar ainda mais e o preço do petróleo, que está indexado ao dólar, vai continuar aumentando. Os americanos vão continuar com os juros onde estão, em 2%, ou vão subir a taxa de juros para impedir a derrocada ulterior do dólar? Eu acho que o ponto crítico é esse. Chegamos a uma situação em que as medidas de política econômica não têm efeito sem conseqüências colaterais graves. O relatório do BIS diz claramente que as soluções são muito contraditórias e geram efeitos indesejáveis na economia. Nem o Brasil nem ninguém vai sair airosamente disso.
Fonte: Terra Magazine
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