terça-feira, 8 de julho de 2008

Ali Kamel e sua visão de Ipanema


Montagem: André Lux


O Termômetro de Kamel

Por Neves

Ali Kamel volta sua carga contra o Bolsa Familia. Jóias do pensamento kameliano podem ser lidas no artigo abaixo, onde ele comenta um filme de José Padilha, o documentário Garapa. Clique aqui.

Kamel quer reduzir o BF a 20%, com os oitenta restantes mandar os pobres para o ensino escolar. Assim, após onze anos de estudos, se sobreviverem, eles sairão da pobreza. Se não sobreviverem, também sairão. Acho que é nesta última hipótese que Kamel joga suas fichas, para acabar com a pobreza e os pobres simultaneamente.

Na mesma edição há uma matéria sobre a Pastoral da Criança sobre a desnutrição aguda entre os menores no país. Comparem com as afirmações de Kamel, de que não há tanta gente passando necessidade no Brasil:

Pastoral da Criança confirma queda de desnutrição infantil no país. Clique aqui - Por Neves

"Garapa"?

por Ali Kamel

(os comentários em vermelho são de Luis Nassif)

O cineasta José Padilha, diretor dos premiados "Tropa de elite" e "Ônibus 174", está terminando de rodar "Garapa", um documentário que mostra o dia-a-dia de três famílias famintas do interior do Ceará. Em relação ao filme, ele disse à Folha de S. Paulo: "É eticamente inadmissível que alguém, no grupo dos beneficiados históricos deste país, olhe para os miseráveis que não têm o que comer e diga que os R$ 58 que o governo dá a eles são uma política errada". Mais adiante, acrescentou que o valor do benefício era insuficiente para matar a fome daquelas famílias.

" A enorme abrangência do programa Bolsa Família pode ser contraproducente "

Ele está absolutamente certo ao fazer as duas afirmações.

Mas absolutamente errado ao acreditar que o Bolsa Família, tal como está posto, seja a solução do problema. A enorme abrangência do programa pode ser contraproducente.

Citando uma pesquisa sobre segurança alimentar, feita pelo Ibase entre os beneficiários do Bolsa Família, divulgada há pouco, Padilha disse que 11,5 milhões de brasileiros estão na mesma situação daquela em que vivem as três famílias de "Garapa". Esse tipo de pesquisa, porém, ao contrário do que o nome sugere, não é capaz de comprovar se a fome existe de fato na população pesquisada. Com perguntas que comportam apenas um "sim" ou "não", a pesquisa apenas registra o que informam os entrevistados sobre a própria segurança alimentar. Há uma ou duas perguntas bem objetivas, como esta: "Nos últimos três meses, os alimentos acabaram antes que os moradores tivessem dinheiro para comprar mais comida?" Mas, na maior parte, as perguntas medem mais expectativas, temores, frustrações. Dou um exemplo: "Nos últimos três meses, os moradores deste domicílio tiveram a preocupação de que os alimentos acabassem antes de poderem comprar ou receber mais comida?" Outra pergunta: "Nos últimos três meses, os moradores deste domicílio ficaram sem dinheiro para ter uma alimentação saudável e variada?"

A pergunta sobre se os alimentos acabaram antes que tivessem dinheiro para comprar mais é definitiva. Ele utiliza duas outras perguntas - que, segundo ele, medem apenas expectativas (como se expectativas não fossem um indicador relevante), para desqualificar a primeira. Qualquer pergunta adicional, mesmo que seja "você conseguiu comer em um restaurante de Ipanema?" não apagará do mapa a pergunta objetiva sobre se a família ficou sem alimento ou não nos últimos três meses.

