terça-feira, 27 de maio de 2008


Roberto Freire faleceu na sexta-feira, dia 23 de maio de 2008.

Roberto Freire. Ele deu título ao meu primeiro livro. Convivemos no jornal “Última Hora” por anos. Ficamos amigos. Um homem impetuoso, desvairado, atirado, sempre em busca. De tudo. Atirando-se em tudo. Indo fundo. Eu sempre o invejei. Agora, atravassei sua vida inteira. Atravessem, como fiz, para redescobrir os bastidores de períodos da história do Brasil, vista pelos olhos dos criadores, não de frios historiadores. Um videoclipe vertiginoso, de nos deixar tontos. 11 de agosto, Largo São Francisco, ditadura Vargas, o comunismo, o anarquismo, José de Alencar, Fernando Pessoa, Mário de Andrade, doenças venéreas, Steinbeck, Huxley, Charles Morgan, amizades, Gessy, o grande amor, boleros, “Dos Almas”, namoros no bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro, a Faculdade de Medicina, Jorge Amado, Erico Veríssimo, Paris, Saint Germain, Sartre, Sábato Magaldi, Jacques Brel, Léo Ferre, Edith Piaf, a guerra da Argélia, Collège de France, Alfredo Mesquita, a descoberta da Psicanálise, Reich, o teatro, “Quarto de Empregada”, a proibição da primeira peça, o Teatro de Arena, Vianinha, Zé Renato, a EAD, Jânio e o teatro, Myriam Muniz, Silnei Siqueira, Ruthnéia de Moraes, João José Pompeo, o TBC, Gianni Ratto, Celi Ziembinski, Paulo Autran, Gigetto, Augusto Boal, Flávio Império, “Sem Entrada e Sem Mais Nada”, a crise (medicina ou teatro?), Pedro, Paulo e Beto, os filhos, Betinho, Cuba, Guevara, a Ação Popular, a prática revolucionária, a dor da traição dos amigos, o Serviço Nacional de Teatro, o encontro com os dominicanos, a criação do jornal “Brasil Urgente”, outra traição de um ideólogo, a prisão, o sofrimento nas mãos dos militares, o romance “Cleo e Daniel”, a descoberta da música, a bossa nova, a CIA, o CCC, o show “Opinião”, Jango, as Ligas Camponesas, o golpe de 64, o seriado “Gente Como a Gente”, o homem que só escreve à mão, as universidades invadidas, prisões, torturas, mortes, a criação do Tuca, “Morte e Vida Severina”, a beleza de um texto com a música de Chico, dom Hélder Câmara, “Cleo e Daniel”, o filme, o prazer da primeira direção de cinema, o fracasso do filme, a Bienergética, o álcool, o sanatório, internações, a gestalterapia, Carlito Maia, a revista “Realidade”, o sucesso de uma publicação audaciosa, os perfis, a noite em que ele ficou de campana enquanto garotos roubavam uma padaria, viver todas as sensações, emoções, o infarto, traições em jornalismo, o fim da equipe de “Realidade” pela prepotência de um profissional venal, o surgimento do “Bondinho”, outra revolução, o Prêmio Esso de Jornalismo, os festivais de MPB, a agressão dos seguranças da Globo que quase o mataram, Plínio Marcos, a descoberta de Mauá, Nina, um novo amor, Soma, outra criação, sonhar, sonhar, “Corpo a Corpo”, a paixão por Virgínia, o livro “Ame e Dê Vexame”, a morte de um amor, um outro e “derradeiro grande amor”, Vera, “A Farsa Ecológica”, a indignação diante da demagogia ambiental, o diabetes, a perda da visão pela catarata, a Casa Amarela, a “Caros Amigos”, as dificuldades financeiras, as crises de angina, a decisão de escrever uma autobiografia, o futuro desconhecido. Bela vida, Roberto. Belo livro. Para ensinar os que sonham e têm medo. Para dar coragem.

Orelha escrita por Ignácio de Loyola Brandão em "Eu é Um Outro", autobiografia de Roberto Freire. Edições Maianga, 2002.


Roberto Freire
24/05/2008 23:22

Tchau, amor!

