No Brasil para divulgar o filme 'Enquanto o Sol Não Vem', a diretora francesa Agnès Jaoui conversa com CartaCapital, mas não só sobre cinema.
A Celso Marcondes
“Enquanto o Sol Não Vem” (“Parlez-moi de la pluie”), que entra em cartaz nesta semana no Brasil, é o terceiro filme dirigido pela francesa Agnès Jaoui. Ela também atua e assina o roteiro, como aconteceu em “O Gosto dos Outros” (2000) e “Questão de Imagem” (2004), sempre ao lado de Jean-Pierre Bacri. Jaoui veio lançar seu filme em São Paulo e conversou com CartaCapital. Mas não só sobre cinema. Foi mais um bate-papo que uma entrevista.
Ela fala de política “com prazer”, apesar de achar que “muita gente tem desprezo” pelo assunto. Define o presidente francês Nicolas Sarkozy como “um político de direita, mas populista, com seu lado sedutor”. Aceita como exemplo o fato de ele ter acabado de nomear Frédéric Mitterrand, como ministro da Cultura e da Comunicação. Frédéric é sobrinho do ex-presidente François Mitterrand, e, como o tio, militante do Partido Socialista Francês.
Jaoui, também simpatizante do partido, ressalta que prefere não se engajar diretamente nas disputas eleitorais entre os dirigentes partidários. Acha estranho que, na França, “as pessoas privilegiadas e ricas digam aos pobres para votarem na esquerda”. Mas participa ativamente de campanhas específicas por causas populares. Nutre uma simpatia especial por Cuba, onde esteve algumas vezes. “Adoro aquele país, faço uma viagem no tempo quando vou para lá, aquele esplendor miserável, mas um povo culto, digno e alegre. Fiquei espantada, é uma gente muito pobre que lê livros, que fala de Nietsche, de Camus, das belas artes, com os cinemas sempre cheios”.
JAOUI MÚSICA
Na juventude, Agnès Jaoui estudou canto lírico num conservatório, mas foi sua primeira viagem a Cuba a responsável por fazer vibrar a veia musical. Lá começou a compreender a sonoridade que lhe perseguia desde pequena, quando os pais tunisianos ouviam ópera e muita música da Andaluzia. Já adulta, veio a influência dos vários amigos músicos latino-americanos –“argentinos, peruanos, equatorianos, cubanos” – com os quais sai para tocar e cantar “misturando todos os gêneros, o que eu adoro, pois com a música dá para expressar coisas que não consigo num filme, mais sério, mais cerebral”.
Desta soma de experiências o resultado foi o delicioso CD “Canta”, que lançou em 2006. Repleto de boleros, música flamenca, fados, duetos com Maria Bethânia e Chico Buarque, nenhuma estrofe em francês. (conheça o CD aqui).
Por Chico, a quem conhece pessoalmente (“moramos no mesmo bairro”), cultiva uma paixão particular. Tanta que ele também estará presente no seu próximo CD, que, ela informa feliz, será lançado em novembro, com turnê marcada para o Brasil. Jaoui canta o que trará do compositor brasileiro: “quando você me deixou meu bem, me disse para ser feliz e passar bem”. Interrompe e acrescenta: “ele é um poeta! Procurei traduzir uma boa parte de suas letras, mas é difícil, tem muita coisa que nem dá para traduzir de tão belo”. Entusiasmada, continua a música: “... quase enlouqueci, mas depois, como era de costume, obedeci – é fantástico”.
JAOUI, O TEATRO E O CINEMA.
A música não é mero complemento em seu trabalho cinematográfico. As trilhas sonoras sempre são cuidadas com esmero e em “Questão de Imagem” ela é ainda mais explícita em sua relação ao interpretar o papel de uma professora de música. Em “Enquanto o Sol Não Vem”, a trilha marca com destaque as diferentes passagens do roteiro. Nina Simone canta sublime ao fundo nos momentos mais intimistas. Em cenas cômicas – mais frequentes e hilárias neste seu terceiro trabalho - surgem sons que lembram os trabalhos do cineasta e músico sérvio Emir Kusturica. Ela diz que “o ritmo é fundamental para determinar o desempenho de um ator”.
Jaoui estudou teatro no começo da carreira, escreveu sua primeira peça de sucesso em 1992, depois de ter estreado como atriz de cinema, em 1983.
Já escreveu 4 roteiros e atuou em 14 filmes, dirigida por Alain Resnais, Patrice Chéreau, Cédric Klapish, entre outros.
Percebe-se que a experiência do teatro está bem presente na sua direção no cinema. Por exemplo, ela gosta de dar bastante liberdade aos atores, sempre entrelaçando histórias do cotidiano de diversos personagens. Também costuma trazer para as telas representações de outras manifestações culturais. Em “O Gosto dos Outros” alguns de seus personagens são atores de teatro, amigos de um pintor. Em “Questão de Imagem”, cruza as trajetórias de uma professora de música com as de escritores. Já em “Enquanto o Sol Não Vem” traz o cinema para dentro do cinema.
O filme se concentra nas ações da dupla de amigos vivida por Jean-Pierre Bacri e Jamel Debbouze. Eles querem filmar um documentário contando a vida de Agathe Villanova (a própria Jaoui), para eles “uma mulher de sucesso”, militante feminista que ensaia uma candidatura para o parlamento. Ela, vinda de Paris para passar poucos dias na cidade de sua infância, ao sul da França, aceita o convite, mas precisa conciliar os momentos de filmagens – nem sempre bem-sucedidos - com os compromissos políticos e as questões pessoais e familiares que tem para resolver.
Pergunto se o papel que desempenha tem algo de autobiográfico, em particular sua característica evidente de mulher “multimídia”, mais que atarefada e ligada às questões sociais. Ela sorri e responde breve: “nos meus três filmes desempenhei papéis um pouco autobiográficos”.
Em “Enquanto o Sol Não Vem” Jaoui, de novo, desenvolve uma teia de relações entre personagens de origens e classes sociais distintas. “As pessoas têm o vício de só andar e conviver com seus semelhantes, em pequenos círculos de relações, fechadas em guetos. Nos meus filmes eu procuro mostrar situações fora destes círculos fechados e confrontar realidades distintas. Mostrar pessoas que conseguem sair das realidades que as aprisionam e outras que não conseguem. O convívio entre diferentes é crucial”.
Fica manifesta claramente sua “pegada” política: a cada quatro anos (os dois filmes que dirigiu antes são de 2000 e 2004) ela tira, com precisão, pequenos retratos da sociedade francesa. Questiono se o próximo é só para 2012. Ela começa a explicar que este intervalo “é uma coincidência, deve ser o tempo que preciso para conciliar com minhas outras atividades como atriz e cantora”, mas sua assessoria entra para, lamentavelmente, encerrar nossa conversa.
Fonte: Carta Capital
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