Como o sr. Chicola pode ajudar (07/03)
EUA pedem que Colômbia negocie com esquadrões da morte
Bogotá (Reuters) - Um diplomata dos EUA disse hoje que grupos paramilitares não podem ser ignorados nos esforços para alcançar um acordo negociado entre o governo colombiano e as guerrilhas. Philip Chicola, chefe de assuntos andinos do Departamento de Estado dos EUA, disse que os temidos esquadrões da morte deveriam ter reconhecimento político, ou ainda participar de negociações entre o governo da Colômbia e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias)."Em algum ponto, os paramilitares terão que participar do processo", disse Chicola em uma entrevista para a Radionet, durante sua visita de dois dias à Colômbia. "O governo e a sociedade colombiana vão ter que decidir como eles vão lidar com os paramilitares", acrescentou.
Clique para ler a reportagem completa. Pela data (outubro de 2000), você já percebeu que a notícia é do final do governo de Bill Clinton. Quando a política americana para a Colômbia orientava-se pela busca de uma saída negociada que pusesse fim à guerra civil. Ou seja, antes do 11 de setembro e do acirramento das tensões entre a Casa Branca e Hugo Chávez, a diplomacia dos Estados Unidos considerava uma alternativa plausível a negociação com grupos que constavam do index terrorista, se o objetivo fosse a paz. Talvez isso ajude a compreender melhor por que os papagaios nativos (Nós e a transição cubana) nunca exigiram dos governos brasileiros anteriores a Luiz Inácio Lula da Silva que declarassem as Farc como "terroristas". Desde o fim do regime militar, passaram pelo Palácio do Planalto José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Nenhum deles adotou posição radical contra as Farc. Já registrei aqui no blog, em De volta ao americanismo, um trecho de reportagem da revista Veja em março de 2003 a respeito do assunto:
O governo de Fernando Henrique Cardoso também manteve distância do conflito colombiano. Vez por outra, deixava vazar críticas ao Plano Colômbia, como é chamada a estratégia de combate ao narcotráfico financiada pelos Estados Unidos.
Os mesmos que hoje incham a jugular para advertir sobre o apocalipse que resultaria da leniência com o "terror comunista" agiram, quando no governo, de maneira cuidadosa em relação à guerra civil do vizinho. O que teria mudado no cenário para justificar essa guinada? O caráter e os objetivos das Farc não mudaram. Se são "terroristas" hoje, já eram antes. Ora, o que mudou desde 2000 foram a linha política dominante no governo colombiano e a estratégia dos Estados Unidos. Mas a política externa brasileira e a nossa posição diante de conflitos em outros países não pode flutuar ao sabor dos humores em Washington ou nos aliados dos americanos. Por mais que alguns se incomodem com isto, nós somos um país soberano (leia À espera de uma orientação da Casa Branca). E um detalhe chamou minha atenção. O Philip Chicola ctado na reportagem da Folha Online de outubro de 2000 é o que aparece também naquela reportagem do NYT (Crisis at Colombia Border Spills Into Diplomatic Realm), citada neste blog, como contato do governo americano com Raul Reyes e as Farc na administração Clinton. Relembro:
For instance, in 1998 a Clinton administration official, Philip T. Chicola, then the State Department’s director of Andean affairs, had a clandestine meeting with Mr. Reyes in Costa Rica in an effort to establish a way of communicating with the FARC during times of crisis. The meeting was described in a diplomatic cable written by Mr. Chicola in January 1999 and declassified in 2004.
O que faz hoje o sr. Chicola? É vice-embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Dêem uma olhada no currículo dele. Alguns trechos:
Entre 1984 e 1986, foi vice conselheiro político na Embaixada dos EUA na Guatemala. De 1988 a 1993 serviu como conselheiro político e Embaixador Adjunto na Embaixada dos EUA em San Salvador. Durante seu tempo ali, o ministro Chicola teve atuação marcante nos esforços dos Estados Unidos em apoiar a inscipiente democracia Salvadorenha e em facilitar um fim negociado para a guerra civil naquele país. (...) Depois de um ano no War College (Escola de Guerra), o ministro Chicola serviu como conselheiro político e econômico na Embaixada dos EUA em Santiago, Chile, durante a conclusão da transição do regime de ditadura militar para um governo civil eleito. Em 1996 retornou a Washington como diretor interino do Escritório de Planejamento e Coordenação do Escritório de Assuntos das Américas. Um ano mais tarde, sua experiência em lidar com conflitos civis o levou a ser nomeado Conselheiro Sênior para o Administrador Temporário da Slavônia, Croácia. A partir de julho de 1998, serviu como Diretor do Escritório de Assuntos Andinos na Divisão de Assuntos do Hemisfério Ocidental. Nessa posição lidou com alguns dos desafios mais significativos na área, inclusive: o desenvolvimento da Suplementação do Plano Colômbia de $1,3 bilhões de dólares, a iniciativa Andina de $900 milhões de dólares, e subseqüente financiamento para a região de cerca de $800 milhões de dólares por ano. Outros desafios que confrontaram seu escritório incluem: o fim da era Fujimori e a transição do Peru para a democracia; administração dos desafios que o novo Presidente Hugo Chavez da Venezuala representa às nossas políticas regionais: coordenar esforços bem sucedidos de restaurar a democracia no Equador depois do golpe de janeiro de 2000; e garatir que a democracia boliviana sobreviveria à renúncia do presidente Gonzalez de Lozada no outono de 2003.
