segunda-feira, 21 de julho de 2008

Temos enfim a Coisa Nossa?

José de Souza Castro, do Tamos com Raiva

O relatório sobre a organização criminosa chefiada por Daniel Dantas, segundo a Polícia Federal, cuja íntegra está disponível abaixo (artigo anterior), tem 210 páginas. É um relatório parcial das investigações iniciadas em maio de 2006, após o encerramento da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso Nacional (CPMI dos Correios) sobre o chamado "Mensalão". Ele foi encaminhado em 23 de junho passado ao juiz federal Fausto Martin de Sanctis pela delegada Karina Murakami Souza, da Diretoria de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal. Assunto do relatório: Operação Satiagraha.

O documento serviu de base para o pedido de expedição de mandados de busca e apreensão, quebra de sigilo fiscal e bancário e bloqueio de valores de dirigentes do Grupo Opportunity, formado "por centenas de empresas financeiras e não-financeiras, nacionais e off-shore", conforme o relatório. Ele descreve como o grupo nasceu e se desenvolveu durante o governo Fernando Henrique Cardoso – que não é citado –, nutrido principalmente pela privatização do Sistema Telebrás. Em 2001, o grupo administrou um total de ativos em torno de R$ 6,6 bilhões, sendo que desse total cerca de R$ 3 bilhões seriam de investimentos em fundos e off-shores estabelecidos em paraísos fiscais.

Um dos muitos crimes atribuídos a Daniel Dantas e suas empresas é o de evasão de divisas, caracterizado pela aplicação ilegal de recursos de pessoas residentes no Brasil em sub-fundos geridos pelo Opportunity Fund, gestor do Opportunity Asset Management Ltda e cujo administrador nas Ilhas Cayman, um paraíso fiscal, é o ABN AMRO Trust Company.

O relatório chama o grupo de Daniel Dantas de uma organização criminosa, conceito que não tem ainda uma definição legal no sistema judiciário brasileiro. "Todavia, podemos constatar uma série de elementos na composição de quase todas as definições, quais sejam: a) previsão de lucros; b) hierarquia entre seus membros; c) planejamento empresarial; d) divisão de trabalhos; e) ingerência no poder estatal; f) mescla de atividades lícitas e ilícitas para dificultar a atuação dos órgãos públicos encarregados da persecução penal. No caso em tela, encontram-se presentes todas estas características", afirma o documento.

Não é só: "Ao longo da investigação notamos a constante aproximação do grupo com autoridades públicas, lobistas, jornalistas, grandes empresários, pessoas muito bem articuladas, uma vez que esses contatos nas diversas esferas públicas e privadas são necessários para que a organização criminosa continue atuando de forma protegida".

Uma das partes mais interessantes do relatório é a que diz que o Grupo Opportunity uniu-se ao Citibank alguns anos antes de se iniciar o processo de privatização do Sistema Telebrás em julho de 1998. "Para esta união ficou combinada a criação de fundos de investimento em Cayman (paraíso fiscal) para que os mesmos atuassem arrematando empresas de telefonia fixa e móvel no leilão que ocorreria em seguida". Foram criados dois fundos em Cayman e outro no Brasil, o CVC FIA, composto por fundos de pensão. O CVC FIA e o CVC LP, de Cayman, seriam fundos espelho, ou seja, ambos investiriam nos mesmos ativos. Os dois fundos de Cayman deveriam ingressar dinheiro no Brasil e registrá-lo no Banco Central como investimento estrangeiro no país.

Para pôr em prática a estratégia, foram criadas oito holdings ou sociedades de participação. Elas formam enormes cadeias societárias tendo como ponto de partida os três fundos. "Futuramente, essas cadeias seriam o atual Grupo Opportunity, não porque ele detenha controle financeiro, mas porque através de acordos e inúmeros contratos Daniel Dantas conseguiu controlar os conselhos deliberativos, diretorias, fundos gestores e todas as decisões desse conglomerado", que arrematou nos leilões de privatização a Tele Centro-Sul (atual Brasil Telecom), a Tele Norte Celular (atual Amazônia Celular) e a Telemig Celular.

Segundo o relatório, o Grupo Opportunity é formado por centenas de empresas, mas a maior parte é somente de "prateleira" ou "veículo", ou seja, sua criação está vinculada a um propósito específico, sem que haja a organização de qualquer atividade econômica para produção ou circulação de bens e serviços. "Identificamos a utilização destas empresas para a consecução de objetivos ilícitos", diz o relatório. "Forma-se um emaranhado societário tão complexo que nos impede de enxergar claramente quem é o controlador de fato, protegendo a ação do grupo". Daniel Dantas, sua irmã Verônica e mais 11 pessoas participam de alguma forma do controle ou da gestão de 151 empresas.

Paralelamente a estas condutas, afirma o relatório, "temos a utilização de práticas jurídicas de protelamento de processos judiciais e outras arquitetadas pelo grupo junto com grandes escritórios de advocacia como Barbosa, Musnich e Aragão, Nélio Machado, Gordilho, Pavie Ribeiro e Aragão, inclusive no exterior, como o advogado Phill Korologos, bem como a utilização de empresas de espionagem (Kroll) ou agentes de influência para obtenção de informações sigilosas".

Ou seja, se é uma organização criminosa, é bem organizada – e muito poderosa. Ou seja, se é isso, temos finalmente a nossa máfia. A Coisa Nossa!

Fonte: NovaE


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