A bancada do PT na Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp) quer investigar o pagamento de propinas e os contratos irregulares firmados entre o governo de São Paulo e a multinacional francesa Alstom, a maioria deles nas sucessivas administrações tucanas do Estado. Mas não só os contratos merecem investigação. É preciso descobrir também o que está por trás das doações feitas pela Alstom para as campanhas eleitorais de políticos do DEM e do PSDB em São Paulo.
por Cláudio Gonzalez,
com agências
Entre os beneficiários das doações estão o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB); o líder do governo Serra na Alesp, Barros Munhoz (PSDB); o ex-presidente da Assembléia, Rodrigo Garcia (DEM), hoje secretário municipal do prefeito paulistano Gilberto Kassab (DEM); e o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal. Outras empresas do grupo Alstom também fizeram doações para candidatos tucanos.
Como a lei eleitoral restringe as doações de empresas que mantém contrato de prestação de serviços com órgãos públicos, não se descarta a possibilidade de o “grosso” das doações terem sido feitas através de caixa-dois.
Motivos para a “generosidade” da Alstom com as administrações tucanas não faltam. Baseada em dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária (Sigeo), a liderança do PT aponta que a empresa francesa firmou 139 contratos com o governo estadual, no período de 1989 a 2008, que totalizam R$ 7,62 bilhões, corrigidos para abril deste ano pelo IGP-DI.
Os anos em que Geraldo Alckmin (PSDB) esteve no comando do Palácio dos Bandeirantes estão entre aqueles que a Alstom mais obteve contratos com o governo do Estado de São Paulo, em valores e em quantidade. Foram 77 contratos assinados no valor atualizado de R$ 3,1 bilhões. Seu antecessor, Mário Covas (PSDB), no cargo entre 1995 e 2000, fechou 40 contratos de R$ 2,3 bilhões, enquanto a era pemedebista de Orestes Quércia e Luiz Antonio Fleury Filho, de 1989 a 1994, fechou 20 contratos no valor de R$ 1,1 bilhão.
A atual gestão do também tucano José Serra celebrou quatro contratos com a multinacional suspeita de pagar propina para obter contratos na América Latina e na Ásia entre 1995 e 2003. Dois deles foram aditivos dos anos Quércia-Fleury referentes ao fornecimento de trens e instalação de sistema de sinalização para suas linhas. Só há, porém, o valor de um desses aditivos: R$ 70 milhões. Nos outros dois, feitos em 2007 e 2008, há o valor somente de R$ 1 milhão relativo a fornecimento de sistema de proteção digital. O montante do outro, um reparo de peças da usina de Ilha Solteira, não foi divulgado.
Os deputados verificaram também que cerca de 10 estatais paulistas tiveram contratos com a multinacional, dos quais seis foram julgados irregulares pelo TCE, num total de R$ 1,3 bilhão. Essas irregularidades são apontadas em contratos firmados no período entre 1991 e 2002 com a Cesp (Companhia Energética de São Paulo), o Metrô e a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
A Alstom é uma das empresas que integra o consórcio Linha Amarela do Metrô, ao lado da Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht e Queiroz Galvão.
Um levantamento feito pela assessoria petista na Assembléia detectou que a Alstom no Brasil possui 39 empresas. A multinacional adquiriu nos últimos 20 anos pelo menos dez empresas, como Mecânica Pesada, Masa, Cegelec, ABB, Mafersa, Ansaldo Coesma e outras.
França e Suíça na investigação
A liderança decidiu investigar os contratos após a denúncia de um jornal norte-americano de que a Alstom teria pagado US$ 6,8 milhões em propinas para obter contratos com o governo paulista. A notícia do The Wall Street Journal (WSJ), de Nova York, diz ainda que a Procuradoria de Paris abriu em 7 de novembro de 2007 uma investigação judicial por ''corrupção ativa de agentes públicos estrangeiros'' e ''abuso de bem social'', após uma denúncia da Justiça suíça recebida em maio do ano passado. Autoridades suíças descobriram também, em 2004, movimentações de fundos de empresas fantasma do grupo, utilizando um pequeno banco de Zurique. O dinheiro movimentado iria para diretores da Alstom em Cingapura, Indonésia, Venezuela e Brasil. Os juízes responsáveis pelo caso não emitiram nenhum indiciamento até o momento.
As autoridades suíças requisitaram formalmente a ajuda das autoridades policiais brasileiras e francesas. No pedido, estão nomes de 24 pessoas suspeitas de receber propinas ou intermediar os pagamentos. Um brasileiro, que se apresentou como intermediário de um político, teria negociado o pagamento de propinas com representantes da empresa francesa.
Esse homem –cujo nome não foi revelado--, segundo as investigações da polícia suíça, teria oferecido apoio político para a obtenção de contrato para a obra do metrô de São Paulo em troca de uma comissão de 7,5% do valor do contrato. A Alstom venceu a licitação para participar do projeto de expansão do metrô paulista no final de 1990.