Com esse background, o sr. Chicola certamente não está entre nós só por causa do etanol. Se eu tivesse que chutar, eu diria que ele é bem mais do que um simples vice-embaixador americano no Brasil. Por que manter no Brasil, um país 100% em paz, alguém cuja carreira está toda voltada para ações em cenários de conflito e guerra civil? Mas isso não é uma crítica nem uma restrição. O sr. Chicola é muito bem-vindo. E é bom que a representação americana em Brasília possua alguém que conhece a fundo e que tenha participado da pacificação salvadorenha, que integrou plenamente a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) ao processo político regular. Seria o melhor modelo para as Farc (e a ELN) na Colômbia (clique aqui para ler). Quem sabe o sr. Chicola, já que está mesmo por aqui, não ajuda nisso?
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Paz necessária, mas improvável - ATUALIZADO (07/03)
Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje (07/03/2008) no Correio Braziliense.A moderna guerra civil na Colômbia não começou por obra de grupos comunistas, mas devido a disputas no seio dos partidos dominantes, o Liberal e o Conservador, em meio à pressão de massas populares urbanas em busca de inclusão econômica e política
Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br
A Anistia do início dos anos 80 do século passado abriu as portas para a reconciliação do Brasil, pois permitiu criar um ambiente político pacificado. Especialmente depois que a medida alcançou os membros das organizações que haviam adotado a luta armada contra o regime militar. Anistiados, eles integraram-se à vida institucional normal, trocando os fuzis e metralhadoras pelos microfones e pelo voto na urna.
O Brasil é mesmo um país de sorte. Entre nós, o recurso à violência para resolver disputas políticas é coisa do passado. Por justiça, parcela importante do mérito deve ser creditada na conta do último general-presidente, João Baptista de Oliveira Figueiredo, o que pediu que o esquecêssemos. Se Ernesto Geisel ficou na História do Brasil também por esmagar a linha-dura militar com mão de ferro, o sucessor dele, voluntária ou involuntariamente, acabou matando a linha-dura de inanição, de asfixia.
A abertura democrática no Brasil não foi um mar de rosas. Que o digam as explosões das bombas no Riocentro e na OAB. É verdade que Figueiredo não quis ou não pôde ir até o fim na caça aos terroristas de direita enquistados nas Forças Armadas, mas é fato também que em nenhum momento notou-se no presidente qualquer movimento para interromper a transição, apesar de todas as pressões de segmentos da caserna.
Hoje, felizmente, políticos brasileiros de direita e de esquerda não apenas convivem de modo civilizado, mas encontram ambiente até para tecer alianças nas disputas do Executivo e do Legislativo. Esse é um patrimônio político inestimável. Ou melhor, cujo valor pode ser estimado quando nos comparamos à situação de nosso principal vizinho a noroeste, a Colômbia.
Em meados dos anos 80, na mesma época das mudanças democráticas no Brasil, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) criaram um braço político-eleitoral, a União Patriótica (UP). Só no período entre 1985 e 1988, cerca de 500 candidatos e políticos da UP foram assassinados. Segundo um relatório divulgado na época pela Anistia Internacional (AI), a responsabilidade pelas mortes recaía especialmente sobre o governo do então presidente Virgilio Barco (liberal) e sobre as Forças Armadas colombianas.
Ao relatar a respeito da situação da UP, a AI denunciava a existência de uma “política deliberada de assassinatos políticos”. Mas seria injusto limitar-se a dizer que a violência frustrou, em meados dos anos 80, a tentativa de integração da guerrilha à vida institucional na Colômbia. O problema vem de antes. De muito antes. As diferenças políticas na Colômbia são resolvidas à bala desde a independência. Ainda que um episódio em particular tenha marcado a história recente do vizinho, deixando cicatrizes aparentemente irremovíveis.
O episódio é conhecido como La Violencia, período de nome auto-explicativo desencadeado em 1948 pelo assassinato do liberal Jorge Eliécer Gaitán, que se tivesse chegado ao poder teria sido uma espécie de Perón, ou um Getúlio Vargas colombiano. Eis um detalhe importante: a moderna guerra civil na Colômbia não começou por obra de grupos comunistas, mas devido a disputas no seio dos partidos dominantes, o Liberal e o Conservador, em meio à pressão de massas populares urbanas em busca de inclusão econômica e política.
Este espaço é curto para especular por que a Colômbia não consegue alcançar a paz. O mais provável é que a conta do impasse interminável deva ser lançada na rubrica da economia real gerada pelo narcotráfico. Agora mesmo, com a defensiva estratégica imposta pelo governo de Álvaro Uribe às Farc, o espaço deixado vem sendo preenchido pela reaglutinação dos esquadrões paramilitares de extrema-direita, que junto com os militares preenchem o vácuo da guerrilha no fornecimento de segurança e proteção para o crime.
E não há solução fácil à vista. Apenas um processo firme de reconciliação nacional poderia gerar a massa crítica politicamente necessária para fechar a chaga da violência e enfrentar o narcotráfico. Mas há interesses poderosíssimos contra essa saída. Ainda mais depois que o governo da Colômbia passou a ser peça fundamental na estratégia norte-americana de se precaver contra a perda do controle sobre o petróleo venezuelano.
Atualizado, às 12:25 - Um amigo envia-me texto do Le Monde Diplomatique de maio de 2005 sobre o extermínio dos políticos da União Patriótica. Clique no link para ler A história de um massacre. Vale a pena.
fonte: http://blogdoalon.blogspot.com/
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