segunda-feira, 13 de julho de 2009

Desfaçatez, hipocrisia, ignorância

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Pequena reflexão em torno de duas histórias distintas, mas de moral comum.

Por Mino Carta

Por que mais um indiciamento de Daniel Dantas de súbito move o interesse da mídia nativa? Porque automática e imediatamente pretende-se estabelecer uma conexão com o chamado mensalão, aquele caso desencadeado para impedir a reeleição de Lula.

Cidadãos bem informados teriam de saber que o mensalão nunca foi provado. Provou-se, isto sim, que a grana dantesca alimentava os esquemas de Marcos Valério, mineiro pródigo. Como CartaCapital contou em diversas reportagens de capa em 2005, o mensalão não passa de uma operação de caixa 2, com incursões pela lavagem de dinheiro. Pelo que se apurou até o momento, cerca de 50 milhões de reais do banqueiro orelhudo alimentaram o Valerioduto.

O novo indiciamento repropõe e reabilita a Satiagraha, vilão do enredo por quase dois anos a fio para mostrar agora seus méritos e acertos. A ligação que não há com o pretenso mensalão expõe a costumeira desfaçatez da mídia nativa, unida pelo pensamento único quinze meses antes da eleição de 2010: todos aliados, como sempre diante do que enxergam como ameaça comum, contra a candidata de Lula, Dilma Rousseff.

Há semelhanças transparentes com a escolha unânime de José Sarney como o Judas da vez. Ninguém, na área midiática, queixou-se quando ele foi nomeado pela ditadura governador biônico, ou quando assumiu a presidência da Arena, ou quando comandou a rejeição da emenda parlamentar das Diretas Já. Ninguém se queixou ao ser Sarney escolhido vice de Tancredo para as eleições indiretas de janeiro de 1985 e, ao falecer o presidente eleito, ao ser chamado para substituí-lo sem que este tivesse sido empossado. De Sarney dispomos de ficha completa. Por que malhá-lo agora? Porque, e tão somente, está com Lula no apoio à candidata anti-Serra.

Fred Vargas falou e disse

O senador Eduardo Matarazzo Suplicy remeteu para CartaCapital uma carta para esclarecer que nunca pagou viagens da escritora francesa Fred Vargas ao Brasil na sua incansável campanha a favor do asilo político de Cesare Battisti (leia a seção competente).

O senador aproveita a deixa para expor sua conhecida posição a respeito da decisão do ministro Tarso Genro a favor de Battisti, e sua ilimitada admiração pela senhora Vargas, a qual, além de ser, segundo informa, a escritora que mais vende na França, é também especialista em peste negra e membro ilustre do Instituto Pasteur. E eu que ao ouvir-lhe o nome pela primeira vez pensei tratar-se de um cavalheiro...

Tanto quanto os entendimentos do senador em relação ao caso Battisti são conhecidos, os de CartaCapital também o são. Vale, porém, depois da leitura de uma prolixa e inútil explanação senatorial, da qual poupamos os leitores, fazer alguns reparos. Diz ele que Fred Vargas chegou à conclusão, por todas as evidências, que Battisti não cometeu os quatro assassinatos pelos quais foi condenado. Ignorávamos, na nossa ingenuidade, que a opinião da escritora pudesse influenciar decisivamente o nosso ministro da Justiça e personalidades variadas, entre elas eminentes juristas brasileiros.

Em obediência ao parecer definitivo da senhora Vargas, o governo, ao menos por ora, contesta a validade de sentenças passadas em julgado em um país onde vigora o Estado Democrático de Direito, endossadas, aliás, desde quando foram emitidas, por todos os partidos italianos, a começar pelos comunistas e hoje por seus herdeiros. Verifica-se que a senhora Vargas pode sobrepor-se à Justiça da Itália.

Surpresa? Nem tanto. O ministro Genro já avisou que, caso extraditado, Battisti corria risco de vida tão logo pisasse solo peninsular, baseado exclusivamente nas afirmações do próprio ex-terrorista. Não surpreende a nós que o senador Suplicy volte a evocar o argumento de que Battisti foi condenado “sem ter tido efetivo direito de defesa”. Agradeçamos a informação de que processos à revelia devem contar com a presença do imputado, mesmo quando ele foge e se esconde mundo afora.

Diz o senador que CartaCapital não admite que na Itália do pós-guerra “possa ter havido abusos por parte da Justiça”. Admitimos, admitimos, desde que provados. E não ousaríamos afirmar que houve no caso de Battisti. Sabemos, pelo contrário, que os processos foram conduzidos por magistrados de peso, internacionalmente respeitados. Mas, claro, estes, e muito menos CartaCapital, pesam mais do que Fred Vargas, Tarso Genro, Eduardo Suplicy, e outros do mesmo porte.

Moral das histórias: o Brasil do privilégio escolhe mal seus heróis e seus vilões. O outro Brasil continua no limbo.

Fonte: Carta Capital

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