Segundo os deputados petistas, a empresa também teria vencido licitações sem ao menos participar de concorrências. De acordo com os dados da bancada do PT, a Alstom assinou nove contratos sem licitação, avaliados em R$ 58,7 milhões. Além destes, outros 20 contratos - que totalizam R$ 2,1 bilhões - aparecem na pesquisa sem informações sobre o tipo de licitação.
Pedido de CPI
O líder do PT na Assembléia, deputado Roberto Felício, defende a criação de uma CPI para investigar as relações do governo estadual com a empresa francesa.
''Vamos começar a colher as assinaturas. Temos 23 até agora (entre 94 deputados). Precisamos conseguir pelo menos 32. Mas fica difícil com a blindagem existente na Alesp atualmente. O Palácio dos Bandeirantes manda ordens expressas à bancada governista para que nenhum pedido de CPI seja assinado'', explicou.
Nos 13 anos e meio em que ocupam o governo de São Paulo, os tucanos prevaleceram-se de sua maioria e derrubaram mais de 60 requerimentos de instalação de CPI no Estado.
A bancada petista também quer que o atual secretário de transportes metropolitanos de São Paulo, José Luiz Portella, o presidente do Metrô, José Jorge Fagali, sejam ouvidos nas comissões temáticas da Casa, uma vez que vários contratos firmados em governos anteriores sofreram aditamentos e prorrogações na atual gestão.
''Há uma continuidade dos governos tucanos. Nosso governador, que já pediu ao Metrô que inicie a investigação referente aos mandatos anteriores, deveria ter a mesma boa vontade com os contratos firmados na atual gestão'', acrescentou o deputado Simão Pedro.
Caso não consiga emplacar a CPI na Assembléia Legislativa, a estratégia é levar o caso ao Congresso Nacional. O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) vai apresentar requerimento à Comissão de Viação e Transportes da Câmara para convocar José Jorge Fagali e José Luiz Portella. Os deputados estaduais petistas também pretendem solicitar investigação ao Ministério Público Federal e Estadual e pedir uma auditoria especial no Tribunal de Contas do Estado sobre esses contratos.
Caixa de partido
Ontem, os deputados petistas apontaram o atual presidente da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP), José Sidnei Colombo Martini, como possível ponte da empresa com o Estado. Ele era diretor da Alstom quando foi nomeado em 1999 presidente da companhia, cargo em que permanece, mesmo após a privatização, em 2006. De acordo com os petistas, foi a partir de sua gestão que foram realizados todos os 47 contratos da Alstom com a CTEEP, no valor total de R$ 333 milhões.
''Há ligação entra a Alstom e o PSDB. É evidente que eu estou inferindo, não tenho provas, mas há elementos que mostram essa ligação. Como esse senhor era diretor da empresa, deixa a iniciativa privada e assume a presidência da CTEEP, quando ela ainda era estatal, e depois que é privatizada ainda continua no comando? Bem, a partir de quando Colombo Martini vai para o governo são fechados nada mais que 47 contratos com a companhia em que ele trabalhava'', destacou o deputado Roberto Felício.
''Misturaram o privado com o público. Há uma relação espúria, uma relação de suspeição em tudo isso'', completou o deputado estadual Rui Falcão (PT).
Martini já é investigado pelo Ministério Público Estadual desde 2006. Naquele ano, antes do leilão de privatização da CTEEP, ele se reuniu na Colômbia com dirigentes da Interconexión Eléctrica S/A (ISA), na sede da empresa, em Bogotá, em 26 de janeiro. Cinco meses depois, os colombianos arremataram a estatal por R$ 1,193 bilhão.
Também em 2006, Martini pagou R$ 60 mil para o acupunturista do então governador Geraldo Alckmin, Jou Eel Jia, a título de patrocínio institucional para a revista da Associação de Medicina Tradicional Chinesa do Brasil, presidida por Jia. Alckmin foi capa e apareceu em nove páginas.
Em 2003, também patrocinou doação de fornos para o Fundo Social de Solidariedade, presidido pela então primeira-dama Lu Alckmin. Os equipamentos foram doados pela ABB, empresa comprada pela Alstom. ''A ABB entregou 40 kits de Padaria Artesanal à primeira-dama através de iniciativa coordenada pelo dr. José Sidnei Colombo Martini, Presidente da Transmissão Paulista'', informa o site da empresa.”
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o professor suíço Mark Pieth, presidente do Grupo Anticorrupção da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), órgão internacional que investiga os contratos da Alstom no Brasil, disse que no Estado de São Paulo, pessoas responsáveis pela compra de equipamentos não pediram suborno, mas sugeriram que a empresa fizesse pagamento para a caixa de partido e que isso é corrupção. No grupo que temos (na Universidade de Basiléia, como facilitadores de grupos de empresas que discutem como evitar subornos), ficamos sabendo que uma companhia recusou pagar, outra companhia pagou e obteve o contrato.
Fonte: Vermelho
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