terça-feira, 7 de julho de 2009

Soberania Relativa

::

George W. Bush deve estar sorrindo no Texas, enquanto Barack Obama, a pedido inclusive de Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, faz uma faxina na biografia do antecessor

por Alon Feuerwerker


Falhou a primeira tentativa de reinstalar no cargo o presidente constitucional de Honduras, Manuel Zelaya. Ao que parece, por falta de apoio nas Forças Armadas e demais instituições de estado. O caminho quase insurrecional ensaiado por Zelaya no domingo exige um consenso social bem amplo. Ou um grau razoável de apodrecimento e divisão dos órgãos estatais detentores do monopólio da força. De preferência as duas coisas.

Mas a situação pode mudar rapidamente, dada a precariedade do equilíbrio. A estratégia agora dos partidários de Zelaya é aprofundar o isolamento internacional do país, inclusive com mecanismos de bloqueio econômico. Contra Cuba o recurso não tem funcionado. Só que Honduras não é Cuba. Vamos aguardar.

Merece registro que os aliados continentais de Havana, inclusive o Brasil, peçam aos Estados Unidos pelo isolamento de Honduras. É a legitimação do papel hegemônico de Washington, contra o qual a esquerda latino-americana se batia, quando interessava. O demonizado George W. Bush deve estar sorrindo no Texas, enquanto Barack Obama, a pedido inclusive de Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, faz uma faxina na biografia do antecessor.

Outro subproduto da inédita unidade continental em torno de Zelaya é a criação de um ambiente mais confortável para o Senado brasileiro votar a adesão da Venezuela ao Mercosul. O assunto arrasta-se, mas desta vez parece encontrar uma conjuntura propícia. Um reticente era José Sarney (PMDB-AP). Enrolado como está na série de revelações assombrosas sobre o dinheiro da Casa, ele não tem mais condições políticas de recusar qualquer orientação que venha do Palácio do Planalto.

E a resistência da oposição? Vem sendo debelada pela forte movimentação empresarial a favor da absorção de Caracas no bloco. A temperatura poderá ser medida esta semana, quando a Comissão de Relações Exteriores realiza duas audiências públicas para debater o texto do protocolo de entrada da Venezuela ao Mercosul (PDS 430/08).

Prevê-se inclusive a participação de representantes da oposição venezuelana. O que numa situação normal soaria bizarro, intromissão indevida na política interna do vizinho. Neste ambiente de relativização da soberania dos países, soa aceitável.

A situação hondurenha é preocupante também pela possibilidade de a coisa degenerar em mais violência. Ou mesmo num conflito militar contra países bolivarianos. Espera-se que tudo se resolva pacificamente, com a volta de Zelaya ao cargo e a realização de eleições presidenciais este ano. Nas quais Zelaya não poderá concorrer, se a Constituição estiver em vigor. Trata-se inclusive de cláusula pétrea.

Ao tentar regressar domingo nos braços do povo, Zelaya fez um movimento não apenas para retornar à Presidência, mas também para conseguir superpoderes, que eventualmente lhe permitiriam dissolver o Congresso e decapitar as Forças Armadas e o Judiciário. Superpoderes que na prática o habilitariam a rasgar a Constituição usada para depô-lo. Nada impede que ele continue tentando, mas é provável que agora sua volta tenha que ser negociada sob o protagonismo de Obama, e não mais de Chávez.

Insegurança

O governo transmite insegurança na maneira como enfrenta a gripe causada pelo vírus AH1N1. Parece faltar uma avaliação realista sobre o alcance da propagação. Quando a epidemia chegou a nós, as autoridades recomendaram encaminhar os casos suspeitos aos centros de referência. O que lotou os centros de referência. Ou o governo subestimou o problema ou a orientação estava errada. Agora, as autoridades sanitárias pedem que as pessoas usem toda a diversidade de portas de entrada do sistema (médicos, postos de saúde), para não sobrecarregar as unidades especializadas. Será que o sistema está preparado?

Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.

::

Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: