Conflitos por terra atentam contra direitos humanos no Brasil
Atentando contra indígenas, absolvição de mandante do assassinato de Dorothy Stang e humilhação e destruição de acampamentos de trabalhadores sem-terra sinalizam retomada de onda radical de violações de direitos humanos.
por Ana Claudia Mielki, especial para a Carta Maior
SÃO PAULO – Essa semana o Brasil se chocou com a absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do assassinado da missionária Dorothy Stang em 2005. Dorothy era conhecida por seu trabalho em defesa da reforma agrária, pelo reflorestamento de áreas degradadas e pelo trabalho na minimização dos conflitos do campo no estado do Pará. A absolvição de Vitalmiro acontece na mesma semana em que indígenas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol são atacados e baleados por capangas supostamente contratados por outro fazendeiro, Paulo César Quartieiro, desta vez do estado de Roraima. Quartieiro, que também é prefeito de Pacairama, foi preso pela Polícia Federal.A absolvição de Vitalmiro contrariou as expectativas de organizações não-governamentais, movimentos sociais e representantes políticos que acreditavam na condenação. Bida havia sido condenado em primeiro julgamento realizado em maio de 2007 a uma pena de 30 anos, mas foi absolvido pelo júri no segundo julgamento realizado na última terça-feira, 6 de maio. O fazendeiro teve direito a novo júri porque a pena anterior ultrapassou os 20 anos.
A morosidade da Justiça em processar os responsáveis e ouvir as testemunhas foi preponderante para o desfecho do caso e para a construção da impunidade. É o que aponta Sandra Carvalho, da organização Justiça Global, uma das principais entidades de defesa dos direitos humanos no país. “Houve tempo para que os mandantes cooptassem os pistoleiros, oferecendo vantagens financeiras e também com advogados”. Só para se ter uma idéia, o pistoleiro Rayfran das Neves, o Fogoió, - condenado a 28 anos de prisão - mudou seu depoimento 14 vezes ao longo do processo.
Segundo acompanhamento feito pela Justiça Global, já há indícios suficientes que comprovam a existência de um “consórcio de fazendeiros para encomendar este tipo de crime”. Para Sandra, estamos vivendo “momentos difíceis em que há um acirramento dos conflitos por terras”, causado, sobretudo, por políticas econômicas voltadas ao fortalecimento do agronegócio e à morosidade da Justiça em fazer demarcação de terras para a reforma agrária e titulação de terras indígenas e quilombolas.
Defensores dos direitos humanos no Pará temem pela naturalização da violência ocasionada pela impunidade. O assassinato da irmã Dorothy não é um caso isolado de assassinato de trabalhadores sem-terra e defensores dos direitos humanos no país.
Segundo o relatório dos Conflitos no Campo do Brasil, promovido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2007 foram mortas 28 pessoas em conflito por terra no país, em 2006 foram 39 mortes, sendo 24 somente no estado do Pará. De acordo com a CPT, existem hoje 75 pessoas (com nomes listados) sofrendo algum tipo de ameaça no estado. Além de trabalhadores rurais, a lista conta com lideranças sindicais e comunitárias e religiosos, como o caso do Padre Amaro, coordenador da CPT em Anapu, Dom Erwin Krautler e Frei Henri Roziers, esses dois últimos com proteção policial 24 horas.
Em Roraima, os conflitos se intensificaram com o atentado contra os indígenas ocorrido no dia 5 de maio. Nesta quinta-feira (08), foram suspensas as aulas em todas as escolas indígenas do estado. Os indígenas também realizaram protestos, com o trancamento da Rodovia BR- 318, principal via de escoamento de arroz e insumos. Eles alegam que o governo de Roraima usou argumentos falsos para conseguir a liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a Operação Upatakon 3, realizada pela Polícia Federal para retirar não-índios da reserva - incluindo arrozeiros proprietários de terras.
A liminar foi concedida sob a justificativa de que a reserva indígena, por se tratar de uma área continua em região de divisa com Venezuela e Guiana, poderia dificultar a fiscalização das fronteiras. De acordo com o líder indígena Jaci José de Souza Macuxi, do Conselho Indigenista de Roraima (CIR), a demarcação da reserva em área contínua não representa risco à soberania nacional. Para ele, a ação do governador José de Anchieta Júnior (PSDB) tem como objetivo beneficiar os grandes fazendeiros. A Terra Indígena Raposa Serra do Sol foi demarcada em 1998 e teve sua homologação assinada em 2005 pelo presidente Lula, mas apenas no início deste ano teve início a operação para retirar os não-indígenas. Atualmente, há 18.992 indígenas, de cinco povos, que vivem a região da Raposa Serra do Sol há mais de 4 mil anos.
De acordo com Darci Frigo, coordenador da Terra de Direitos, o Judiciário, nesse momento, “passa a ter um papel de novo de guardião dos interesses patrimonialistas”. “Me preocupam as declarações dadas recentemente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, quando ele criticou a ocupação de prédios públicos por movimentos sociais”. Para Frigo, trata-se de uma tese conservadora, que aponta para os movimentos sociais, mas não diz nada sobre os verdadeiros invasores de terras indígenas, quilombolas, sobre os grileiros que invadem terras públicas, nem para os que utilizam trabalho escravo em suas fazendas. “O papel do Judiciário é conservador, reforça a desigualdade que existe no país, quando deveria ser o de um grande árbitro para garantir a igualdade e a justiça”, completa.
A violência não pára
Em janeiro deste ano a organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) divulgou relatório em que afirmava que a violência no Brasil tem migrado dos grandes centros urbanos para o interior dos estados. Cidades como Tailândia, no estado do Pará, e Colniza, em Mato Grosso, estão se tornando bastante violentas. A impunidade é a principal causa da violência no campo, observa o relatório.
Para Frigo, da Terra de Direitos, há também uma articulação nacional, pautada, sobretudo, por uma ofensiva da bancada ruralista no Congresso, para impedir a demarcação de terras tanto para a reforma agrária, quanto para povos originários. Aliado a isso, a escolha de um modelo econômico baseado no agronegócio tem contribuído para o aumento dos conflitos por terra, aponta Sandra, da Justiça Global.
Na quinta-feira, um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que fica na Fazenda São Paulo II, em São Gabriel (RS), foi invadido por cerca de 1.200 policiais da Brigada Militar. Cinco integrantes do movimento foram presos. Alguns acampados informaram que sofreram humilhação, tendo ficado por mais de 8 horas seminus, sem água ou alimentação. Durante a madrugada, no Paraná, uma milícia armada invadiu um acampamento do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), localizado na BR 369, entre os municípios de Cascavel e Corbélia, no estado do Paraná. Com uma espécie de “caveirão” – um caminhão com carroceria blindada com pequenas janelas de onde os pistoleiros atiravam –, eles destruíram a estrutura do acampamento, inclusive uma igreja e uma escola.
Fonte: Agência Carta Maior
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