O padrão Maluf na segurança paulista
por Luis Nassif
No espectro político, é evidente a necessidade de um partido conservador, assim como os de centro esquerda, centro direita. Mas a transição de José Serra rumo à direitização é chocante.
O “modelo PSDB” tinha a cara do ex-Secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furokawa. Consistia em união com a comunidade, em cidades menores, de maneira a criar um envolvimento no atendimento ao criminoso de pequena expressão. Depois, concentrar a força do Estado no combate ao crime organizado.
Esse modelo foi por água abaixo ainda no governo Alckmin, com a nomeação de um troglodita, Saulo de Castro Abreu, para Secretaria de Segurança. Saulo desmontou qualquer possibilidade de trabalho integrado entre sua Secretaria, a de Administração Penitenciária e a da Justiça. Esbanjou violência, prepotência e despreparo. A explosão do PCC em 2006 liquidou com ele. Mas trouxe de volta o padrão Maluf de segurança, agora assumido pelo governo de São Paulo.
Com Serra, o jogo continua. Não apenas foi totalmente omisso para segurar a corrupção que grassava na Polícia Civil, como permitiu a adoção da truculência ampla não contra marginais, mas contra população de áreas “sublevadas”. Talvez pela tendência de Serra de enxergar conspiração em qualquer manifestação que exponha seu governo.
Leia abaixo a matéria “82 dias de medo em Paraisópolis”, do repórter Bruno Paes Manso, do Estadão, um relato chocante do que se transformou José Serra. Percebendo que a centro-esquerda havia sido ocupada por Lula, orientado por FHC decidiu se transformar no líder da direita. Por falta de inteligência e imaginação políticas - e de escrúpulos -, mandou sua biografia às favas e foi se espelhar no que a direita havia produzido de mais estúpido, o figurino Paulo Maluf.
Do Estadão:
82 dias de medo em Paraisópolis
Moradores denunciam violência da PM - Barracos foram invadidos sem mandados judiciais. Trabalhadores, crianças e idosos relatam sessões de tortura. Comando da PM nega abusos e agressões na favela
por Bruno Paes Manso
Os números oficiais da Operação Saturação da Polícia Militar em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, são chocantes. De acordo com a Prefeitura, moram 60 mil pessoas no bairro. Durante pouco menos de três meses de operação, entre 4 de fevereiro e 26 de abril, 400 policiais em 100 viaturas e um helicóptero, com 20 cavalos e 4 cachorros, aplicaram 51.994 revistas a moradores do bairro.
A operação teve início depois dos tumultos provocados por algumas dezenas de moradores, em 2 de fevereiro, que deixaram três PMs baleados. Entre os agitadores havia integrantes do tráfico de drogas local. Como resposta, nos dias que se seguiram ao quebra-quebra, parte da tropa deixou rastros de abusos e violência. “Durante a ocupação, tentativas de desestabilização das forças de segurança foram levadas a efeito por parte de pessoas que se sentiam incomodadas com a presença da polícia”, defende o capitão Emerson Massera, da Seção de Comunicação Social da PM. Segundo ele, não há provas de abusos e agressões.
Na semana passada, o Estado esteve em Paraisópolis. Ouviu dezenas de histórias chocantes, em diferentes pontos do bairro. Testemunhos semelhantes já foram ouvidos por entidades como Associação dos Juízes pela Democracia, Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e Associação Paulista dos Defensores Públicos.
De acordo com a polícia, no balanço da operação constaram 93 flagrantes, captura de 61 procurados, 31 armas e 9,9 kg de cocaína apreendidos. Mas o saldo final vai além: sobrou raiva, humilhação, revolta, indignação que ninguém ainda é capaz de dizer o que isso de fato pode significar para a cidade. Seguem os testemunhos de moradores colhidos pelo Estado:
EM DEFESA DOS FILHOS
Auxiliar administrativa em uma empresa de telefonia, Gisele Cristina dos Santos, de 28 anos, teve o barraco invadido seis vezes pela polícia. Em nenhuma delas havia autorização judicial. Na primeira, um domingo de manhã, ela, marido e seis filhos, crianças de 1 a 12 anos, estavam em casa. O marido esticava um novo varal e chamou a atenção dos policiais por causa de uma tatuagem. Perguntaram se ele tinha “passagem”. Ele informou que estava sob condicional, mas não devia na Justiça. Os policiais chutaram o portão e invadiram o quintal perguntando por drogas. Em seguida, entraram na casa e rasgaram o sofá. O pai apanhou na frente dos filhos. Em outras duas vezes, policiais entraram quando só havia crianças em casa. Falaram para a mais velha que o pai havia pedido a eles que buscassem o revólver. “Onde está a arma?”, perguntavam os policiais. “Meu pai não rouba”, a criança respondeu. A casa também foi invadida quando não havia ninguém. Dois baldes de água com latas de leite que ela recebeu do programa da Prefeitura, misturadas com detergente e pó de café, foram espalhados pelo chão e paredes. Gisele teve seu MP5 furtado. Depois das seguidas sessões de abuso, ela fundou o movimento “Paraisópolis Exige Respeito!”, com um blog na internet. Perguntada se o nome dela podia aparecer no jornal, Gisele foi categórica: “Coloque em negrito, com letras maiúsculas.”
