domingo, 2 de março de 2008

Reação em cadeia - por Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa - fonte: http://www.cartacapital.com.br

Reação em cadeia

Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa

Em 21 de fevereiro, o Iraque foi novamente invadido. Desta vez, pela Turquia, que avançou 30 quilômetros no Curdistão, única região relativamente poupada do caos da primeira ocupação, com milhares de soldados e dezenas de tanques. Mais uma vez, em conseqüência, o preço do petróleo subiu e agora fecha regularmente acima dos 100 dólares por barril.


Segundo a ONU, os bombardeios às aldeias que supostamente abrigam separatistas produziram 1.225 refugiados. Os turcos dizem ter perdido 17 soldados e matado 150 guerrilheiros, estes dizem ter abatido 81 turcos.

A Turquia tem, ao menos, a desculpa de ter motivos mais concretos para sua ação do que os EUA em 2003. As alegações de Bush júnior, Colin Powell e Tony Blair sobre o perigo das armas de destruição em massa de Saddam Hussein foram totalmente forjadas, ao passo que a guerrilha separatista curda na Turquia de fato usa o Curdistão iraquiano como base para suas operações, que já causaram milhares de mortos no confronto com o exército turco.

Além disso, o governo de Istambul também ganhou mais motivos para recear o movimento separatista. O ataque aconteceu dias depois que os EUA e a maior parte da União Européia (salvo Espanha, Eslováquia, Romênia, Grécia e Chipre, integrantes preocupados com seus próprios separatistas) reconheceram a independência de Kosovo sem a aprovação da ONU ou do Conselho de Segurança e mostraram não dar grande valor à preservação do direito internacional quando este conflita com seus interesses econômicos e estratégicos.

Não os do humanitarismo ou da autodeterminação dos povos, acentue-se, pois é claro que este princípio não é aplicado quando não convém. Nenhum país, além da Turquia, reconheceu os separatistas da República Turca do Norte de Chipre, que existe de fato desde 1983. E o que aconteceria se a Escócia, a Flandres ou o País Basco proclamassem unilateralmente sua independência?

Nos últimos anos, debates entre políticos e estrategistas respeitados nos EUA deixaram clara a importância de correntes favoráveis à tripartição do Iraque em três mini-estados, dos quais o Curdistão rico em petróleo seria o mais fiel aliado de Washington na região, e mesmo à criação de um “Grande Curdistão”, incluindo territórios da Turquia, Síria e Irã, em um “Novo Oriente Médio” redesenhado de acordo com as conveniências estadunidenses.

Quando as potências fazem prevalecer o fato consumado e a lei do mais forte e ignoram as vantagens de uma ordem internacional aceita pelo consenso das nações, não se deve estranhar que pequenas e médias potências também tentem prevenir tais fatos consumados e defender seus interesses pela força.

O governo turco quer não só reprimir a guerrilha em seu território, como também isolar os separatistas do PKK (Partido dos Trabalhadores Curdos) no Iraque e desencorajar a independência total do Curdistão iraquiano, que certamente estimularia seus primos do norte a fragmentar a Turquia. Convém lembrar que os curdos iraquianos – bem como seus amigos no Ocidente, interessados no acesso a seus campos de petróleo – consideram sua independência total uma questão de tempo, desde a invasão de 2003.

Se esta é a melhor solução para os povos da região, isso não está entre as preocupações de Ancara, como também não está entre as de Washington, Londres, Berlim ou Paris. Mas a ação turca coloca aos EUA e seus aliados um dilema. A Turquia, apesar de rejeitada como membro da União Européia, é um membro sólido e tradicional da OTAN.

Apesar do mal-estar com a invasão, Washington, que certamente teria meios de impedi-la, limitou-se a pedir aos turcos que a façam a mais breve possível. Isto provavelmente vai enfraquecer o apoio que até agora os curdos deram às forças de ocupação e pode acabar com a única ilha de estabilidade com que as tropas do Pentágono e as transnacionais petrolíferas têm contado dentro do caos iraquiano.

fonte: http://www.cartacapital.com.br


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