terça-feira, 27 de maio de 2008

Desafiando a ocupação militar israelense, Festival Literário foi um sucesso

por Idelber Avelar

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Foi um sucesso o Festival Literário da Palestina, organizado por um grupo de escritores liderados pela anglo-egípcia Ahdaf Soueif. Reconhecendo as dificuldades de locomoção dos palestinos, vítimas há 40 anos da mais brutal ocupação militar da era moderna, o festival viajou pela Cisjordânia e por Jerusalém. Num admirável gesto, os escritores se recusaram a utilizar as estradas exclusivas de turistas e israelenses. Optaram por fazer o percurso a que são obrigados os palestinos (sim, o Apartheid israelense introduziu esta novidade desconhecida até mesmo na velha África do Sul e no Jim Crow americano: as estradas segregadas). Em todas as cidades, os eventos foram assistidos por grande público.

No primeiro dia, os escritores foram detidos durante três horas pelas forças de ocupação israelenses na fronteira da Jordânia com a Palestina. Depois de liberados, encontraram casa lotada à sua espera em Dar-el-Tifl, Jerusalém. O tema do primeiro dia foi “viagens”. Will Dalrymple fez um relato de suas jornadas pela Palestina, enquanto Hanan al-Shaykh arrancou boas risadas do público, demonstrando mais uma vez por que é uma das escritoras favoritas entre os palestinos. No segundo dia, a Universidade Birzeit, em Ramallah, também teve casa lotada para a comunicação de Victoria Brittain, que fez leitura de Enemy Combatant, seu livro em co-autoria com Moazzam Begg sobre o encarceramento deste último em Guantánamo. A leitura de Pankaj Mishra lidou com tensões raciais na Índia e no Paquistão, enquanto Ahdaf Soueif falou sobre o colonialismo inglês no Egito. Depois de um workshop com alunos e uma reunião com escritores palestinos, o Teatro Kasaba também lotou para a sessão da noite em Ramallah.

Na estrada para Hebron, os escritores tiveram que passar duas vezes pelas jaulas metálicas dos postos de controle da ocupação que, às centenas, picotam toda a Palestina, separando cidades, vilas, famílias. Num dos postos, viram uma mulher palestina chorando, bebê ao colo, levando o marido doente, com tubos pelo corpo. Eles haviam sido barrados pelas forças de ocupação. Não havia nada, evidentemente, que os escritores pudessem fazer por ela. Em Hebron, os autores puderam ver a cena terrorífica que são os habitantes dos assentamentos israelenses ilegais fazendo jogging com suas AK-47 penduradas, em constante provocação. Nesse momento, alguns escritores já tinham que se afastar, em meio a crises de choro. O relato de Ahdaf é que, nessa noite, os poemas de Suheir Hammad, escritos para o povo palestino, ecoaram com muita força entre as centenas de assistentes.

Ao longo da peregrinação, os escritores foram aprendendo a “ler” o espaço e a entender a lógica que preside a construção dos fortemente armados assentamentos ilegais de israelenses, que já roubam 40% do território da Cisjordânia. No topo de um monte, uma enorme construção bloqueia o acesso dos habitantes do vilarejo palestino de Silwan a Jerusalém Oriental. Quando as escritoras Esther Freud e Hanan al-Shaykh decidem fazer uma caminhada até o hotel, são cercadas por cães treinados pelas forças de ocupação israelenses e logo avisadas pelos soldados que elas haviam sido observadas e poderiam ter sido fuziladas.

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Roddy Doyle, Ahdaf Soueif, Hanan al-Shaykh, Jamal Mahjoub e Nathalie Handal foram as estrelas do quarto dia do evento, que se realizou na Universidade de Belém. Nathalie falava em sua cidade natal. Depois do evento, o Reverendo Mitri Raheb levou os escritores para uma visita ao Muro do Apartheid, que enjaula Belém por três lados diferentes. Estrangulada pelo muro, Belém vive situação crítica e todos os relatos são de que o evento foi muito importante, simbolicamente, para a cidade. Antes do retorno a Jerusalém, os escritores puderam ver as casas em que as famílias palestinas que se recusaram a sair passaram a ter que acessar pelas janelas, proibidos que foram de entrar pela porta da frente. Também viram as casas que seus donos são proibidos de trancar, posto que são invadidas diariamente entre a meia-noite e as 3 da manhã para que os soldados israelenses “chequem” seus moradores.

O quinto e último dia do evento lotou o Teatro Nacional Palestino. Desta vez, os visitantes foram acompanhados por Raja Shehadeh, escritora e advogada palestina que acaba de receber o Prêmio Orwell pelo seu livro Palestinian Walks: Notes on a Vanishing Landscape. Depois das leituras e palestras literárias, apresentou-se o Yasmeen, um grupo do Conservatório Nacional de Música Edward Said. O vocalista e alaudista do grupo não pôde ir, aprisionado num posto de controle da ocupação militar israelense. Num final emocionado, Ahdaf Soueif se juntou aos outros escritores no palco, enquanto Hanan al-Shaykh lia a última carta de seu sogro, enviada 10 dias antes de que os israelenses o assassinassem.

PS: Mais informações (em inglês) no site do Festival e no artigo de Ahdaf Soueif para o Guardian. As fotos que ilustram o post são de Jamie Archer. A primeira mostra a Universidade Birzeit durante o evento. A segunda mostra o grupo de escritores ao lado do Muro do Apartheid.

PS 2: Não perca a entrevista do Monde Diplomatique com Mustafá Barghouti, líder da Iniciativa Nacional Palestina (o envio do link foi cortesia do amigo – e, na minha opinião, maior prosador brasileiro vivo – Milton Hatoum).

Fonte: Blog o Biscoito Fino e a Massa
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