Na semana passada, a grande imprensa divulgou a comemoração dos 60 anos da criação de Israel. Foi no dia 8 de maio. Isso porque o calendário judaico é móvel e tem base lunar. No calendário cristão e ocidental, a data da criação e estabelecimento do Estado de Israel deu-se no dia 15 de maio de 1948, portanto, nesta quinta-feira. Por isso, optamos em comentar essa data nesta semana.
A decisão de criar dois estados em terras palestinas, um judeu e um palestino foi tomada em sessão polêmica pela recém criada Organização das Nações Unidas em 29 de Novembro de 1947. Foi votação apertada, pois eram apenas 33 estados membros, o Brasil inclusive. Foram apenas 18 votos a favor, sendo uma espécie de voto de minerva o do brasileiro Oswaldo Aranha, de ascendência judaica, que naquela Assembléia Geral presidia a sessão. Não é por menos que Aranha é homenageado e muito conhecido em Israel, uma espécie de herói nacional.
A própria ONU avaliava como polêmica a decisão, pois ela reconhecia que isso feria o princípio da autodeterminação do povo palestino que habitava aquelas terras havia milhares de anos. Era polêmica também pelo simples fato que a ONU não pode criar um Estado, pois sua Carta das Nações veda essa possibilidade. Se a moda pega cria-se estado a três por quatro e em seguida esses mesmos "estados" pedem ingresso no sistema das Nações e passam a votar, desestabilizando as futuras votações. Tanto isso é fato que nunca outro "estado" foi criado pela mesma ONU.
Já comentamos em colunas passadas, a posição da então União Soviética, sob o comando de Joseph Stálin. Muitas pessoas de esquerda e comprometidas hoje com a luta dos palestinos sempre nos indagam porque a URSS votou junto com os Estados Unidos pela criação do Estado judeu. Essa é uma pergunta que, invariavelmente aparece nas palestras que ministramos por esse Brasil afora. Minha avaliação pessoal, tal resposta se baseia em duas possibilidades.
A primeira delas relaciona-se com a forte comoção que o mundo viveu quando veio à tona o genocídio judaico, a chamada "solução final" de Hitler, de exterminar, eliminar fisicamente todos os judeus da Alemanha. Um verdadeiro genocídio de um povo. Os campos de extermínio ficaram escancaradas quando o Exército Vermelho, grande vencedor da II Guerra, vindo do leste Europeu, libertou a Polônia e já em território alemão. Os fornos crematórios vieram à tona, imagens chocantes de esqueletos, cadáveres, salas de extermínio em massa com ácido e gás. Isso chocou o mundo. Tais imagens marcam até os dias atuais, a memória e a consciência dos povos.
Outro aspecto, de meu ponto de vista, diz respeito a uma questão mais política. Havia dentro do PCUS, o Partido Comunista da União Soviética, uma avaliação de que os primeiros imigrantes judeus que se deslocaram da Europa e de parte da Rússia para a Palestina e que fundaram os primeiros Kibutzin, espécie de fazendas coletivas judaicas, eram fervorosos socialistas e que a partir daí, poderiam construir um estado socialista, mais avançado na região do Oriente Médio, que pudesse se contrapor inclusive à hegemonia estadunidense. Triste ilusão.
A vida mostrou que isso nunca se verificaria. De fato, muitos dos primeiros imigrantes tinham mesmo ideais socialistas. Mas nunca tais pessoas tiveram hegemonia política no comando, na liderança judaica, especialmente entre os sionistas. Aqui é preciso esclarecer também, ainda que rapidamente, esse conceito de sionismo político. Sionista são todos os judeus que defendem a criação de um estado israelense em terras palestinas, com força na predestinação bíblica e religiosa.
Mas havia também aspectos políticos. O projeto dos primeiros sionistas que foram à Palestina, dizia respeito à colonização, a um projeto nacionalista judaico, associado aos interesses imperialistas americanos, já a caminho da hegemonia mundial, pois haviam saídos fortalecidos da vitória na I guerra em 1918 (apesar da partilha do Oriente Médio ter-se dado apenas entre França e Inglaterra). Criar um estado judeu em meio a duas dezenas de países árabes é colocar uma espécie de cuia, uma cabeça de ponte de interesses ocidentais e americanos em meio a uma região altamente hostil ao modo de vida ocidental. E a dominação não era apenas territorial, mas essencialmente cultural e até ideológica.
A data fatídica, que os palestinos chamam de Nakba que em árabe quer dizer "Catástrofe", ocorreu exatamente no dia 15 de maio de 1948. Nessa data, o líder judeu e grande sionista chamado Ben Gurion, proclamou o Estado de Israel. E deflagrou uma guerra contra a Síria, a Jordânia e o Egito, que saíram em defesa dos palestinos. Um verdadeiro massacre. Centenas de milhares de palestinos foram expulsos de suas terras onde moravam há séculos.
De lá para cá, seis guerras ocorreram entre judeus e árabes em geral. O Estado de Israel é expansionista, tendo chegado ao seu limite territorial máximo com a Guerra dos Seis Dias de junho de 1967. Não abdicou disso, ainda que viva vários dilemas, sendo que o maior deles é a chamada bomba demográfica (explosão populacional da população árabe-israelense e o crescimento praticamente zero da população judaica).
