terça-feira, 14 de julho de 2009

Pílula do dia seguinte: use a seu favor!

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A pílula do dia seguinte – no linguajar médico, pílula anticoncepcional de emergência ou contraceptivo de emergência – chegou ao Brasil em 1999. Em 2008, depois de muita luta, passou a ser distribuída gratuitamente em todos os postos de saúde da rede pública das capitais e de municípios com mais de 500 mil habitantes no Brasil.

“A aceitação é boa”, informa a área técnica do Programa de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde (MS). “É usada principalmente por mulheres de18 a 29 anos.”

As curetagens pós-aborto diminuíram. Em 2007, foram 213.539; em 2008, 199.998. Já os abortos legais – casos de violência sexual – não baixaram, quando olhamos os números de Brasil. Em 2007, somaram 2.128; em 2008, 3.277.

“As mulheres estão sendo mais orientadas a solicitar o aborto legal. Porém, ainda não utilizam o contraceptivo de emergência a contento”, avalia o MS, que dá uma boa notícia. “Em alguns municípios essa realidade está mudando. É o caso de Campinas. A ampla divulgação do serviço de saúde especializado, que orienta a procurá-lo dentro de 72 horas, ocasionou grande uso de contraceptivo de emergência; em conseqüência, redução dos abortos legais. Em 2008, foi ZERO.”

Milena *, 25, já usou: “Foi uma vez só. Eu estava sem parceiro há um tempo; aí, conheci um carinha, rolou um clima e transamos. No dia seguinte, me dei conta de que estava no meu período mais fértil. Apavorada, liguei para minha ginecologista. Tomei a pílula. Felizmente funcionou”.

Cláudia* , 34, recorreu ao medicamento em duas ocasiões: “Na primeira, escorreu um pouco de esperma na vagina; no final da relação sexual, meu parceiro demorou para tirar o pênis, e a camisinha escapou. Na outra, uns dois anos depois, estávamos só ‘brincando’. A idéia era não penetrar. Acabamos transando”.

Viviane*, 19, utiliza a pílula quase todo mês: “É mais prático do que tomar hormônio todo mês. Também não preciso ficar pedindo para o carinha usar camisinha. Se rola uma transa no período fértil, vou à farmácia no dia seguinte, compro a pílula e tomo”.

“A pílula do dia seguinte é uma grande conquista de nós, mulheres; permite que sejamos mais ‘donas’ do nosso próprio corpo e da nossa saúde reprodutiva, pois evita gravidez indesejada após relação sexual desprotegida ou violência sexual”, afirma a médica ginecologista e obstetra Fátima Duarte, de São Paulo. “Para isso, temos que usá-la a nosso favor, como fizeram a Milena e a Cláudia. Já a Viviane, está usando de forma errada, contra ela própria. Além dos efeitos colaterais, corre o risco de engravidar qualquer dia desses. O uso freqüente diminui a sua eficácia.”

A pílula do dia seguinte é aprovada pelo Ministério da Saúde, Conselho Federal de Medicina (CFM), Organização Mundial da Saúde (OMS), Federação Brasileira das Associações e Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), International Planned Parenthood Federation (IPPF), Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), entre outras instituições nacionais e internacionais.

Fátima Duarte é ginecologista e obstetra. Ao longo de quase 30 anos de profissão, atendeu mulheres de todas as idades, diferentes etnias, culturas e níveis socioeconômicos em postos de saúde, hospitais públicos, privados e em seu consultório. Nesta entrevista ao Viomundo, ela responde às dúvidas mais frequentes sobre o tema.


Viomundo – Doutora, para a Igreja Católica a pílula do dia seguinte é abortiva. Existe uma mínima possibilidade de ela ser abortiva?

Fátima Duarte – Definitivamente, a pílula do dia seguinte não tem nenhuma ação abortiva. Tanto que a legislação brasileira proíbe o aborto - estupro e risco materno são as exceções – e não proíbe a pílula do dia seguinte, que está disponível para todas as mulheres nas unidades básicas de saúde. Em segundo lugar, se ela engravidou apesar de ter tomado a pílula, não há risco durante a gestação nem para a mãe nem para o feto.
A gravidez resultante da falha da pílula do dia seguinte ou da falha de anticoncepcional hormonal não leva a gravidez de risco.