Roberto Freire faleceu nesta sexta-feira, 23 de maio de 2008. Seu corpo foi cremado na Vila Alpina, em São Paulo.

Roberto Freire, Bigode. Um terapeuta, escritor. Um anarquista apaixonado.

Joaquim Roberto Corrêa Freire nasceu em São Paulo no dia 18 de janeiro de 1927. Formou-se em Medicina, na Universidade do Brasil/RJ em 1952. Enquanto estudante, e após a sua formatura, trabalhou como pesquisador em eletrofisiologia e em biofísica celular no Instituto de Biofísica da Universidade do Brasil, sob a orientação do professor Carlos Chagas Filho.

Em 1953 foi trabalhar no Collège de France, em Paris, desenvolvendo trabalhos de endocrinologia experimental, sob orientação do professor Robert Courrier. Publicou vários trabalhos nas revistas das Academias de Ciências do Rio de Janeiro e de Paris.
Após alguns anos trabalhando como endocrinologista clínico, Freire realiza sua formação em Psicanálise através da Sociedade Brasileira de Psicanálise/SP, com o prof. Henrique Schlomann. Em 1956, realiza trabalhos de acompanhamento clínico no Centro Psiquiátrico Franco da Rocha/ SP.

A partir deste período Freire busca novas fontes de pesquisa, realizando estágios no exterior. Em Bioenergética, com os discípulos de Wilhem Reich, em Paris; e em Gestalterapia, com os discípulos de Frederich Perls, em Bourdeaux. Suas divergências teóricas e ideológicas se ampliam e Freire acaba se distanciando da psicanálise, ao mesmo tempo em que se aproxima cada vez mais do campo artístico, literário e político brasileiros.
Roberto Freire, militante clandestino lutando contra a ditadura militar, não encontrava na Psicanálise nem na Psicologia tradicional as ferramentas necessárias que auxiliassem nos conflitos emocionais e psicológicos de seus companheiros de luta que o procuravam buscando algum tipo de ajuda. Foram principalmente as pesquisas de um cientista renegado pelo meio acadêmico – considerado por muitos como o dissidente mais radical da Psicanálise – Wilhelm Reich, que influenciaram Freire na criação de uma nova técnica terapêutica corporal e em grupo.

A Soma nasceu de uma pesquisa sobre o desbloqueio da criatividade, realizada no Centro de Estudos Macunaíma, com as contribuições de Miriam Muniz e Sylvio Zilber. Através de exercícios teatrais, jogos lúdicos e de sensibilização, Roberto Freire foi criando uma série de vivências que possibilitavam uma rica descoberta sobre o comportamento, suas infinitas e singulares diferenças. Perceber como o corpo reage diante de situações comuns no cotidiano das relações humanas, como a agressividade, a comunicação, a sensualidade, e sua associação com os sentimentos e emoções, permite um resgate daquilo que nos diferencia enquanto individualidade, para criar um jeito novo, a originalidade contra a massificação. Assim, a Soma se construiu como um processo terapêutico com conteúdo ideológico explícito, o Anarquismo.

Simultaneamente a vida científica, desenvolveu atividades artísticas e culturais, desde seu retorno da Europa, especialmente no campo da poesia e do teatro. Desta época resultou um trabalho de poesia ainda inédito: Pé no Chão, Roupa Suja, Olho no Céu. A maioria desses poemas foi musicada pelo compositor Caetano Zama, sendo que um deles (Mulher Passarinho) teve gravação de Agostinho dos Santos, no período inicial da bossa nova.


No Teatro, Freire foi diretor das peças Escurial, de Michel Guelderhode e Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, além de autor e co-diretor de O&A, (co-direção com Sionei Siqueira). A peça Morte e Vida Severina é sempre muito lembrada por diretores e atores, pois foi a revelação de um jovem músico: Chico Buarque. Além disso, esta peça, de 1965, enaltecia dois pilares essenciais no teatro: a sua alta qualidade artística associada ao trabalho de mobilização do grupo de atores, músicos e diretores. Esses elementos foram fundamentais na superação da estrutura material ainda precária, e impulsionaram o grupo de tal maneira que, no ano seguinte, a peça obtivesse o primeiro lugar no Festival de Teatro de Nancy/ França.

