Por Marcelo Salles - salles@fazendomedia.com
Susan Willis
Boitempo Editorial
128 páginas
R$ 32,00
Muito já foi publicado a respeito do significado e das conseqüências do ataque de 11 setembro de 2001 às torres gêmeas, em Nova York. Desde Noam Chomsky até os mais diversos colunistas de jornais e revistas do mundo inteiro, todos abordaram as dimensões políticas e militares do episódio. Assim como também analisaram as perspectivas das relações internacionais e até investigaram o trauma psicológico que se abateu sobre o povo estadunidense. Mas até a publicação de “Evidências do Real” (Boitempo) ninguém havia trazido para primeiro plano o impacto cultural daquele acontecimento, pelo menos não com a maestria de Susan Willis.
Em 127 páginas ela disseca as evidências daquele 11/9 na realidade subjetiva do povo estadunidense. Para tanto, observa desde o papel central exercido pelos meios de comunicação de massa ao uso de bandeirinhas dos EUA como demonstração de apoio ao governo Bush.
O livro é dividido em seis capítulos, além da introdução. Na abertura, é a máxima de Mao Tsé Tung quem indica o teor da obra: “O ensinamento de Mao está correto: em sua forma mais radical, uma revolução possui caráter cultural”, assinala o escritor Slavoj Zizek.
Se o líder comunista chinês versava sobre a luta contra o capitalismo, a professora Susan Willis desloca a centralidade da cultura e nos ensina que o peso subjetivo do 11 de setembro foi manipulado com exímia habilidade pelos neoconservadores de Washington. Em lugar de uma revolução anti-capitalista, tivemos um aprofundamento do capitalismo. Ao invés da revolução cultural preconizada por Mao, o que se viu foi uma involução cultural que sabotou qualquer possibilidade de resistência organizada em solo estadunidense. O país foi atacado em seu interior – territorial e mental.
Daí o feliz trocadilho do segundo capítulo, intitulado “Antraz are US”. Isto é: “Antraz somos nós” ou “Antraz são os EUA”. A autora mostra como o pânico do pó branco foi muito maior do que a real ameaça, enquanto ameaças reais não são vistas como tal. “Nem todos nós recebemos uma ameaça de antraz pelo correio, mas colhemos diariamente os frutos da combustão do carvão sob a forma de chuva ácida e gases provenientes do efeito estufa. O veneno também é um fato da vida industrial, vai dos solventes petroquímicos que absorvemos através da pele até o chumbo que inalamos e ingerimos. Substâncias tóxicas industriais contaminam o ar, a água e o solo”, afirma.
Claro está que numa sociedade pautada pelo espetáculo, tudo o que escapa ao circo parece não existir enquanto objeto merecedor de atenção. Como escreveu Guy Debord no livro “A sociedade do espetáculo”, vivemos tempos em que a própria mercadoria é espetacularizada tão visceralmente que sua utilidade vem sendo progressivamente substituída pelo fetichismo. O prazer se realiza no consumo e não no usufruto do objeto adquirido. “O espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada além dela: o mundo que se vê é o seu mundo” (página 30).
Um dos casos estudados por Susan Willis é o dos atiradores, que também causaram pânico na população, em grande parte devido à irresponsabilidade dos meios de comunicação de massa, para alegria dos que lucram com o desespero alheio. “O atirador sinaliza o avanço militar sobre a vida cotidiana e a transformação de nossas cidades em campos de batalha”, interpreta a professora. Aqui se encaixa com perfeição uma declaração de Bush durante o início do segundo genocídio ianque no Iraque: “I’m a war president”.
O presidente da guerra, isto posto pelo próprio em meio a risadas, é a chave para a compreensão do retrocesso cultural a que foram submetidos os Estados Unidos. Enquanto soldados destruíam parques arqueológicos e obras de arte datadas de milhares de anos, o imbecil chantageava a França com a mudança do nome das batatas fritas. “Se não se juntarem a nós, as ‘french fries’ vão passar a se chamar ‘freedom fries’”. A cultura da arrogância, da mediocridade, do “manda quem pode, obedece quem tem juízo” encontrou campo fértil nos EUA pós-11/9. Nunca tantos idiotas prosperaram tanto em tão pouco tempo.
No penúltimo capítulo, intitulado “O maior show da Terra”, a autora retoma a crítica à mídia de massa, que cuida de anestesiar pela imposição do terror. “Três anos após os ataques o sentimento de medo é estimulado pelos meios de comunicação, nos quais abundam o sensacionalismo, as mensagens dúbias e uma quantidade considerável do que poderíamos considerar evidentes mentiras (...) A CIA, o FBI e a NSA constituem uma babel de desinformação”. A proposta desse sistema é muito clara, inclusive com relação às válvulas de escape – até elas mantidas sob o controle da espiral do lucro acima da vida: “Como terapia contra o estresse, vamos às compras. Contra a ansiedade, comemos”.
Susan Willis passa a analisar o impacto do Ato Patriota, conjunto de leis aprovado apenas 45 dias após os ataques de 11 de setembro, que aumenta a regulamentação, o controle e a fiscalização das atividades cotidianas dos cidadãos norte-americanos, exacerbando o poder de policiamento do governo. Vale ressaltar a observação do cineasta Michael Moore, em seu documentário Fahrenheit 11/9: a maioria dos parlamentares que votaram pela aprovação do Ato Patriota não leu seu texto.
Não chega a surpreender que uma cultura ancorada na espetacularização imediatista produza políticos desta monta. Mas sempre assusta saber que sua ignorância causará impactos em todos os cantos do mundo, sobretudo quando se trata de aprovar bilhões de dólares para a maior máquina de matar da História, também conhecida como Exército dos EUA. E talvez seja este o grande mérito de Willis em “Evidências do Real”: retirar a cultura de seu suposto campo subjetivo e apresentá-la como algo palpável, tangível e, portanto, passível de ser utilizada como ferramenta para transformação da realidade.
Fonte: Fazendo Media
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