Viomundo – Qual a diferença entre a pílula anticoncepcional convencional e a do dia seguinte?

Fátima Duarte – A composição hormonal é semelhante, a diferença está no número de tomadas e na forma de ação. A cartela da pílula anticoncepcional oral possui 21 comprimidos, a mulher toma a partir do quinto dia do ciclo menstrual. A pílula do dia seguinte é administrada oralmente na fórmula de um ou dois comprimidos. Existem ainda outros contraceptivos hormonais, que agem de forma semelhante à pílula anticoncepcional: o injetável, o anel intravaginal, o adesivo e o implante intradérmico.

Viomundo – E a forma de ação?

Fátima Duarte – O anticoncepcional hormonal atua no hipotálamo e na hipófise, inibindo os hormônios FSH e LH, que agem no ovário estimulando o crescimento do folículo ovariano e sua ruptura com eliminação do ovócito, popularmente conhecido como óvulo. Já a pílula do dia seguinte atua somente no endométrio – a camada que reveste internamente as paredes do útero --, desidratando-o.

Viomundo -- Trocando em miúdos.

Fátima Duarte – Nós, mulheres, nascemos com 400 mil futuros óvulos guardados em folículos – são como favos de mel recobertos por uma capa -- dentro de dois ovários, as fontes da vida. Cada ovário, um em cada lado do útero, tem o formato de uma amêndoa, mede 3,5 x 2,5 x 2,5 cm, e ocupa um espaço menor do que uma colher de sopa. Na fase reprodutiva feminina, da primeira à última menstruação (menopausa), todo mês um folículo se desenvolve no ovário e o útero se prepara para receber o óvulo fecundado, como uma “cama acolchoada”, para o caso de haver gravidez. A pílula do dia seguinte faz com que o “acolchoado” se desidrate, ocorrendo a menstruação na época certa ou um pouco antes. Não há a fixação do óvulo fecundado no endométrio. A menstruação será como a de sempre: a camada é desprendida e começa um novo ciclo. A menstruação não é, como muita gente pensa, a eliminação do óvulo fecundado. O óvulo é como um botão de rosa: dura 48 horas e só pode ser fecundado nesse período. Se não for fecundado, é absorvido pela trompa.

Viomundo – Qual a eficácia?

Fátima Duarte – Acima de 95%. Mas para isso tem que ser tomada em até três dias, ou 72 horas, após a relação sexual desprotegida. Quanto mais precoce o uso, maior a eficácia.

Viomundo – E se a pílula não funcionar e a gravidez vingar?

Fátima Duarte – A gravidez ocorrerá sem dano para a mulher ou para o feto, pois a pílula do dia seguinte não os afeta. Mas atenção. Por favor, não confundam a pílula do dia seguinte com a pílula abortiva – a fórmula é totalmente diferente --,que existe desde 1988 em países onde o aborto é legalizado. A pílula abortiva não existe no Brasil.

Viomundo – A pílula do dia seguinte oferece algum risco ao bebê, caso a gravidez vá adiante?

Fátima Duarte – Não.

Viomundo – Qual a probabilidade de a mulher engravidar numa única relação sexual no período fértil?

Fátima Duarte – É alta: 25%. Daí a grande importância da pílula do dia seguinte. Na quase totalidade dos casos, previne uma gravidez inesperada após uma relação sexual desprotegida. Permite que a mulher faça a sua opção sem medo, sem culpa, sem o risco do aborto clandestino. Acredito que a pílula do dia seguinte é um importante instrumento para diminuição dos casos de abortos. O aborto é a terceira causa de morte materna e a quinta causa de internação na rede pública de saúde do país.

Viomundo – Quando a mulher deve recorrer à pílula do dia seguinte?