Com perguntas assim, a pesquisa concluiu que 21% dos beneficiários (11,5 milhões de pessoas), têm insegurança alimentar grave (fome), 34%, moderada (restrição na quantidade de alimentos) e 28%, leve (não há falta de alimentos, mas o temor de que venha a faltar). Feita exclusivamente entre os beneficiários do Bolsa Família, a pesquisa pode gerar uma distorção: conhecendo os objetivos do programa, talvez os beneficiários respondam de modo a continuar a merecer o benefício. Não considero esse ponto decisivo, porém. Pesquisas de segurança alimentar são feitas de tal modo que, mesmo quando feitas na população geral, o índice dos que se declaram em situação de insegurança alimentar é sempre alto. Aqui e no mundo.

Kamel supôs que os entrevistados resolveram mentir e supôs que no mundo a maioria se declara em insegurança alimentar. Resolvido: a suposição desqualificou a pesquisa. Quebre-se o termômetro.

A pesquisa brasileira é inspirada numa metodologia aplicada anualmente nos EUA desde 1995. Lá, o governo federal gastou no ano passado US$ 53,3 bi com programas de distribuição de comida aos mais pobres, sendo US$ 33,2 bi com o Food Stamps, um programa que distribui cartões magnéticos a quem esteja abaixo da linha de pobreza, utilizados para adquirir apenas comida em lojas credenciadas (no Bolsa Família, o beneficiário pode comprar o que quiser). São 26,5 milhões de beneficiários, que recebem, em média, US$ 214 por família. Mesmo assim, em 2006, os números da pesquisa americana foram desconcertantes: lá existem 35,5 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, sendo que 11,1 milhões em insegurança alimentar grave (em termos absolutos, o mesmo resultado encontrado aqui). Já disse antes, e repito: se nem na nação mais próspera do planeta, com os seus programas assistenciais multimilionários, a insegurança alimentar foi resolvida, o problema não é do país, mas do conceito de insegurança alimentar.

A lógica de Kamel pode ser refeita assim: se até nos EUA, nação mais próspera do mundo, existe insegurança alimentar, como não supor que exista no Brasil? Ele quer mudar o conceito: se não tiver subnutrição africana, o sujeito é bem de vida.


O único método viável de comprovar a existência de fome em grandes grupos populacionais é pesando e medindo as pessoas. Porque, se a ingestão de calorias for menor do que a necessária, o indivíduo emagrecerá: a relação peso/altura mostrará esse emagrecimento, e, se ele for superior a certos limites, a fome estará comprovada. Para adultos, a OMS considera aceitável um índice de até 5% de emagrecidos, porque, estatisticamente, esta é a proporção de indivíduos magros por natureza em qualquer grupo. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, realizada entre 2002 e 2003 (antes, portanto, do Bolsa Família) mediu e pesou os brasileiros e encontrou um índice de magros de 4%, dentro da normalidade abaixo do permitido, portanto (no Haiti, o índice foi de 19%, na Etiópia, de 38% e, na Índia, de 49%).

Ou seja, o sujeito que passou fome nos últimos três meses só será oficialmente reconhecido como vítima de insegurança alimentar no dia em que for medido e pesado. Tem sofisma maior? Desqualifico uma pesquisa, jogo no lixo todos os resultados, não por ser falsa, mas porque existem pesquisas metodologicamente superiores.

No Brasil, em alguns poucos estratos populacionais, o índice foi levemente superior a 5%: sempre mulheres, de uma maneira geral da zona rural (o pico foi o Nordeste, com 7,2%) das faixas de renda mais baixas (o pico foi a faixa de 1/4 de salário mínimo, com 8,5%). Assim, nesses dois casos extremos, podia-se falar em fome em 2,2% das mulheres da zona rural do Nordeste e em 3,5% das mulheres na faixa de renda mais baixa. Os dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS), realizada em 2006 e divulgada na última quinta-feira, mostram, porém, que essa situação já foi superada. No Brasil, o índice de mulheres emagrecidas foi de 3,5% e em nenhuma região alcançou 5%. O índice só ultrapassou ligeiramente os 5% entre as mulheres sem escolaridade (5,3%) e com mais de seis filhos (6%).

