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por Miguel do Rosário
Na sexta-feira, acompanhei minha mulher a um lugar em Botafogo, e fiquei esperando numa lanchonete enquanto ela resolvia seu problema. Sem ter o que fazer, atravessei a rua e comprei a Folha de São Paulo. Já falei pra vocês: eu gosto de jornal, talvez porque eu seja viciado em ler. Quando não tenho nada para ler num banheiro, por exemplo, abro minha carteira e examino minha carteira de identidade, ou o desenho numa cédula. Cansei de observar onças, tartarugas, tamanduás, toda a fauna brasileira estampada no glorioso dinheiro nacional. Enfim, comprei a Folha e voltei à lanchonete. Pedi um chope e, de pé mesmo (é tão bom beber chop de pé!), pus-me a folhear, com prazer semelhante ao de contemplar um mico-leão-dourado. Reparem que usei uma palavra que odeio: pus-me. Foi proposital, já que este jornal parece uma enorme ferida babando pus. Certamente, se eu não possuísse o privilégio de ter esse canal de desabafo, autodefesa ideológica e trincheira antimidiática, já teria desistido, há tempos, de dar atenção a esses boçais.
Então esbarrei na coluna do venerando Clóvis Rossi, na qual (pasmem, ou melhor, pusmem), ele desanca Lula e o petismo! Que novidade! Começa mais ou menos assim: “era uma vez a teoria da mídia golpista cantada por intelectuais vendidos ao PT e pela mídia chapa branca”. Rossi leu que Berlusconi culpou a imprensa por seus problemas. Daí, por uma analogia fascinante e original, ele compara o primeiro ministro italiano a Lula. Omitiu alguns detalhes, claro, como o fato de Berlusconi ser o homem mais rico da Itália e proprietário dos principais canais de TV, jornais e rádios. Outros detalhes, como o fato do partido de Berlusconi patrocinar uma política de extrema direita, também são, convenientemente, postos de lado.
O que me chamou a atenção, no entanto, não foi isso. Quer dizer, não foi esse texto previsível, leviano e rasteiro que despertou meu interesse. O que me tocou foi o fato de eu não ter ficado tão irritado com aquela idiotice. Senti desprezo, só, e um pouco de melancolia em constatar que milhares de árvores foram derrubadas para imprimir estultices. Afinal, que espécie de análise política se pode esperar de uma coluna com o número de caracteres tão restrito, e sem a mínima abertura ao contraditório? Essa é a grande força e a grande superioridade da blogosfera. Um textinho imbecil como aquele seria massacrado na internet. Milhares de cidadãos brasileiros publicariam comentários engraçados, ofensivos, raivosos, sentimentais, astutos, desmoralizando cabalmente o colunista da Folha. Somente a proteção quentinha do papel impresso possibilita esse tipo de mediocridade militante. O que me impressiona, sobretudo, é a baixa qualidade intelectual de colunistas como Clovis Rossi. Encontramos, na internet, na seção de comentários, milhares de pensamentos infinitamente mais originais do que as colunas de opinião da Folha de São Paulo – e que não consomem as árvores de nossas florestas.
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A Miriam Leitão voltou a ficar louca, se é que algum dia deixou de sê-lo. Diante da possibilidade do governo iniciar um programa inédito de redução da carga tributária sobre a folha salarial, o que é, a meu ver, um problema real no Brasil, ela agora é contra. Diz que o governo já reduziu imposto demais e não tem como ampliar os cortes. Depois de anos pregando contra a carga tributária, Leitão se torna, de súbito, defensora dos impostos altos.
Na realidade, ela está totalmente destrambelhada. Suas previsões catastróficas não se realizam e ela começa (assim espero) a desconfiar que vem se tornando motivo de chacota pública. A reação, no entanto, ao invés de vir na forma de uma revisão de atitudes, manifesta-se por uma intensificação de histeria e demonstração de desequilíbrio emocional.
Entretanto, há um ponto que começo a gostar na Miriam. Na falta de um apoio mais firme para criticar o governo, ela vem ensaiando tornar-se uma ecoxiita, uma ambientalista radical. Acho ótimo. É uma tremenda evolução, e o governo precisa mesmo ser fortemente criticado nessa área. Não porque esteja fazendo feio nessa área (provavelmente está), mas porque sempre se pode fazer melhor. Além disso, prefiro mil vezes uma Miriam ecoxiita do que a profetiza de calamidades sociais e econômicas que ela vem sendo nos últimos anos.
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Neste domingo, o Globo publica uma reportagem adorável. Num acesso esquizóide de franqueza, o jornal informa que a fonte de uma matéria sobre o governo federal é um secretário do governo de São Paulo, do PSDB. Então tá, façam matérias sobre o flamengo consultando os torcedores do vasco... Será que deram emprego para o Tarso da novela? O texto critica o aumento de gastos do governo federal, dizendo que se trata de uma bomba a estourar no colo da próxima gestão. A matéria, ironicamente, parece uma belíssima peça de propaganda de Lula, pois mostra aumento de gastos como: merenda e transporte escolar, auxílios sociais, financiamento a pequena agricultura, e assim vai. Estou curioso para saber que espécie de tarado vai criticar aumento de gastos em merenda escolar...