Fátima Duarte – É um método de emergência. Portanto, só deve ser usada em situações especiais. Primeira: falha do método anticoncepcional que está usando – por exemplo, conta errada, quando usa tabela; rompimento da camisinha; deslocamento do diafragma ou do DIU; relação incompleta malsucedida; esquecimento de tomada da pílula convencional. Segunda: violência sexual, estupro. Terceira: eventual relação sem uso de método anticoncepcional.

Viomundo – Doutora, o que vocês, ginecologistas, recomendavam nessas situações apontadas antes do advento da pílula do dia seguinte?

Fátima Duarte – A cartela do anticoncepcional oral contém 21 pílulas, nós receitávamos 10 pílulas divididas em três dias. A mulher, mesmo orientada, como em qualquer tratamento com muitos comprimidos, às vezes errava na dose, diminuindo a eficácia. Além disso, esse esquema dava muitas náuseas, ou vômitos. A pílula do dia seguinte, portanto, é uma grande conquista da mulher. Aqui, nós lutamos muito para que ela fosse legalizada. Embora o Brasil seja o país onde mais vende anticoncepcional no mundo, a pílula do dia seguinte chegou aqui com uma defasagem de mais de 30 anos em relação aos chamados países de Primeiro Mundo.

Viomundo – Mas há mulheres, como a Viviane, que usam de rotina, substituindo outros métodos contraceptivos...

Fátima Duarte – As mulheres sabem ver, sabem ouvir, aprendem tão rápido... O que é preciso é falar com elas. Com carinho e orientação, a Viviane aprenderá como ocerto está longe do errado. Ela assim como as meninas, as adolescentes e as mulheres de todas as idades aprenderão que a pílula do dia seguinte não é um método anticoncepcional, mas um recurso para determinadas situações. O erro só existe quando não há a informação. A mulher tem que saber ser a melhor amiga dela mesma.

Viomundo – Quais as consequências dessa desinformação?

Fátima Duarte – A venda indiscriminada e o consumo sem necessidade. Vemos muitas mulheres terem relação desprotegida fora do período fértil, com risco zero de gravidez, e até laqueadas, que, por medo e desinformação (“Nunca se sabe, né?”), tomam a pílula do dia seguinte a conselho de alguma amiga. Outro erro muito comum é tomar a pílula do dia seguinte após as 72 horas da relação sexual, quando já não funciona mais.

Viomundo – O uso seguido diminui a eficácia?!

Fátima Duarte – Sim, é verdade. O nosso corpo funciona harmonicamente. É mais difícil bloquear fenômenos biológicos naturais do que não bloquear. A energia vital do nosso corpo é uma energia inteligente e as descobertas da ciência devem ser usadas a nosso favor e não contra nós. Assim como acontece com outros medicamentos, o uso repetido da pílula do dia seguinte bloqueia certos receptores, o organismo se acostuma, não reconhece mais a pílula, diminui sua eficácia e aumenta o risco de engravidar.

Viomundo – Que outras consequências o uso repetido pode ter?

Fátima Duarte – A pílula do dia seguinte deve ser usada com moderação e cautela em mulheres que também não usar anticoncepcional hormonal. São mulheres com diabetes, cardiopatia, hipertensão, fumantes, alterações de fatores de coagulação, de colesterol, flebites. Também naquelas com história familiar de mulheres (mãe, irmãs) com menos de 45 anos que tiveram AVC [acidente vascular cerebral, o popular derrame] infarto, câncer de mama, útero e ovário.

A propósito. Fala-se muito pouco de cigarro, pílula e a mulher. O homem fumante tem três vezes mais infarto do que o que não fumante, enquanto a mulher fumante tem cinco vezes do que não fumante. Agora, se a mulher fuma e faz uso de anticoncepcional hormonal, o seu risco de ter doenças cardiovasculares – AVC e infarto -- aumenta 39 vezes.

Viomundo – Esses riscos são da pílula anticoncepcional tradicional ou da pílula do dia seguinte?