Repetindo: o mundo de Kamel está dividido entre os subnutridos à la África e os bem aventurados.

Mesmo entre as crianças, a notícia é excelente. A desnutrição aguda é também medida pela relação peso/altura, mas, para elas, o índice aceitável é de até 3%, o que corresponderia a crianças geneticamente magras. O índice encontrado pela PNDS foi de apenas 1,6%, ou seja: é virtualmente nula a fome em crianças no Brasil. A desnutrição crônica é medida pela relação altura/idade, que, segundo a pesquisa, "expressa o crescimento linear da criança e, nesta medida, sintetiza a história do seu estado nutricional, do nascimento (ou mesmo antes) até o momento atual, refletindo o aporte de energia, de macronutrientes e de vitaminas e minerais." Em outras palavras, é uma relação que traz mais as marcas do passado. O índice aceitável é de até 3%, o que corresponde à proporção de crianças geneticamente pequenas. No Brasil, o índice despencou de 13,4%, em 1996, para 6,8% em 2006, menos da metade do índice do México (15,5%) e menor do que o da Argentina (8,2%). Ainda há fome no Brasil? Sim, o que é uma tragédia, mas uma tragédia na casa das centenas de milhares, nunca na casa dos milhões.

O filme de Padilha chama-se "Garapa" porque este é o nome da mistura de água e açúcar que as famílias como a que ele retratou dão a seus filhos quando não há alimentos. Uma pesadelo. Mas que não tem as dimensões que ele acredita. A POF não detectou em nenhum estrato da população (nem mesmo nos de baixíssima renda) dietas à base de garapa.

Por que a abrangência do Bolsa Família pode estar sendo contraproducente? Porque o programa distribui um dinheiro pequeno a 46 milhões de pessoas, na suposição de que todas passam fome. Se o programa fosse mais bem dimensionado, o dinheiro dado aos que, de fato, não tem comida poderia ser substancialmente maior a um custo total substancialmente menor. Em vez de R$ 10,8 bi, o Bolsa Família poderia gastar, sei lá, 20% disso, dando muito mais a quem precisa e investindo o restante em educação, único instrumento que tira de fato o pobre da pobreza.

Toda essa volta para chegar à conclusão de sempre: corte nos gastos sociais.


Se em seu novo filme, Padilha usar três famílias que passam fome como exemplo de 11 milhões, terá sido induzido a erro pela leitura equivocada de uma pesquisa. Se não fizer as ressalvas, o filme não será a sua volta ao documentário, mas a sua permanência na ficção.

Padilha é ficção; Kamel é o maravilhoso mundo real de Ipanema. Durma-se um sono tranqüilo com uma realidade dessas.


Fonte: Blog do Nassif

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Outras insanidades de Ali Kamel ao longo de sua temporada na Globo

Ali Kamel e seu mais recente delírio (por Idelber Avelar - publicado em 21/09/2007)

Brainwashing-front.jpg Na maioria das vezes, quem grita contra lavagem cerebral ou doutrinação está julgando a inteligência alheia com o metro de que é capaz a própria. Em época de Google, falar de lavagem cerebral em 7a, 8a série – qualquer que seja o conteúdo do livro didático – é passar atestado de completa ignorância da realidade da sala de aula do século XXI, seja no Brasil ou em qualquer lado, em escola pública ou particular.

