sábado, 17 de maio de 2008

Contra a violência da mídia, a Revolução*


Por Marcelo Salles - salles@fazendomedia.com

Não venha com esse papo de que a pobreza é violenta, porque se assim fosse você não alcançaria a esquina. Quando ouço perguntas sobre a “ordem ubana”, geralmente conectadas pelo chavão “o que fazer com as favelas?”, penso em duas coisas:

1) O coitado que faz uma pergunta dessa se informa exclusivamente pelas corporações de mídia;

2) A violência é anterior à atual conformação das cidades. O sistema capitalista foi constituído de forma extremamente violenta, seja pelas atrocidades cometidas pelos “conquistadores”, como o carniceiro espanhol Francisco Pizarro, que premiava seus soldados à medida em que eles conseguiam atravessar mais índios numa mesma espadada. Ou como a expropriação de terras de camponeses na Inglaterra, movimento que passou à História com o doce nome de “cercamento dos campos”.

E o que faz a propaganda oficial? Associa capitalismo à prosperidade, oportunidade, democracia. E o mais instigante nisso tudo é que o faz sem usar o termo “capitalismo” ou a nomenclatura do campo ideológico que o sustenta, qual seja, “direita”. Por outro lado, as alternativas a este sistema são omitidas ou desqualificadas, como podemos notar pela associação constante entre socialismo e ditadura. Ou entre anarquismo e baderna.

E é por isso que as corporações de mídia mentem o tempo inteiro. Não em numa reportagem ou outra, num comercial ou outro, numa novela ou outra. É sua própria essência quem está corrompida. Em nome da manutenção deste sistema, não conseguem publicar que a riqueza é produzida por todos; em vez disso, esforçam-se para desqualificar o valor da base de trabalho. Ao mesmo tempo elogiam o dinheiro e seus donos, mesmo diante do tratamento desumano que empregam contra os trabalhadores (baixos salários, péssimas condições de trabalho, pouca ou nenhuma garantia social e etc.).

O massacre midiático é tanto que de um lado temos capas e mais capas de revistas a estampar executivos sorridentes e, de outro, vemos o trabalhador cada vez menos se reconhecer enquanto trabalhador. É o triunfo do capital sobre força de trabalho. Mas não através de seu assassinato, e sim pela mais absoluta apropriação de sua potência.

Claro que esse controle não poderia existir sem as corporações de mídia. Não numa sociedade com as nossas características. Numa mega-cidade como o Rio de Janeiro, por exemplo. Um governo, uma empresa ou mesmo um candidato não consegue comunicar uma determinada medida, ação ou proposta sem utilizar veículos de comunicação de massa. Acontece que hoje, no Brasil, esses veículos estão concentrados nas mãos de poucas famílias e/ou grupos empresariais, que são responsáveis pela quase totalidade da produção de subjetividades, ou seja, pelas formas de agir, sentir e viver que são disseminadas. No caso da televisão, por exemplo, que é o veículo com maior poder comunicacional numa sociedade como a brasileira (onde apenas 26% das pessoas entendem o que lêem segundo o Instituto Paulo Montenegro, 2005): das sete emissoras abertas, seis são privadas e ideologicamente afinadas a serviço da exploração do povo brasileiro e do genocídio de outros povos. Ou alguém já viu uma reportagem sobre a violência de um salário mínimo que vale um terço do mínimo necessário para uma família sobreviver? Quem já assistiu a uma matéria condenando a invasão do Iraque? É muita crueldade submeter 190 milhões de pessoas a uma programação como essa.

A mídia privada transmite medo, baixa-estima, covardia. Uma população amendrontada, deprimida e covarde é facilmente controlada. Reside aí a intenção dos conglomerados de comunicação: manter o status quo e de quebra lucrar com a venda de seguros. É por isso que considero o cartunista Carlos Latuff especial. Neste seu desenho ele inverte toda a construção subjetiva da imprensa hegemônica e enaltece a resistência iraquiana. O soldado armado com fuzil observa o corpo inerte do super-homem (veja aqui o cartum que retrata sua morte), ícone máximo da superioridade estadunidense. Ao contrário do que acontece nos quadrinhos da DC Comics, o herói fantasiado não se deu bem. Sua roupa idílica, tão colorida quanto ridícula, e seus “super-poderes” não foram capazes de vencer o combatente iraquiano. Numa radical inversão de valores, o cartunista aniquila muito mais que um simples boneco enfeitado. Seu traço destrói toda a simbologia da dominação imperialista. Sim, amigos, todo povo tem o direito legítimo de se insurgir contra um inimigo que invade seu território. E Carlos Latuff conhece bem os efeitos de sua arte: no mundo inteiro elas são reproduzidas em muros, camisas, cartazes, adesivos e etc. Assim como as tropas de outrora eram incentivadas por canções, os combatentes de hoje são estimulados por alegorias que valorizam e elevam sua resistência. Não é à toa que o Departamento de Defesa, o Pentágono e a Academia de West Point andam monitorando os passos do nosso cartunista (veja aqui seu blog).

Por fim, resta a conclusão deste comentário: a revolução brasileira passa pela democratização dos meios de comunicação. Não será possível descolonizar o país sem descolonizar as mentes.

(*) Texto dedicado a uma mulher que vi entrar num ônibus, na cidade do Rio de Janeiro. Ela tinha uns 50 anos, cabeça baixa, olhar miúdo e uma expressão entre apenada e envergonhada de sua própria condição, o que ficou bastante evidente ao passar o cartão magnético para destravar a roleta. Era como se implorasse para que ele funcionasse e, assim, pudesse seguir viagem após pagar uma das tarifas mais caras do mundo: R$ 2,10. Que um dia essa feição submissa não seja regra entre os brasileiros. Que quando nos depararmos diante do abuso cometido por um empresário de ônibus, sejamos fortes e unidos para vencê-lo. Que quando estivermos diante de uma tarifa bancária abusiva, que sejamos fortes e unidos para derrubá-la. Que quando estivermos diante de uma violência subjetiva, que sejamos fortes e unidos para destruí-la. Porque todo ato de rebeldia consciente deve ser defendido.

Fonte: Fazendo Media


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