Conforme fartamente demonstrado nos capítulos anteriores, antes de fechar com Dantas a direção da Veja o tinha em conta como alguém que comprava reportagens, fabricava dossiês falsos e subornava jornalistas.
No capítulo “Os Primeiros Ataques a Dantas” e “O dossiê falso” esmiuço as sucessivas denúncias de Veja antes de ser cooptada pelo banqueiro. Qual a lógica que leva uma revista a se associar a um empresário que, segundo ela mesmo, espalha dossiês falsos, compra reportagens e jornalistas? Há muitas explicações para isso, nenhuma boa, do ponto de vista jornalístico.
Essa atuação da revista, no entanto, era apenas a ponta final de uma linha de operação que passava por várias instâncias antes de desembocar nos dossiês e informações passadas ao quarteto de Veja.
O jogo fica mais claro quando se começa a penetrar no mundo de Dantas e a entender melhor a linha de montagem preparada para suas guerras empresariais.
Nelson Tanure ganhou rios de dinheiro entrando em ações judiciais que tinham por único objetivo criar dificuldades para a concretização de algum negócio. Com a lentidão da justiça brasileira, as partes envolvidas achavam mais barato pagar para se ver livre das ações. Caso típico foi a compra do Banco Boavista pelo Bradesco.
A partir das lições de Tanure, Dantas percebeu que ações judiciais, matérias na imprensa, com espionagem, dossiês falsos, faziam parte de uma mesma estratégia, portanto deveriam estar sob um mesmo comando.
Assim, montou uma estrutura de lobby interna com os diversos elos das disputas empresariais, colocando-os todos sob o comando de Humberto Braz, diretor corporativo da Brasil Telecom no período em que Dantas esteve no comando da companhia.
Braz integrava e comandava os trabalhos jurídicos (legais e de lobbies), os contatos com espionagem (da Kroll a jornalistas infiltrados no meio), a cooptação de publicações e jornalistas, através do comando sobre as verbas publicitárias de empresas controladas e a contratação de assessorias de imprensa incumbidas de atrair jornalistas para o esquema Dantas.
Grosso modo, se poderia desenhar assim o cronograma da operação.
Vamos nos fixar na parte jornalística, que é objeto dessa série, e já é dor-de-cabeça o suficiente.
No campo da mídia propriamente dita, a coordenação de Humberto Braz consiste dos seguintes movimentos:
• Agências de Publicidade: não apenas opinava sobre as campanhas da Brasil Telecom, quando sob controle de Dantas, como dava a última palavra nas campanhas da SMP&B e DNA (de Marcos Valério), que eram agências da Telemig Celular e da Amazônia Celular.
• Mantinha contratos formais com sites de informação, como Consultor Jurídico e Cláudio Humberto.
• Tinha contratos polpudos, muito acima dos preços de mercado, com assessorias como FSB, Andreolli, Insight, AbreDePágina, LínguaMensagem. Em muitos casos (como a FSB), não havia nenhum relatório de serviços prestados. Pelos valores envolvidos, havia suspeitas de que, por trás de algumas delas, poderiam se esconder jornalistas profissionais militando na mídia.
• Mantinha contato com a Kroll e com jornalistas ou empresários do setor incumbidos do trabalho de informação e espionagem.
O modo de operação obedece a um padrão.
1. Montagem de dossiê, para a qual, além da Kroll, Braz conta com as próprias assessorias de imprensa, além de outros personagens que serão mostrados no decorrer deste capítulo.
2. Depois, o lobista passa as informações para o jornalista cooptado.
3. O jornalista publica sem mencionar a fonte, ou mentindo sobre sua origem (caso recente de Diogo Mainardi sobre o dossiê da Telecom Italia).
4. Outros jornalistas, cooptados, repercutem a denúncia.
5. O lobista faz um apanhado do conjunto de informações e agrega ao processo, como se viesse de fonte neutra.
6. Finalmente, o uso das agências de publicidade para "adoçar" a boca das publicações.
É nesse ambiente de atuação do lobby de Dantas, que o quarteto de Veja se torna um dos operadores mais audaciosos.
O caso Nassif
Vamos a alguns exemplos práticos de como funciona esse sistema estruturado.
Ao longo de 2003, 2004 em diante, andei escrevendo sobre Daniel Dantas, tentando trocar em miúdos o intrincado roteiro de que se valia o banqueiro para confundir a opinião pública.
Fui alvo de uma tentativa de “assassinato de reputação” praticada por Diogo Mainardi, através de duas colunas na revista Veja, em 14 e 21 de agosto de 2005. Como relatei no início da série, foi o primeiro serviço prestado pela revista dentro da nova fase de aliança com Dantas.
Na época em que sofri o ataque de Mainardi, tinha escrito colunas informando que as agências financiadoras do “mensalão” – SMP&B e DNA – trabalhavam para a Telemig Celular e Amazônia Celular, controladas por Dantas.
Anote os ataques de Mainardi e me acompanhe por um passeio pela agenda do lobista Humberto Braz.
Dossiê – Sérgio Thompson Flores é um ex-diplomata que enriqueceu com privatizações e tentou seguir os passos de Nelson Tanure, de entrar na mídia como reforço para manobras de lobby. No começo de 2005, estava montando uma revista e me procurou propondo se associar à Dinheiro Vivo. Me atazanou por um mês, querendo um plano de negócios com os dados da empresa. Depois que recebeu, sumiu com as informações. Na mesma época, foi trabalhar na agência Rodrigo Squizatto. Quando estourou o escândalo Kroll, seu nome apareceu em um CD e ele admitiu que trabalhava para a Kroll e seu contato era o português Tiago Verdial.