Estou completando, em 2007, 23 anos de magistério ininterrupto: só parei durante o furacão Katrina. Já ouvi reclamações, algumas, de alunos: por excesso de leitura, por excesso de rigor na correção, por marcação gramatical cerrada. Mas mesmo estando algumas milhas à esquerda de 95% do meu alunado, nunca ouvi reclamação por “manipulação”, proselitismo político ou coisa que o valha– e aqui nos EUA temos avaliações anônimas no final do semestre. A última tese de doutorado que orientei (a vigésima na carreira) foi de um homem extremamente religioso e eleitor de Bush em 2004. Com ele tive um dos diálogos intelectuais mais proveitosos da minha vida professional. Ao longo destes 23 anos, nunca encontrei um professor (ótimo, bom, regular ou ruim) que topasse trocar a experiência de uma boa discussão, debate e implantação de dúvidas e questionamento nos alunos por uma aceitação passiva de um ponto de vista político, por mais caro que lhe fosse o dito cujo.

Com a sua infinita capacidade de distorcer e enxergar fantasmas, o diretor executivo da Globo, Ali Kamel, assinou um artigo de opinião – chamemo-lo “opinião” para ser generosos, porque nem de análise, nem de leitura, nem de jornalismo se trata – sobre um livro didático que, para ele, é uma perigosa tentativa de fazer nossas crianças acreditarem que o capitalismo é mau e que a solução de todos os problemas é o socialismo, que só fracassou até aqui por culpa de burocratas autoritários. Ao final de uma série de tediosas citações que não passam nem perto de provar o afirmado, Kamel se desespera porque nossas crianças estão sendo enganadas, a cabeça delas vem sendo trabalhada, e o efeito disso será sentido em poucos anos .

Parece brincadeira, mas não é. O chefe dos inventores da enganação televisa moderna no Brasil, o chefe dos aspirantes a ladrões da eleição fluminense de 1982, o chefe dos manipuladores do debate de 1989 nos alerta contra os perigosos efeitos de um livro didático de 8a série que diz que Cuba resolveu problemas básicos de saúde e educação, que Mao era chefe militar e estadista, e que a Princesa Isabel era feia. É o motivo da última revoada de indignação da direita brasileira. Claro que Reinaldinho Azevedo já aproveitou e declarou a guerra santa.

Não resisti e fiz um experimento. Disse a cinco compatriotas, nenhum deles de esquerda e nenhum deles eleitor do atual governo, que o diretor executivo da Globo está conclamando a lutar contra a manipulação esquerdista nos livros didáticos. De todos eu tive resposta essencialmente igual: uma gargalhada satírica ou uma observação acerca do fato de que, afinal de contas, de manipulação eles entendem. Ninguém que tenha experiência real de sala de aula leva a sério, claro, esse papo de lavagem cerebral – a não ser em raríssimos casos e em má fé. Mas um sujeito que há cinco gerações não vê um pedaço de giz se julga no direito de gritar por censura sobre um livro escolhido livremente por milhares de professores.

O livro tem problemas? Não sei. Ao contrário dos funcionários da Veja, não escrevo sobre o que não li. Não julgo livros por citações pinçadas (atualização às 19:11: já acabei de ler o livro e mantenho tudo o que disse). Mas as citações feitas pelo autor, na sua resposta, já mostram que Kamel mentiu. Quero dizer mentiu mesmo, escreveu de má fé. Será que Kamel pinça citações com menções positivas ao maoísmo e se esquece de ler o trecho que diz O Grande Salto para a Frente tinha fracassado. O resultado foi uma terrível epidemia de fome que dizimou milhares de pessoas. (...) Mao (...) agiu de forma parecida com Stálin, perseguindo os opositores e utilizando recursos de propaganda para criar a imagem oficial de que era infalível.” (p. 191) “Ouvir uma fita com rock ocidental podia levar alguém a freqüentar um campo de reeducação política. (...) Nas universidades, as vagas eram reservadas para os que demonstravam maior desempenho nas lutas políticas. (...) Antigos dirigentes eram arrancados do poder e humilhados por multidões de adolescentes que consideravam o fato de a pessoa ter 60 ou 70 anos ser suficiente para ela não ter nada a acrescentar ao país... Será que Kamel escreve de má fé comparável àquela da Globo ao tentar roubar a eleição de 1982 ou ao contribuir para eleger Collor em 1989? Será que atribui intento de manipulador ao livro de Mario Schmitt para esconder suas próprias manipulações, feitas à base de citação seletiva?