Freire trabalhou também em funções administrativas, como Presidente da Associação Paulista da Classe Teatral; Diretor do Serviço Nacional de Teatro; e Diretor Artístico no TUCA (Teatro da Universidade Católica de São Paulo).
Na Música, Freire foi letrista e jurado de diversos Festivais da MPB. Nesta época trabalhava para a TV Globo na criação e redação (em parceria com Max Nunes) no programa A Grande Família. Mesmo assim, Roberto Freire e o grupo de jurados – Nara Leão (presidente), Rogério Duprat, Décio Pignatari, Sérgio Cabral, César Camargo Mariano, Big Boy, entre outros – decidem que Freire seria o representante do júri nacional que leria o manifesto assinado por eles no palco do Maracanãzinho. O pesquisador Zuza Homem de Mello, em seu livro A Era dos Festivais, uma parábola (2003, Editora 34, p.429), descreve claramente de que maneira os resultados dos Festivais passaram a ser ditados pelos interesses ligados à ditadura militar e enfoca o papel de Roberto Freire no último FIC (Festival Internacional da Canção da TV Globo). “Ao tentar ler no palco do VII FIC um manifesto contra a destituição do júri nacional, Roberto Freire foi violentamente arrastado por policiais, que o levaram a uma sala e o espancaram barbaramente (...) Terminava a Era dos Festivais”.

Em televisão, Freire foi autor de Teleteatro, exibido na TV Record e na Rede Globo. No Cinema fez a Direção e Roteiro do longa-metragem Cleo e Daniel , com Miriam Muniz, John Herbert, Beatriz Segall, Irene Stefânia (no papel de Cleo), Chico Aragão (como Daniel). O roteiro é uma adaptação do romance homônimo, escrito por Freire em 1966, inspirado na tragédia “Daphnis e Chloe” do poeta romano Longus. O primeiro livro de Freire é reconhecido como um marco para as gerações de 1960 e 1970, que se identificava fortemente com os conflitos familiares e amorosos das personagens.

No jornalismo Freire foi repórter e redator de medicina e saúde pública no jornal OESP; diretor-responsável e redator do jornal Brasil Urgente; cronista do jornal A Última Hora/ SP; repórter da revista Realidade, Editora Abril, na qual obteve o Prêmio Esso com a reportagem Meninos do Recife; Diretor de reportagem da revista Bondinho; Editor da revista Grilo (histórias em quadrinhos).

Na área da Educação, foi assessor do prof. Paulo Freire no Plano Nacional de Alfabetização de Adultos, associando as pesquisas pedagógicas a um movimento nacional de cultura popular. Este trabalho foi interrompido após 1964. Além desta experiência, Roberto Freire foi professor na disciplina Psicologia do Ator na Escola de Artes Dramáticas da USP, então dirigida por Alfredo Mesquita, onde acumulava a função de médico clínico dos alunos. Em 1958, a convite dos alunos e por insistência do amigo e mestre Alberto D’Aversa, também professor da EAD e recém chegado da Argentina, escreveu a peça Quarto de Empregada, cujos dois únicos papéis eram representados (como exercício didático) pelas alunas Ruthnéia de Moraes e Assunta Peres. Quarto de Empregada é, até hoje, a peça mais encenada de Roberto Freire.


Em todas as atividades às quais se dedicou – psicanálise, teatro, televisão, jornalismo e a literatura – Roberto Freire deixou suas marcas. Porém, segundo o próprio Freire, a Somaterapia foi a sua principal contribuição enquanto teórico e libertário.


Foi criada pelo escritor Roberto Freire no início dos anos 70 como uma terapia corporal e em grupo, baseada nas pesquisas do austríaco Wilhelm Reich. Buscando o desbloqueio da criatividade, os exercícios da Soma abordam a relação corpo e emoções presentes na obra de Reich, os conceitos de organização vital da Gestalterapia, os estudos sobre a comunicação humana da Antipsiquiatria e a arte-luta da Capoeira Angola. Os grupos de Soma duram um ano e meio, com encontros periódicos (quatro vivências por mês). Esta convivência possibilita a construção de uma dinâmica de grupo, onde o referencial ético é o Anarquismo. Esta é a maior originalidade da Soma: terapia como pedagogia política, onde o prazer e a liberdade são a saúde que combate a neurose capitalista da sociedade globalizada.

