domingo, 19 de julho de 2009

Caso Batistti - Réplica ao ministro Tarso Genro

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por Mino Carta

CartaCapital
recebeu na terça 14 uma carta do ministro da Justiça, Tarso Genro. Refere-se ao editorial da última edição. “Gostaria de esclarecer”, escreve o ministro, “que minha decisão sobre a concessão de refúgio ao cidadão italiano Cesare Battisti não decorreu de argumentos apresentados pela escritora Fred Vargas. Decorreu, sim, do estudo detalhado de provas, argumentos e fatos constantes do processo que tramitou no Ministério da Justiça.

“O fato de existir sentença criminal contra uma pessoa não exclui, por si só, a possibilidade de seu reconhecimento como refugiada. É o que determina a Convenção de 1951 das Nações Unidas e a lei brasileira de refúgio.

“Ser o solicitante de refúgio originário de um estado democrático também não impede a concessão da proteção internacional. O Brasil possui, neste momento, cerca de 5 mil refugiados, de 72 diferentes nacionalidades, muitos provenientes de estados democráticos. Há, também, brasileiros refugiados no exterior, não deixando de ser o Brasil um Estado Democrático de Direito.”

Recomendava meu mestre Raymundo Fao-ro: não exagere na ironia, a maioria acha que você está falando sério. Quando, no editorial da última edição, escrevi que Fred Vargas influenciava o ministro Tarso, visava ao senador Suplicy, na aposta de que não se trate de um perito em ironia. De todo modo, sem ironia, cito algumas passagens da motivação do ministro destinada a justificar o asilo político a Cesare Battisti.

• Ao fundamentar a rejeição do parecer do Conare, a favor da extradição, reconhece “fundados temores de perseguição” em relação ao ex-terrorista, caso devolvido à Itália. Observem, contudo, que o parágrafo III do artigo 3º da Lei 9.784 soletra: “Não será beneficiado quem tenha cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo ou tenha participado de atos terroristas”. O ministro ignorou a lei.

• Inciso 12 do documento ministerial: “É de acentuada convulsão social o momento histórico no qual o recorrente foi condenado pela Justiça italiana”. Inciso 16: “No caso italiano, as possibilidades para que os abusos ocorressem estavam dadas pelo ordenamento jurídico forjado nos anos de chumbo”. Inciso 17: “É público e incontroverso, igualmente, que os mecanismos de funcionamento da exceção operaram na Itália”. Incontroverso? O adjetivo nega a história: o mundo reconheceu à época que, ao contrário de outros países, a Itália combatera o terrorismo sem alterar uma única vírgula da sua Constituição longeva e progressista. Seu artigo 1º diz: “A Itália é uma república baseada no trabalho”.

• “A mudança de posição do Estado francês (quando caducou a chamada Doutrina Mitterrand) foi o motor único da sua deslocação (de Battisti) para o Brasil.” Aqui resta saber se o ministro Tarso, ele sim, pratica a ironia. A deslocação é fuga, pois a Justiça da França já sacramentara a expatriação.

• “Enxergou ainda o recorrente razões políticas para os reiterados pedidos de extradição Itália-França, bem como para a concessão da extradição, que conforme o recorrente estariam vinculadas à situação eleitoral francesa. O elemento do fundado temor de perseguição, necessário para o reconhecimento da condição de refugiado, está, portanto, claramente configurado.” Falou e está falado. Como se verifica, o recorrente ao menos, em lugar de Fred Vargas, é fonte preciosa e decisiva para o ministro da Justiça do Brasil. Tarso Genro assume o papel de juiz da Justiça italiana, e afronta também a francesa, ao entender que a movem escusos comprometimentos políticos, como garante Battisti. E, ainda, o Estado italiano, que não saberia cuidar dos seus presos.

O ministro insistiu nestes argumentos meses a fio, secundado por vários dos seus auxiliares, e indiferente diante da evidência de que delitos de sangue, mesmo cometidos em nome desta ou daquela ideologia, são inexoravelmente comuns. Os anarquistas que matavam reis e aristocratas um século e mais atrás nunca receberiam asilo político.

Não comento o truísmo contido na carta do ministro, por quem tenho amizade e apreço. Não me furto, porém, à seguinte observação: qualquer rábula sabe que, em tese, o status de refugiado pode ser concedido mesmo quando há sentença cominada e seja o requerente originário de país onde vigora o Estado Democrático de Direito. Vale recordar, no entanto, que pelo Tratado de Cooperação Judicial entre Brasil e Itália não se outorga juízo revisor das decisões de mérito, conforme jurisprudência, aliás, do Supremo Tribunal Federal.

Fonte: Carta Capital

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