Kamel não sabe nem mesmo qual é a acusação que quer fazer ao livro. Ele próprio, no primeiro parágrafo, acusa-o de dizer que o socialismo só fracassou por culpa de burocratas autoritários. Mais adiante, cita o trecho que diz que na URSS os profissionais com curso superior tinha[m] inveja da classe média ... dos países desenvolvidos. Não leu o que citou ou não releu o que escreveu? Ou será que está tentando enganar o leitor?

Notoriamente, de enganação e manipulação da cabeça alheia as organizações Globo e seus chefes entendem, embora felizmente com menos eficácia que antes, dada a democratização paulatina da informação. Em todo caso, os medos de Kamel são infundados: a molecada de hoje não é o Homer Simpson que deseja o âncora do Jornal Nacional. Qualquer livro que tente pintar, para o meu filho de 10 anos, uma imagem rósea de Cuba, que esconda o negativo, vai encontrar questionamento: uai, mas não é um regime de partido único? Uai, mas não perseguem homossexuais? Não há presos políticos? A molecada pergunta, surfa no controle remoto, vai ao Google. Mas claro, Kamel sonha com lavagem cerebral e lobotomia. Deve ser a força do hábito.

No caso do livro em questão, e baseando-me somente nas citações que vi, parece que (atualização às 19:11: baseando-me na leitura feita hoje) há uma estratégia de certa simplificação, da qual eu não comungo, mas muita gente sim. O ideal nas ciências humanas, claro, é que se exponha o maior número de perspectivas possível sobre a história, a política, a cultura, com o maior respeito possível ao que for fato histórico (objetividade total, obviamente, não existe nessas disciplinas). Se o livro de Schmidt contempla esse ideal, não sei (atualização depois da leitura do livro: não, não contempla ao ponto que eu gostaria para um livro de 8a série. Deve ser por isso que saiu da lista do MEC. Mas está longe de ser essa conspiração de lavagem cerebral marxista. Se há algo que se pode condenar no livro, é uma certa simplificação pop dos fatos, não uma ortodoxia esquerdóide. Agora, os que se declaram "sem partido" e "sem ideologia" deveriam refletir sobre o porquê de Kamel desenterrar esse livro para essa campanha Torquemada). Alguns professores acharam que contempla, sim, outros que não. Mas para Kamel isso não é suficiente: o Torquemada de plantão quer banir o livro, iniciar guerra santa; o grande defensor do mercado não quer deixar o mercado escolher.

Que a sociedade brasileira se envolva no tema dos livros didáticos, desde que se continue respeitando as decisões soberanas dos professores sobre o que ensinar. Mas que o futuro nos livre de um mundo onde os juízes da isenção, do equilíbrio e da objetividade seja gente da laia de Ali Kamel e dos colunistas da Veja. Não porque eles sejam capazes de manipular nossas crianças, claro – mas porque as coitadas morreriam de tédio.

PS: Tiquim de paciência hoje. Liberação dos comentários por volta das 13 h de Brasília.

Atualização: Muito boa a colagem de citações com a qual o Hermenauta demonstra o óbvio: pinçando trechos de livros, você sugere qualquer coisa sobre o texto alheio. E, com ampla informação sobre todo o processo de escolha de livros didáticos omitida por Kamel, Luis Nassif põe a última pá de cal.

Atualização II: Que última pá de cal, que nada. O Hermenauta desenterra o texto de onde Kamel requentou a denúncia -- contra um livro, sublinhe-se, que já saiu da lista do MEC. Para completar, mais uma demonstração do tosco método Kamel de distorção via citação seletiva.

Fonte: O Biscoito Fino e a Massa

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Homer Simpson da TV Globo leva baile dos leitores do Observatório da Imprensa.

