terça-feira, 1 de julho de 2008

Naomi Klein: Os Chicago Boys de Obama


Barack Obama esperou apenas três dias depois de Hillary Clinton deixar a corrida à candidatura democrática à presidência dos EUA para declarar, na CNBC: ''Vejam, eu sou uma pessoa favorável ao crescimento, ao livre-mercado. Adoro o mercado''. Para demonstrar que não se tratou de um fortuito impulso primaveril, nomeou Jason Furman, de 37 anos, como chefe de seu time de política econômica. Furman é um dos mais importantes defensores da Wal-Mart, ungindo a empresa como uma ''história moderna de sucesso''.

Por Naomi Klein

''Durante a campanha, Obama criticava Clinton por fazer parte do conselho de administração da Wal-Mart e prometeu: ''Não compro lá.''

Para Furman, contudo, são os críticos da Wal-Mart a verdadeira ameaça: os ''esforços para que a Wal-Mart eleve os salários e benefícios'' criam ''danos colaterais'' que são ''enormes e que prejudicam os trabalhadores e a economia de forma muito ampla para que eu me sente preguiçosamente e cante 'Kum-ba-ya' (1) nos interesses da harmonia progressista''.

Os amores de Obama pelos mercados e o desejo de ''mudança'' não são inerentemente incompatíveis. ''O mercado saiu do equilíbrio'', diz, e o mais certo é que tenha mesmo.

Muitos remontam este profundo desequilíbrio às idéias de Milton Friedman, que desencadeou, do seu poleiro no departamento de economia da Universidade de Chicago, uma contra-revolução contra o New Deal. E aqui surgem mais problemas, porque Obama — que ensinou direito na Universidade de Chicago durante uma década — está profundamente entranhado pela tendência conhecida como Escola de Chicago.

Obama escolheu como principal conselheiro econômico Austan Goolsbee, economista da Universidade de Chicago situado do lado esquerdo de um espectro que se detém na centro-direita. Goolsbee, diferente dos seus colegas mais friedmanistas, vê a desigualdade como um problema.

Mas a sua primeira solução é mais educação — uma linha que também é seguida por Alan Greenspan. Na sua cidade natal, Goolsbee tem ligado avidamente Obama à Escola de Chicago. ''Se olharmos para a sua plataforma, para os seus conselheiros, para o seu temperamento, o homem tem um saudável respeito pelos mercados'', disse à revista Chicago. Está no ethos da (Universidade de Chicago), o que é um pouco diferente de dizer que ele é laissez-faire.''

Outro dos fãs é o bilionário Kenneth Griffin, de 39 anos, CEO do fundo de garantia Citadel Investment Group. Griffin, que doou a Obama o máximo valor permitido, é uma espécie de poster de uma economia desequilibrada.

Ele casou em Versailles e a festa foi realizada local usado por Maria Antonieta para passar as férias — com a presença do Cirque du Soleil — e é um dos mais fervorosos apoiadores da manutenção das brechas legislativas que favorecem os fundos especulativos. Enquanto Obama fala sobre endurecer as regras comerciais com a China, Griffin tem contornado as poucas barreiras que existem. Apesar das sanções que proíbem a venda de equipamento de polícia à China, o Citadel despejou dinheiro em discutíveis empresas chinesas de segurança que colocaram a população local sob níveis sem precedentes de vigilância.

Agora é o momento de nos preocuparmos com os Chicago Boys de Obama e o seu compromisso de desviar as tentativas sérias de regulação. Foi nos dois meses e meio que separaram a vitória na eleição de 1992 e a posse que Bill Clinton fez uma curva de 180 graus na economia.

Fez campanha prometendo a revisão do Nafta, a adoção de medidas trabalhistas e ambientais e investir em programas sociais. Mas duas semanas antes da posse, encontrou-se com Robert Rubin, então chefe da Goldman Sachs, que o convenceu da urgência de abraçar a austeridade e mais liberalização. Rubin disse à emissora pública americana PBS: ''Na verdade, o presidente Clinton tomou a decisão antes de sentar-se no Gabinete Oval, durante a transição, no que foi uma mudança dramática na política econômica.''

Furman, um dos principais discípulos de Rubin, foi escolhido para dirigir o Projecto Hamilton da Brookings Institution, o ''think tank'' que Rubin ajudou a fundar para defender a reforma, e não o abandono da agenda de livre-comércio. Juntem a isso a reunião de Fevereiro de Goolsbee com funcionários do consulado canadiano, que deixou a impressão de que tinham recebido instruções para não levar a sério a campanha anti-Nafta de Obama, e há todos os motivos para o receio de que ocorra uma repetição de 1993.

A ironia é que não há absolutamente nenhuma razão para este retrocesso. O movimento desencadeado por Friedman, introduzido por Reagan e fortificado por Clinton, enfrenta uma profunda crise de legitimidade em todo o mundo.

Em nenhum lugar isto é mais evidente que na própria Universidade de Chicago. Em meados de Maio, quando o presidente da Universidade, Robert Zimmer, anunciou a criação do Instituto Milton Friedman, de 200 milhões de dólares, um centro de pesquisa econômica voltado para a continuação e a ampliação do legado de Friedman, explodiu a controvérsia.

Mais de 100 membros do corpo docente assinaram uma carta de protesto. ''Os efeitos da ordem global neoliberal que foi instalada nas décadas recentes, fortemente sustentada pela Escola de Economia de Chicago, não foi de forma alguma inequivocamente positivo'', declarava a carta. ''Muitos argumentariam que foram negativos para grande parte da população mundial''.

Quando Friedman morreu, em 2006, estas notáveis críticas ao seu legado ficaram largamente esquecidas. Os testemunhos só contaram os grandes feitos, com uma das mais importantes avaliações publicada no New York Times — escrita por Austan Goolsbee. Mas ainda hoje, apenas dois anos depois, pensam que ainda estão em débito com o nome de Friedman, mesmo na sua própria alma mater. Então, por que Obama escolheu este momento, quando deixaram de existir as ilusões de consenso, para viver uma nostalgia pela Escola de Chicago?

As notícias não são todas más. Furman afirma que vai usar o conhecimento de dois economistas keynesianos: Jared Bernstein, do Instituto de Política Econômica, e James Galbraith, filho do oponente figadal de Friedman, John Kenneth Galbraith. A ''nossa crise econômica atual'', disse Obama recentemente, não veio do nada. É a ''conclusão lógica de uma filosofia cansada e equivocada que dominou Washington por demasiado tempo''.

É mais que verdade. Mas antes que Obama possa limpar Washington do flagelo do friedmanismo, também tem de fazer alguma limpeza na sua própria casa.''


(1) Kum-ba-ya é uma canção gospel americana do início do século 20, bastante popular nos Estados Unidos. Também soletrado kum ba yah, kumbaya e de outras maneiras, a palavra representa um chamado de Deus. Poderia ser traduzida literalmente como ''venha por aqui''. Sua origem é africana, seus autores eram negros escravizados de Angola e da Nigéria.

A jornalista e colunista americana Naomi Klein é autora de Sem Logo: A Tirania das Marcas em um Planeta Vendido (No Logo: Taking Aim at the Brand Bullies), traduzido em 25 línguas, de The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism e de Cercas e Janelas (Fences and Windows: Dispatches from the Front Lines of the Globalization Debate).

Fonte: The Nation (http://www.thenation.com/)

Fonte: Vermelho



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