Thompson Flores reuniu-se com Braz sucessivamente em 11, 15 e 25 de junho, em 2, 6, 9 e 16 de julho de 2004. A Brasil Telecom anunciou na capa da revista durante praticamente todo o ano. Braz reunia-se periodicamente com a Kroll. Provavelmente vem daí a origem do "dossiê" manipulado por Mainardi.
Jornalista –o passo seguinte era encontrar o jornalista “sela”. Conforme relatado nos primeiros capítulos, a cooptação da Veja se dá em meados de 2005. O primeiro serviço prestado foi de Diogo Mainardi me atacando.
Publicidade – apesar de presidente da holding da Brasil Telecom, Braz dava a palavra final para todas as campanhas preparadas pelas agências SMP&B e DNA, de Marcos Valério. Por exemplo, reúne-se com Marcos Valério e Cristiano Paes nos dias 21 e 22 de junho de 2004, 13 e 22 de julho de 2004 e 5 de agosto de 2004.
É de Humberto Braz a autorização final para a veiculação de 12 páginas de publicidade na revista Veja, seis em cada uma das duas edições que continham os ataques de Mainardi. Ou seja, enquanto denunciava a plenos pulmões o "mensalão", a Veja recebia 12 páginas de publicidade das empresas do "mensalão", aparentemente como contrapartida pelo ataque combinado com seu colunista para desviar a atenção sobre as fontes de financiamento do "mensalão".
O caso Márcia Cunha
Vocês se recordam do capítulo “O Caso Edson Vidigal”, onde se narrava a tentativa de “assassinato de reputação” da Veja em cima do então presidente do Superior Tribunal de Justiça, por ter confirmado a sentença que apeou o Opportunity do comando da Brasil Telecom. Foi na edição de 21 de setembro de 2005.
Em 13 de abril de 2004, os fundos e o Citigroup propuseram uma ação para anular o chamado contrato guarda-chuva (que conferia plenos poderes ao Opportunity para gerir as empresas de telefonia).
Em maio de 2005 a juiza Márcia Cunha, da 2a Vara Empresarial do Rio de Janeiro proferiu a sentença, anulando os efeitos de um acordo guarda-chuva que dava plenos poderes a Dantas. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio.
Foi alvo de uma campanha pesada, que culminou com advogados do Opportunity recorrendo a linguistas, para tentar provar que a sentença não tinha sido escrita por ela.
Através de Mauro Salles, tentaram comprar o parecer de um funcionário da Academia Brasileira de Letras, que recusou. O "imortal" Antonio Olintho não se fez de rogado e aceitou a encomenda. Um dia a ABL ainda terá que colocar essa história em pratos limpos.
Pressionada, a juiza denunciou ter sido alvo de uma tentativa de suborno por parte de Eduardo Rascovisky, falando em nome do Opportunity. Atenção: entre 6 de fevereiro de 2004 e 20 de outubro de 2004, Rascovisky teve 16 reuniões com Humberto Braz.
Qiando a juíza denunciou a tentativa de suborno, a "Folha" incumbiu a repórter Janaína Leite de ir ao Rio cobrir o episódio (clique aqui).
Em vez de se concentrar nas acusações da juíza, Janaína comete uma tentativa de “assassinato de reputação” – sem identificar a fonte da informação. Semanas atrás se ficou sabendo que sua principal fonte de informação era um diretor do Opportunity.
Não é a primeira vez que Márcia Cunha sofre questionamentos administrativos. A primeira foi no início dos anos 1990 e envolvia tentativa de fraude fiscal. A juíza também foi alvo de críticas por aceitar passagens de cortesia da Varig quando julgava processos envolvendo a companhia aérea. (...)
A decisão da juíza foi dada poucos dias após a apresentação da defesa do Opportunity, que contava com mil páginas. Ao todo, mesmo o julgamento sendo liminar e não de mérito, a sentença contava com 40 páginas impressas. Causou estranheza ao Conselho de Magistratura a rapidez e a diferença no padrão de decisões proferidas por Márcia Cunha - geralmente manuscritas e com, no máximo, quatro páginas.
O mesmo modelo da Veja, o mesmo modelo das colunas de Mainardi. Um conjunto de informações incompletas, de fatos banais que se transformam em escândalos, no formato de um dossiê.
O que seria uma “tentativa de fraude fiscal”? Uma declaração de renda incorreta, algum lançamento errado? A matéria não avançava em informações.
O Opportunity apresentara uma defesa de mil páginas. Suspeita seria a juiza se respondesse com uma sentença manuscrita de quatro páginas. No entanto, era “acusada” de ter escrito uma sentença de 40 páginas no computador.
Era a subversão absoluta do conceito de escândalo, mas fazia parte de um procedimento padrão do esquema jornalístico montado, e que seria repetido por Mainardi, Veja, Leonardo Attuch e outros jornalistas que atuavam de forma sincronizada.
Um ano depois, a juíza foi inocentada das acusações. A cobertura da “Folha” voltava às mãos sérias de Elvira Lobato (clique aqui).
Em 20 de janeiro de 2006, os repórteres Chico Otávio e Maria Fernanda Delmas, de “O Globo”, escreviam ampla reportagem sobre a influência de Eduardo Raschkovsky no TJ do Rio de Janeiro (clique aqui).
Em 4 de março de 2006, Elvira Lobato e Pedro Soares mostram as perseguições sofridas pela juiza (clique aqui).
Em quase todos os casos havia a mesma articulação de interesses, a manipulação de denúncias, a chantagem explícita - caso de Mainardi nas suas últimas colunas na Veja.
Algumas vezes o jornalismo conseguia sair vitorioso, como nesse episódio.
fonte: http://www.projetobr.com.br
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