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Texto de Idelber Avelar (publicado em 20/10/2006)

Nesta quinta-feira, ao tentar responder à reportagem de Raimundo Pereira na Carta Capital, o editor-executivo da Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel – sim, aquele que escreve livro para negar a existência do racismo no Brasil – levou uma das maiores lavadas que já vi alguém levar na história da internet brasileira. O episódio já é, em si, um marco desta campanha eleitoral e mostra a força democratizadora do “jornalismo cidadão” feito na internet por gente como Mino Carta, Luis Nassif, Paulo Henrique Amorim e Luis Weis.

A reportagem da Carta Capital demonstrou como o jornalismo da Globo foi cúmplice do delegado Bruno – que fotografou, na véspera da eleição, o dinheiro apreendido com petistas quase duas semanas antes, para depois pedir divulgação no Jornal Nacional e exigir mentira dos veículos para explicar aos seus superiores o vazamento (além de cometer várias outras ilicitudes, como implicitamente confessar que o fazia por motivos políticos). As fotos do dinheiro que talvez pudesse ter origem ilícita e poderia ter sido usado para comprar um dossiê contra José Serra que talvez não contivesse nada de grave contra o tucano (contaram os condicionais?) receberam, nos dois Jornais Nacionais imediatamente anteriores à eleição, cobertura ampla, histérica e raivosa que excedeu inclusive o tempo dedicado a um dos piores acidentes aéreos da história do Brasil, em que mais de uma centena de famílias haviam sofrido perdas. Isso no sábado, porque na sexta-feira o JN curiosamente ainda não sabia que o avião da Gol havia caído. O Sr. Ali Kamel sofisma, faz traça da inteligência de seu leitor e não oferece explicação satisfatória para o fato de que a CNN e o New York Times noticiaram a queda do avião da Gol horas antes da TV Globo. Essas horas são cruciais, claro, porque entre aquelas foi exibido o Jornal Nacional com a farra das fotos. Na reportagem em que detalhou como a Globo omitiu informações cruciais na divulgação do dossiê, Raimundo Pereira incluiu as dez perguntas que havia encaminhado ao responsável pela Central Globo de Jornalismo. O Sr. Ali Kamel não respondeu nenhuma das dez perguntas feitas pelo jornalista Raimundo Pereira quando da confecção da reportagem.

Seis dias depois da ampla circulação da reportagem da Carta Capital e de sua repercussão na internet, o Sr. Ali Kamel veio ao Observatório da Imprensa tentar se explicar. A reportagem da Carta Capital havia perguntado porque o JN não destacara um repórter para a investigação das relações entre Barjas Negri e Abel Pereira em Piracicaba. Perguntava porque a Globo omitiu o conteúdo da conversa que atestava participação na ilegalidade cometida pelo delegado Bruno. Perguntava porque a Globo adotou critérios diferentes para divulgar as fotos (obtidas ilegalmente) na véspera da eleição e não divulgar o dossiê de Cuiabá sob a alegação de que o material estava sob suspeita. Perguntava várias outras coisas. Quantas dessas perguntas o Sr. Ali Kamel responde no seu longo arrazoado de enrolações produzido seis dias depois da publicação da CC? Nenhuma. globo.jpg

Para tentar defender a si e ao Jornalismo da Globo, Ali Kamel escreveu um texto que se enrola em contradições, longas citações fora de assunto, omissões de explicação para fatos já sabidos, meias-verdades, clichês desprovidos de credibilidade e todo um sem-fim de fraquíssimos truques retóricos para evitar responder claramente o perguntado. Como exercício de argumentação num hipotético curso de graduação em retórica, o texto de Kamel mereceria nota não maior que D até mesmo na Faculdade de Conceição do Mato Dentro.