Fátima Duarte – São do anticoncepcional hormonal convencional. Mas a mulher que utiliza frequentemente a pílula do dia seguinte está se expondo mais a esses riscos. É importante frisar que as consequências e riscos do uso de anticoncepcional hormonal não dependem do tempo em que se faz uso e nem da dose, pílula mais fraca com menos hormônio, pílula mais forte com mais hormônio. É uma reação semelhante ao que acontece quando somos picados por uma abelha. Você pode ter uma reação alérgica local que passa com pomada ou uma reação sistêmica que necessita de cuidados até hospitalares, não importando se devido a uma a várias. O rigor na contra-indicação da pílula do dia seguinte é semelhante. Deve ser avaliado e posto na balança, pois as mulheres que têm risco aumentado no uso do anticoncepcional hormonal são as mesmas com maior risco em uma gravidez.

Viomundo – Mulheres com diabetes, hipertensão, alterações de plaquetas ou fumantes não devem tomar nunca a pílula do dia seguinte?

Fátima Duarte – Os riscos de uma hipertensa, diabética ou cardíaca na gravidez são maiores do que o uso eventual da pílula do dia seguinte, mas não temos indicadores ainda do efeito nessas mulheres. Cada caso deve ser avaliado e a pílula do dia seguinte não pode ser usada por conta própria. O ideal é que seja com orientação de profissionais de saúde, fazendo parte dos programas de Atenção aos Direitos Reprodutivos da Mulher assegurados pelo Ministério da Saúde.

Viomundo – A mulher tem que tomar a pílula em até 72 horas após a relação sexual desprotegida. Como ficam as usuárias da rede pública de saúde e até as de planos de saúde, já que as consultas muitas vezes demoram para ser agendadas?

Fátima Duarte – Este é o nosso desafio de cidadania: garantir às mulheres na fase reprodutiva acesso rápido e eficaz nas suas necessidades físicas, emocionais e sociais. Agilidade, acolhimento e resolutividade devem se dar nessas 72 horas. Temos no Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS), um dos melhores e mais democráticos do mundo. O problema é que, na rede pública de saúde, a grande maioria não conseguirá atendimento nessas 72 horas. Essa mulher vai acabar tomando a pílula, orientada pela amiga, vizinha, pela colega de trabalho ou faculdade, muitas vezes de maneira errada. Por isso que este é o nosso grande desafio: garantir na prática o direito já garantido na lei.

Viomundo – O que a senhora recomendaria às mulheres que estão lendo esta entrevista?

Fátima Duarte – É importante que toda mulher em fase reprodutiva vá ao médico, discuta os prós e contras de cada método anticoncepcional e escolha o mais adequado às suas condições de saúde e estilo de vida. Se você conhece e usa a pílula do dia seguinte, não faça isso com freqüência.

Viomundo -- A pílula do dia seguinte visa prevenir a gravidez. Como fica a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, inclusive o HIV, o vírus da aids?

Fátima Duarte – Assim como que é possível engravidar numa única relação sexual no período fértil, você pode infectar-se por uma doença sexualmente transmissível numa única relação sexual. É fundamental usar a camisinha junto com os outros métodos anticoncepcionais, somando garantias. Esta combinação sempre dá certo.
É tão bom falar de saúde, mais ainda de saúde sexualmente transmissível.

Viomundo – Doutora, para terminar, uma proposta “indecente” que já fiz a outros entrevistados. A senhora toparia esclarecer dúvidas que os leitores ainda tenham sobre a pílula do dia seguinte?

Fátima Duarte – Claro. Afinal, informação é fundamental para se usar a pílula do dia seguinte a nosso favor e não contra nós. É só deixar as perguntas nos comentários. Responderei aqui mesmo.

Fonte: Vi o Mundo

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Um comentário:

Anônimo disse...

tomei a diad e sinto-me muito mal pois acho que fiz um aborto,minha conciencia esta mim matando e estou para enfartar,mais ao mesmo tempo fico tranquila acreditando que quando tive a relaçõa sexual eu não estava fertil,mais se eu tivesse?eu matei alguém?