quinta-feira, 6 de março de 2008

Trocar seis por uma dúzia - por Márcia Pinheiro - fonte: http://www.cartacapital.com.br

Trocar seis por uma dúzia


Leitores seres humanos normais dizem com freqüência não entender nada do noticiário econômico. De tão confuso, desistem. Vou tentar dar um exemplo complicado, de forma simples. O governo afirma que não só zerou a dívida externa como sobrou um troco. Não é bem assim.

Nos últimos anos, o Brasil foi beneficiado pela abundância de recursos externos, por causa da alta dos preços das chamadas commodities (como produtos agrícolas e minérios que exportamos). Entraram muitos dólares no País. O Banco Central compra a moeda americana e despeja reais no mercado. Só que os reais não podem ficar de bobeira no sistema, porque isso gera inflação. Daí que o Tesouro vende títulos públicos, pega os reais de volta e, como reza o jargão, “enxuga a liquidez”. Ou seja, aumenta a dívida interna.

Essa é a primeira parte do enrosco.

A segunda, bem mais séria, é a entrada de recursos estrangeiros pela via financeira. Somente em títulos públicos, os gringos têm 42 bilhões de dólares. Fora o que investem em fundos, na Bovespa e na BM&F. O mesmo ocorre com esses fluxos. O BC compra os dólares, o Tesouro tira os reais e a dívida interna aumenta. Ou seja, se der um piripaque de aversão ao risco, os gringos fogem do Brasil como o diabo da cruz. E aí, adeus zeragem de dívida externa.

Detalhe relevante: com essa política, as reservas internacionais brasileiras bombaram e hoje somam 190 bilhões de dólares. Só que essa dinheirama é remunerada por juros internacionais baixinhos. Por exemplo, um papel do Tesouro americano de 10 anos paga cerca de 3,8% ao ano. E está em queda livre com os discursos do presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, de que vai continuar a reduzir o juro para tentar tirar a economia dos EUA do buraco em que se encontra.

E quanto custa ter dívida interna? Um caminhão de dinheiro, por causa da Selic de 11,25% ao ano, a segunda maior taxa do mundo. A diferença entre os juros interno e externo custou 51 bilhões de reais ao Brasil em 2007, de acordo com o jornal Valor Econômico.

Entendeu por que estamos trocando seis por uma dúzia?

Dica econômico-cultural

Quando olho o cenário financeiro internacional, lembro-me dos Tribalistas, na música Já sei namorar: “Eu sou de ninguém. Eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também”. É mais ou menos isso que acontece na finança global. Não existem mais os banqueiros e os países. Há fundos especulativos (hedge) e fundos soberanos (dos países emergentes), que se esbaldam alocando o dinheiro para lá e para cá, sem a menor cerimônia, e deixam os Bancos Centrais de queixo caído.

Para saber um pouco do passado, nada melhor do que a história das famílias Morgan, Warburg, Baring e Rothschild, aqueles homens de fraque e cartola. Uma referência imperdível é um livro de apenas 134 páginas: A Morte dos Banqueiros, de Ron Chernow, conta a saga desses investidores que mandavam e desmandavam nas atividades mercantis e, posteriormente, em Wall Street até o início do século passado. A edição brasileira é da Makron Books.

Na batida da semana

Adivinha o quê? Na quarta-feira 5 tem reunião do Copom de novo. Sabe o pior? O consenso do mercado é de que o jurão brasileiro vai permanecer em 11,25% ao ano. Não há uma aposta sequer em queda. Azar do consumidor e da dívida interna brasileira.

Antes, pela ordem. Na segunda 3, saem dados importantes da economia americana. O principal é um índice que mede a atividade manufatureira (dado de fevereiro). Vai cair. Também saem os gastos com construção (janeiro). Nova queda. Más notícias. Na terça, Ben Bernanke volta a fazer um discurso, o que sempre incomoda, porque ele está sem palavras encorajadoras. Perdido, perdido....

Na quarta, o IBGE divulga o ritmo da produção industrial brasileira, que vai de vento em popa. Em janeiro, deve ter crescido cerca de 9% na comparação com o mesmo mês de 2007. Quinta-feira é dia de o Banco Central Europeu e o Banco da Inglaterra manterem o juro estável, na contramão do Federal Reserve. E a semana encerra com o desemprego nos Estados Unidos, que subirá. O inferno, desta vez, são os outros. Por enquanto.

Márcia Pinheiro

Economia & Mercado

fonte: http://www.cartacapital.com.br


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