O artigo de Kamel tenta fazer-nos crer que o acidente da Gol já não era fato sabido às 20:30 de sexta-feira, e sua mentira é desmascarada por vários leitores que testemunham terem lido sobre o acidente antes do JN (em vários outros veículos, como a CNN e o Terra) e terem ligado a televisão na Globo com a esperança – a certeza – de que o JN o noticiaria. Leva o primeiro tombo ali. Também tenta desqualificar as 10 perguntas apresentadas por Raimundo Pereira usando um velho truque retórico: simplesmente ignora 8 delas e toma 2, jogando uma contra a outra como se elas fossem contraditórias entre si. Não são. Elas perguntam coisas diferentes sobre a não-cobertura das atividades de Abel Pereira. É pego na mentira uma segunda vez. Escreve como se a frase Tem de sair hoje à noite na TV. Tem de sair no Jornal Nacional, dita pelo delegado Bruno, tivesse sido editada pela Carta Capital. Não foi. Pego na mentira a terceira vez. No final coloca um PS dizendo que Cópias da fita com a conversa gravada entre o delegado e os repórteres, divulgadas por alguns sites, estranhamente têm uma qualidade sofrível. Duas horas depois ele é pego na mentira pelo próprio site da Globo que, diante da pressão criada na internet, coloca no ar a gravação da conversa – pelo menos quatro dias depois da sua divulgação em outros blogs, como o de Paulo Henrique Amorim - ironicamente desautorizando seu chefe de jornalismo com o título Leia e ouça, com nitidez e na íntegra, conversa do delegado do caso dossiê com repórteres. Kamel também é contradito outras vezes, como quando afirma que esses diálogos mostram claramente que CartaCapital se baseou numa edição parcial das frases do delegado. Os leitores do Observatório demonstram repetidas vezes, de diferentes formas, como é Kamel que está omitindo o fundamental: a motivação política, vingativa e a atitude ilegal do delegado Bruno com a cumplicidade da direção de jornalismo da Globo, que recebeu a fita não depois do dia 29 de setembro e agiu como se não a tivesse recebido.

Enquanto que as inverdades são muitas, as meias-verdades não são menos numerosas: Kamel repete duas vezes no seu texto que o delegado Bruno, ao vazar as fotos, conversara com quatro repórteres, “nenhum deles da TV Globo”, sem dizer que uma delas era do jornal O Globo, sem dizer que além disso um repórter do JN é explicitamente mencionado na conversa,sem dizer que o material é prometido a ele e sem dizer que o jornalismo da TV Globo sim recebe a gravação não depois de 29 de setembro e decide acobertar a mentira que ali está. Esqueceu de dizer isso tudo? Ora, ora, quem está trabalhando com uma edição parcial das frases do delegado?

Depois de umas poucas horas no site do Observatório, o texto de Kamel já havia sido esmigalhado, minuciosamente desmontado, desconstruído, depenado por 90% - sim, pelo menos 90% - dos 286 leitores que lá haviam escrito até a madrugada de hoje. Os leitores não puderam senão recordar, claro, a sujíssima história da TV Globo em episódios como o quase-roubo da eleição estadual de 1982 das mãos de Brizola (em conluio com o Proconsult) e a edição do debate Collor / Lula em 1989. Este episódio das fotos ilegais para atingir Lula e a posterior – posterior em seis dias – “explicação” de Kamel demonstra que a TV Globo vai além de ter na chefia do maior telejornal do país alguém que pensa em seu tele-espectador como um “Homer Simpson”. Demonstra também que o chefe de jornalismo da Globo ainda não conseguiu diferenciar os leitores de um site como o Observatório da Imprensa dos seus Homers imaginários. Demonstra que o Sr. Ali Kamel ainda não aprendeu o básico do básico sobre o jornalismo político dos nossos tempos: que na era da internet, o buraco é mais embaixo. Tudo indica que pagará caro em perda de credibilidade por achar que o Observatório da Imprensa era o sofá de Homer Simpson.

Fonte: O Biscoito Fino e a Massa

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