Conseqüências da decisão e desdobramentos
Desde 1974, através da Resolução nº 3236 da Assembléia Geral das Nações Unidas, os palestinos tiveram reconhecidos vários direitos chamados de inalienáveis. Tiveram reconhecido nesse ano inclusive o de ser membros observadores da ONU. Foi quando Yasser Arafat discursou no plenário da Assembléia Geral, inclusive tendo o seu revolver Colt no coldre. E ficou famosa a sua frase: trago em uma das mãos uma arma, mas na outra um ramo de oliveira, pois buscamos a paz.
No entanto, essa paz nunca foi encontrada. Entre os direitos inalienáveis dos palestinos listados pela ONU e reconhecidos pelas Convenções de Genebra, são: direito à sua autodeterminaçã
No teatro das nações, no campo da ONU, Israel segue sendo extremamente um estado sob proteção americana. Nesses 60 anos que separam da decisão catastrófica tomada em 1948, pelo menos 37 vezes o Conselho de Segurança tomou decisões desfavoráveis a Israel, mas foram vetadas pelos Estados Unidos. E qual estado na terra enfrentaria o poderio militar e econômico dos americanos para fazer cumprir uma decisão da ONU? Nenhum, seguramente.
Israel segue sendo uma espécie de estado pária na comunidade das nações. Só reconhece resoluções da ONU que lhes são favoráveis. Nenhuma outra que lhes é desfavorável, não cumpre. Viola sistematicamente todas as Convenções de Genebra, sobre tratamento de prisioneiros, direito de defesa e de advogados, ataques a civis. Discrimina sistematicamente os palestinos e árabes em geral em suas próprias terras. Trabalhadores árabes ganham até metade do que um trabalhador israelense, ainda que desempenhem as mesmas funções. Árabes israelenses só podem se candidatar se forem filiados ao Partido Comunista Israelense, o único que aceita filiações de palestinos. Apesar de se propagar um "estado democrático" (sic), é um estado discriminador e mesmo racista. A carteira de identidade dos israelense, entre os dados pessoais, consta um campo denominado "religião". Os muçulmanos são sistematicamente discriminados e os judeus têm todos os direitos.
Perspectivas e atualidades
Como tenho afirmado nesse espaço, não vejo perspectiva alguma de que possamos ter paz na região. Nos dois lados do conflito e das partes em disputa, temos líderes enfraquecidos, seja do primeiro ministro Olmert ,de Israel, seja Abbas, presidente da ANP dos palestinos. E o que é pior, o movimento nacional e de resistência palestina encontra-se dividido. O Hamas, que controla a Faixa de Gaza e venceu eleições legislativas em janeiro de 2006, enfrenta de armas em punho - um erro histórico - os combatentes e guerrilheiros do Fatah, que controla a Cisjordânia, ao qual Mahmoud Abbas é vinculado.
Nesse sentido, nenhum dos dois líderes teria condições históricas morais (Olmert inclusive é investigado por corrupção eleitoral, o famoso caixa dois de campanha e ficou desgastado com a derrota que sofreu dos guerrilheiros do Hezbollah em julho de 2007) ou políticas de assinar qualquer acordo de paz. Na opinião pública israelense o desgaste de Olmert é imenso. Ao que tudo indica, ele perderá fragorosamente as eleições assim que elas forem convocadas, ficando em minoria e sem condições de formar qualquer governo em Israel. Pesquisas indicam inclusive uma possível vitória de Benjamin Netanyahu, um homem vinculado ao Likud, partido de extrema direita de Israel se as eleições ocorressem hoje. Se as negociações hoje não andam boas, com a vitória desse fascista, interrompe-se completamente as negociações e nenhuma concessão será feita.
Como disse, a bomba populacional é a mais explosiva de todas as bombas. Nesse sentido é até possível que, pragmaticamente falando, algumas lideranças judaicas e mesmo parte do povo possa aceitar de uma vez por todas a criação de um Estado Palestino, com 60 anos de atraso e que é apoiada hoje inclusive pelos Estados Unidos (uma pesquisa recente indica que 77% dos israelenses acham que Israel está sob ameaça por causa da questão populacional)
De minha parte, repito: não haverá paz em curto prazo. Não neste mundo, onde a correlação de forças em favor de um mundo de justiça e igualdade nos é completamente desfavorável. O mundo é neoliberal, conservador, e em algumas regiões vencem governos de direita (Roma é agora governada por um fascista e desde o fim da II Guerra isso não ocorria). Não temos força para impor a paz para Israel, aceitar as propostas dos palestinos. Ninguém no mundo hoje tem essa força.
No entanto, uma coisa tenho certeza: o sonho de Ben Gurion não se realizará. Explico. Quando da proclamação do Estado judeu, ele havia feito uma profecia. Disse, de forma arrogante como lhe era peculiar em seu estilo, que não durariam 20 anos as lutas dos palestinos pelas suas terras e pelo seu estado. Seria como se os que chegassem à Palestina depois desse prazo nem mais soubessem que um dia aquilo foi habitado por palestinos e que um povo milenar por ali esteve. Errou redondamente. O que fracassou hoje foi o estado judeu. Corrupção, mordomias, violência, autoritarismo, discriminação, migração de jovens (saída de judeus para outros países, retorno aos países de origem dos antepassados)
Por isso, sempre estive, estou e estarei com os palestinos para o resto de minha vida. Não vejo hoje outra causa justa em toda a humanidade que possa sequer chegar perto a causa justa do povo palestino. Não há na história recente da humanidade um caso de ocupação de um território e de dominação de um povo por tanto tempo seguido como o caso dos palestinos. Mas, isso mudará em breve. Venceremos!
*Lejeune Mirhan, presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, escritor, arabista e professor membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa, membro da International Sociological Association
Fonte: Vi o Mundo
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