sábado, 10 de maio de 2008

Dilma e o enterro do dossiê

Redação CartaCapital

Havia tantos factóides pairando no ar que a “notícia” mais importante das nove horas de sessão com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, na Comissão de Infra-Estrutura do Senado, foi se seria ético ou não ela receber um colar. O presente lhe foi dado, com toda a adulação necessária, pelo senador Wellington Salgado (PMDB-MG). “Já que domingo é o Dia das Mães e a senhora é a mãe do PAC, trouxe essa lembrancinha”, disse o cabeludo parlamentar.

Pipocaram os flashes. Os repórteres revoaram na direção da líder do PT, Ideli Salvatti, guardiã do agrado, para conferir do que se tratava. Era um colar de ouro branco com o mapa do Brasil cravejado de brilhantes.

Rapidamente, Heráclito Fortes (DEM-PI) levantou a voz de barítono para protestar que, se o regalo custasse mais de 100 reais, a ministra não poderia aceitá-lo, conforme o código de ética dos servidores. Salgado acabou enfiando o colar no saco.

Houve quem dissesse que esta foi a única vitória da oposição na quarta-feira 7. A ministra chegou pontualmente às 10 da manhã, de tailleur verde-oliva, preparada para a guerra. Ela havia sido convocada a depor, graças a uma manobra da oposição. Como não haviam conseguido trazê-la à CPI dos Cartões Corporativos, o estratagema foi atraí-la para outra comissão, sob a desculpa de falar do PAC, e aí apertá-la sobre o suposto dossiê a respeito dos gastos do governo Fernando Henrique.

Logo de saída, José Agripino (DEM-RN) quis ser arguto e acabou escorregando na indelicadeza mais rasteira. A ministra disse ter mentido durante depoimentos dados sob tortura nos porões da ditadura. Ah, exclama Agripino, então ela é mentirosa.

Com a voz embargada, a ministra disparou o primeiro dos petardos em direção à oposição, combalida já no round inicial. “É impossível a verdade ou o diálogo com pau-de-arara, choques elétricos. Eu tinha 19 anos, fiquei três na cadeia e fui barbaramente torturada. Me orgulho de ter mentido, porque salvei companheiros da tortura e da morte.” E a estocada final, com total aplomb: “Certamente, nós estávamos em momentos diversos das nossas vidas políticas, senador”. Agripino, prefeito biônico de Natal pela Arena em 1979, murchou.

Daí para a frente, o assunto “dossiê” também minguou até quase desaparecer, enquanto a ministra repetia tratar-se de “banco de dados”.

De súbito, o PAC adentrou no palco. Também de verde-oliva, num vestido estilo guerrilheira, Kátia Abreu (DEM-TO) parecia disposta ao duelo entre damas. “Não há novidade alguma no PAC. Achamos bom que Lula continue as obras que foram iniciadas no governo passado, mas não pirateiem”, bradou Abreu, impávida.

Para não perder a forma, o tucano Arthur Virgílio voltou à carga com uma frase ambígua sobre o vazamento das informações, que para ele não são o cerne do problema. “Deu para mim, eu passo adiante.” Troca de olhares perplexos.

A tudo a ministra da Casa Civil respondia com dureza, mas tranqüila. “A senhora não conhece a sistemática do BNDES. Nunca se investiu tanto”, respondeu à senadora Abreu.

O dia seguinte foi de ressaca para os oposicionistas e comemoração para o governo. Álvaro Dias, o tucano que fez vazar as informações sigilosas à imprensa, subiu à tribuna do Senado para criticar Dilma Rousseff por ter “mistificado” nas respostas, mas reconheceu que a ministra saiu politicamente fortalecida do episódio.

Agripino alegou ter sido mal interpretado pela imprensa em sua tentativa de ironizar o passado da ministra, e se apresentou como o primeiro governador do Nordeste a rejeitar a candidatura de Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, contra a orientação do próprio partido, o PDS. “Rasguei as minhas carnes em nome do interesse do Brasil”, discursou.

P.S.: Ao cabo de uma jornada que se pretendia épica, descobriu-se que o vazamento do suposto dossiê anti-FHC foi fruto da associação de um funcionário da Casa Civil com um assessor do senador tucano Álvaro Dias. Pergunta-se: como fica a teoria da chantagem montada no Palácio para intimidar a oposição?

Fonte: Carta Capital

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