A Soma, enquanto terapia com uma ética anarquista, procura entender o comportamento político humano em sociedade a partir do cotidiano das pessoas. São as micro-relações que produzem o germe do autoritarismo social, num jogo de poder e sacrifício onde valores capitalistas como a propriedade privada, a competição, o lucro e a exploração já não devem ser tratadas apenas como questões de mercado e ideologia. É inegável a influência destes valores sobre áreas vitais das relações sociais, como no amor, por exemplo, onde sentimentos (ciúmes, posse, insegurança) e situações (competição, traição, mentiras) parecem reproduzir no micro-social todos os ranços e saldos do autoritarismo de Governos e Estados. Para a Soma, portanto, a política começa no cotidiano.

Apenas o racional e o lógico tornam-se insuficientes para compreender a imensa teia de controles impostos socialmente e seu impacto sobre a individualidade. É justamente este o grande paradoxo: como escapar das relações hierárquicas e autoritárias com os sentimentos e todas suas extensões emocionais contaminadas por algo que foge do campo das idéias, do pensamento. Este "algo mais", para além da razão, já foi objeto de estudos de filósofos e psicólogos e podemos chamar aqui de inconsciente, as motivações e estímulos, muitas vezes contraditórios, que extrapolam a racionalidade objetiva. O fato de se acreditar numa visão de mundo, numa ideologia, não basta para ter um comportamento libertário no amor, na família, nas relações afetivas. Infelizmente, parece mais fácil tentar ser livre fora de casa, longe da privacidade e exilado do corpo.

Foram estes questionamentos que levaram a criação da Soma, no início dos anos 70. Roberto Freire, militante clandestino lutando contra a ditadura militar, não encontrava na Psicanálise, metodologia que se formou e depois abandonou por divergências ideológicas, e na Psicologia tradicional, ferramentas necessárias para ajudar os conflitos emocionais e psicológicos de seus companheiros de luta que o procuravam buscando auxilio. Foi então buscar as pesquisas de um cientista renegado pelo meio acadêmico, o dissidente mais radical da Psicanálise: Wilhelm Reich. A partir daí, criou uma técnica terapêutica corporal e em grupo.

A Soma nasceu de uma pesquisa sobre o desbloqueio da criatividade, realizada no Centro de Estudos Macunaíma. Através de exercícios teatrais, jogos lúdicos e de sensibilização, Roberto Freire foi criando uma série de vivências que possibilitavam uma rica descoberta sobre o comportamento, suas infinitas e singulares diferenças. Perceber como o corpo reage diante de situações comuns no cotidiano das relações humanas, como a agressividade, a comunicação, a sensualidade, e sua associação com os sentimentos e emoções, permite um resgate daquilo que nos diferencia enquanto individualidade, para criar um jeito novo, a originalidade contra a massificação.

Assim, a Soma se construiu como um processo terapêutico com conteúdo ideológico explícito, o Anarquismo. A terapia tem tempo determinado (cerca de um ano e meio), para evitar a dependência terapeuta/cliente, e é realizada em sessões de três horas cada (são quatro por mês) em vivências com exercícios corporais ou dinâmicas de grupo. Depois de cada vivência, o grupo realiza a leitura da sessão, procurando verbalizar as sensações e percepções produzidas pelo exercício/dinâmica. A leitura pode ser tanto sobre si mesmo como sobre algum companheiro de grupo e é nesta etapa que o participante da Soma começa a produzir sua autonomia terapêutica, desenvolvendo um olhar e uma compreensão maior, a partir do corpo, sobre as atitudes e comportamentos políticos no cotidiano.

Para saber mais Soma vol.3 : leia o livro na íntegra


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Soma Roberto Freire e o Brancaleone Pedagogia Libertária "Prazer e Anarquia"

Mais informações no nosso site: www.somaterapia.com.br.

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