terça-feira, 14 de julho de 2009

As lacunas da cobertura da crise no Senado

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por Luiz Antônio Magalhães

Em primeira mão para os leitores do Entrelinhas, mais um artigo do autor do blog para o Observatório da Imprensa.


As lacunas da cobertura da crise

Por Luiz Antonio Magalhães


O Congresso Nacional está em crise, mas para a grande imprensa tudo se resume a um nome: José Sarney. É certo que o presidente do Senado, eleito pelo Amapá e líder do PMDB do Maranhão, está cercado de encrencas, algumas delas tão complicadas de explicar como batom na cueca. Fazem bem os jornalistas em correr atrás das denúncias sobre o ex-presidente da República, mas fariam melhor, muito melhor, aliás, se conseguissem explicar ao distinto público o que está realmente em jogo no legislativo federal.

Para começo de conversa, a crise não se restringe ao Senado, embora as falcatruas da Câmara tenham sido ofuscadas pelos episódios que vieram à tona na Casa Alta do parlamento brasileiro. A rigor, os primeiros casos denunciados neste ano, sobre a farra das passagens aéreas, dizem respeito aos deputados federais, que transformaram as milhagens e os bilhetes não utilizados em mercadoria. A apuração não avançou muito, ficou na publicação de casos particulares – até o impoluto e probo Fernando Gabeira (PV-RJ) acabou admitindo que usou passagens da sua cota para a filhota viajar ao Havaí. O que jornal nenhum investigou foi a parte mais grave da história, pois o uso de bilhetes da cota pessoal de deputados para seus parentes, amigos ou namoradas é café pequeno perto do esquema que transformava as passagens e milhagens em mercadoria. Como se sabe, mercadorias são vendidas e compradas mediante pagamento. Quem embolsou os recursos? Quem operava o esquema? Ninguém sabe, ninguém viu. O assunto simplesmente morreu na imprensa tupiniquim.

Mesmo considerando apenas os fatos amplamente noticiados dos desmandos no Senado, a cobertura é repleta de lacunas. O foco em Sarney acaba fazendo com que muita coisa importante não seja publicada. A Primeira-Secretaria do Senado, comandada hoje por Heráclito Fortes (DEM-PI), é uma espécie de “prefeitura” da Casa. Entre as prerrogativas desta secretaria estão as de realizar licitações, nomear e demitir servidores e a de cuidar da execução do Orçamento do Senado. O primeiro-secretário também assina, depois do presidente, as atas das reuniões secretas. É muita coisa, mas do jeito que as reportagens dos jornalões têm sido publicadas, parece que só José Sarney sabia e cuidava das falcatruas. Ora, nos últimos anos o cargo tem sido ocupado exclusivamente por parlamentares do DEM, antigo PFL – antes de Heráclito, Efraim Moraes e Romeu Tuma foram os “prefeitos” do Senado. Apesar de tudo isto, nitidamente os democratas vem sendo poupados do tiroteio. Batom, só na cueca de Sarney (e de Renan Calheiros, os ex-presidentes da “Era Agaciel” Garibaldi Alves e Tião Viana também não estão sendo cobrados na mesma intensidade).

É evidente que Sarney tem culpa no cartório – foi ele quem nomeou Agaciel Maia diretor-geral do Senado, para começo de conversa –, mas a imprensa ainda não conseguiu esclarecer o que está por trás da guerra que vem sendo travada no Congresso Nacional, limitando-se a publicar denúncias vazadas na maior parte das vezes por funcionários do Senado ou gente com interesse direto na publicação das denúncias. Pior ainda, os jornalões e seus colunistas não estão conseguindo colocar as denúncias em um contexto que as explique. Para o leitor, fica parecendo que anteontem Sarney desembestou a praticar corrupção, a torto e a direito, praticando um verdadeiro harakiri político.

Ora, José Sarney não nasceu ontem nem tem vocação para se auto-imolar. O que os brasileiros estão tomando conhecimento neste momento são práticas muito antigas, anteriores até mesmo à primeira gestão de Sarney na presidência do Senado. Não foi de ontem para hoje que o Senado contratou 9,6 mil funcionários (contando os inativos, o número chega a espantosos 18 mil e nesta soma não estão os terceirizados e comissionados) para servir os 81 senadores, o que é um absurdo lógico e administrativo. Também não foi de ontem para hoje que começaram a ser assinados os atos secretos, agora cancelados pelo presidente da Casa, ou que começaram a se formar as filas para comprovar a presença e fazer jus às horas-extras. E o mais importante de tudo, não foi de ontem para hoje que a imprensa ficou sabendo de tanta imoralidade. Ao contrário, muitos dos jornalistas que parecem orgulhosos dos “furos” que estão dando na verdade deveriam estar com vergonha de jamais terem tocado no assunto antes...

Na verdade, a grande lacuna da atual cobertura da crise é mesmo a falta de contextualização. Sarney está sob intenso tiroteio porque a eleição para a Mesa Diretora do Senado precipitou, no Congresso, a verdadeira guerra que está sendo travada nos bastidores da política brasileira, qual seja a da sucessão do presidente Lula no próximo ano. Nem é tão difícil assim explicar as coisas: Sarney faz parte do PMDB governista, que decidiu romper com um acordo de cavalheiros e disputou o comando das duas casas parlamentares, quando o natural era o PT ficar com a presidência do Senado, cedendo a da Câmara ao PMDB. Curiosamente, a entrada de Sarney na disputa dividiu a oposição – ele recebeu apoio do DEM, mas não do PSDB. Com a vitória do senador do Amapá no Senado e do deputado Michel Temer (SP) na Câmara Federal, uma parcela substantiva do PT ficou incomodada com o que julgou “excesso de poder” dos peemedebistas. Ao mesmo tempo, boa parte dos tucanos, especialmente os próximos ao governador de São Paulo, José Serra, também não acharam muita graça em ter como comandante do Senado, justamente no período pré-eleitoral e durante a campanha de 2010, um político extremamente próximo do presidente Lula, capaz de influenciar decisivamente na costura das alianças estaduais e nacional.

Pode até parecer confuso, mas não é. São interesses conflitantes, mas como o mesmo objetivo: detonar não apenas Sarney, mas o que ele simboliza – o PMDB alinhado com Lula. Do ponto de vista dos “serristas”, enfraquecer esta ala peemedebista é um dos poucos jeitos de pelo menos tentar uma neutralidade do partido, detentor de muito tempo na propaganda eleitoral no rádio e televisão. Para uma parcela do PT, trata-se de preservar o seu quinhão na máquina governamental. Já os democratas optaram pelo apoio a alguém que no fundo, no fundo, é um dos seus. Nada disto aparece nas análises dos jornalões, que preferem apostar no espetáculo das notícias que chocam (e que esses mesmos jornalões já tinham conhecimento). Se o fazem por inocência, é apenas mau jornalismo. Se o fazem por interesse no resultado da eleição de 2010, é manipulação pura e simples. Nos dois casos, o leitor sai perdendo.

Fonte: Blog Entrelinhas

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