O que a matéria não diz – também aí é querer demais – é que, com a redução dos juros básicos, o governo está economizando dezenas, quiçá centenas, de bilhões de reais por ano, e este dinheiro, em vez de pagar banqueiros e rentistas, está sendo usado em programas sociais, aumento do salário mínimo e reajuste do funcionalismo.
Aliás, sobre o funcionalismo, acho impressionante a campanha midiática contra as demandas trabalhistas do serviço público. A direita deixa bem claro que pretende realizar um choque de gestão no serviço público brasileiro através de arrocho salarial e demissão em massa. Recentemente, a prefeitura de São Paulo tomou uma decisão estarrecedora. Muita gente da esquerda, inocentemente, aprovou a medida. Trata-se da publicação dos salários dos funcionários da prefeitura na internet.
Meu Deus! Que grosseria. Não sou, por princípio, contra uma medida como essa. Mas fazer isso unilateralmente, sem negociação com os sindicatos, é uma violência imperdoável, que só demonstra o incompreensível ódio ideológico que a direita alimenta contra o funcionalismo público. Os prejudicados, como sempre, são a parte mais fraca, aqueles trabalhadores que residem em áreas pobres, que possuem famíliares em situação financeira precária, e que passarão pelo constrangimento de saber que todos seus parentes e amigos pidões estão agora cientes de quanto eles ganham.
Passado um tempo, a situação se estabilizará, mas quem pagará pelo sofrimento moral desses trabalhadores? Salário, afinal, sempre foi uma informação privativa do trabalhador. Qual a grande vantagem que a sociedade brasileira obterá em saber que aquele fulaninho da repartição ganha 1.105 reais ao mês? Além disso, numa cidade com problemas trágicos de assalto e sequestro, como São Paulo, será um prato feito para os ladrãozinhos de bairro saber que sicrano, que todo mundo achava que não possuía um centavo, ganha 7.200.
Transparência é importante, claro, mas também não pode virar uma pantomina, uma palhaçada. O que a sociedade quer ver publicada na internet é a planilha das obras públicas, a jogatina de precatórios e títulos públicos, essas coisas, e não o salário de todos os barnabés do município.
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Inacreditavelmente, a mídia brasileira está sonegando informações sobre o golpe em Honduras. Os acontecimentos mais graves, como a suspensão dos direitos civis, e a repressão aos órgãos de imprensa críticos ao golpe, têm sido omitidos. Reproduzo aqui um comentário que alguém deixou no post anterior, reproduzindo nota da Reuters:
Periodistas abandonan Honduras -
Tegucigalpa. Miembros de la cadena venezolana VTV y de Telesur abandonan el hotel donde se hospedaban, luego de que policías hondureños detuvieron a integrantes de su equipo, según denunciaron los mismos periodistas. Reuters
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Fizeram aquele escarcéu todo em cima do Irã, onde ocorreram ELEIÇÕES DEMOCRÁTICAS, e agora abafam o que acontece aqui do lado, em Honduras: um golpe de estado contra um presidente eleito em sufrágio universal, num continente traumatizado por esse tipo de acontecimento. E mais: porque nenhum desses colunistas da grande mídia não opina sobre a posição da Veja, que não só apoiou o golpe de estado em Honduras como deixou claro que o mesmo poderia ocorrer aqui. Reitero: são todos uns golpistas filhos da puta. A hora de cada um ainda vai chegar. Esse episódio em Honduras, apesar de trágico, teve o mérito de desvelar a carantonha golpista e racista da direita latino-americana. A Sociedade Interamericana de Imprensa está caladinha até agora, o que é outra coisa inacreditável. Zuenir Ventura, que eu admirava, publicou coluna em que dizia ter visto e revisto, várias vezes, o vídeo que mostrava a garota iraniana morrendo. Que espécie de tarado vê e revê uma coisa dessas? E aí vem com um texto em que descreve, em detalhes, a morte da moça. Para quê? Qual a finalidade disso? Mostrar a crueldade desumana dos iranianos? Ou fazer o joguinho da direita bélica americana? Ora, valha-me Deus. Morrem milhares de pessoas por semana no Iraque e o mundo não está nem aí. Na África sub-saariana, morrem milhões por ano, das formas mais humilhantes, de doença e fome, em países que nem eleições tem, e esse lacerdinha não fala nada? Eu admirava o Zuenir pelos livros "1968: o ano que não terminou" e "Cidade Partida", mas, diante de sua pusilanimidade senil e desinformada, eu fico, ao mesmo tempo que tentado a repensar a qualidade de suas obras, desinteressado totalmente em ler qualquer coisa sua no futuro. O dinheirinho fácil da grande mídia está ajudando a desfazer muitos mitos do jornalismo tupiniquim.
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Tô falando. O Globo intoxica qualquer um. Até Chico Caruso, até ele, está virando verdugozinho da direita. Em charge publicada no Globo desta segunda-feira, 13 de julho, vemos cinco presidentes da república, eleitos pelo sufrágio universal, do Irã, Paraguai, Bolívia, Chávez e Equador, sob o chapéu: Andar para trás? Agora só com os 'Ahmadinejackson Five'! Meu Deus! Ainda procurei o novo ditadorzinho de Honduras por ali, mas não, ele colocou só o "eixo do mal" do Bush. Com certeza vai ganhar presentinho do Ali Kamel.
Fonte:
Óleo do Diabo::
O mesmo de sempre
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