CHAMADA ORAL DA BÍBLIA
Nos cálculos da aposentada Maria Alves da Rocha, de 59 anos, policiais invadiram a casa onde ela mora com a neta de 17 anos e dois filhos por cerca de 15 vezes. Nunca apresentaram mandado. Na primeira invasão, eles entraram com um pontapé na porta. Os vizinhos avisaram ao filho, que é pedreiro e trabalhava na vizinhança, que chegou em instantes e sugeriu para a mãe que deixasse a polícia trabalhar. “Quem não deve não teme”, disse. A polícia depois não se cansou de voltar. Bagunçavam o guarda-roupa, xingavam e humilhavam os que estavam em casa. Dona Maria contou aos policiais que era evangélica. Um deles solicitou uma Bíblia para perguntar o que estava escrito em dado versículo do Evangelho de João. “Sou analfabeta, mas entendo a palavra dos pastores e consegui responder”, diz Maria. O pé de capim-santo que ela cultivava no quintal para fazer chá foi arrancado pelos policiais, para checarem se não era droga.
É PROIBIDO CHORAR
Quando viu o movimento de policiais na viela em que mora, Antonio, de 13 anos, entrou em casa correndo. Os policiais o seguiram. Na porta do barraco, um anúncio escrito a giz pela mãe oferece: “Fais chapinha.” Dentro de casa, Antonio teve a arma apontada para cabeça. “Por que estava correndo? Onde é a boca?”, perguntava um deles, enquanto o estapeava. Outro policial revistava a casa. Antônio, que aparenta 10 anos, estava sozinho com o irmão, de 9. Os dois choravam muito. “Cala a boca vacilão. Vamos levar você para um quartinho escuro na Febem”, ameaçava o policial. Com os braços cruzados, esfregando os ombros, Antonio explica que ficou ainda mais assustado porque há alguns anos teve um tio assassinado por policiais. Os vizinhos, do lado de fora, viam tudo sem poder intervir porque temiam apanhar.
ESPINGARDA DE BRINQUEDO
Agnaldo Jesus Viana teve o sobrado em que mora, em cima do bar de sua propriedade, invadido quatro vezes. Os policiais cismaram com o jogo eletrônico que ficava na frente do estabelecimento e tinha uma espingarda a laser como acessório. Perguntaram para ele onde estavam as armas e quem fazia o tráfico na favela. Ele respondeu que “não mexia com isso”. A arma do videogame foi quebrada pelos policiais. A mulher de Agnaldo, nervosa, para tentar intimidar, disse que as câmeras que ficam dentro do bar estavam gravando os abusos. Eles obrigaram o casal a retirar o material do vídeo e entregar a eles. As visitas se repetiram. Agnaldo conta que a câmera digital e o notebook do vizinho foram roubados.
QUEM APANHA É A MÃE
Solange conta que estava bêbada no dia em que apanhou da polícia. Foi reprimida depois de chegar chorando e pedindo para não baterem no filho, que estava sendo revistado. Eles se irritaram com a cena e pediram a ela que os levasse em casa para ver se não havia drogas. O filho foi junto, sob tapas e socos. Na confusão, ela acabou levando uma cabeçada do filho agredido pelos policiais. Ficou com o olho roxo. “Hoje eu só sinto ódio”, diz o filho de Solange.
COMPENSADO DE MADEIRA
O ajudante geral Luiz Claudio Carlos, de 23 anos, estava na viela perto de casa sem documentos quando foi abordado por três policiais. Sem poder provar quem era, foi esculachado. Os policiais pegaram um compensado de madeira, jogaram em cima dele e começaram a pular em cima. Perguntavam sobre drogas e davam tapas no seu rosto. A alguns metros de distância, um menino jogava bolinhas de gude. Uma delas desceu em direção ao local onde ocorria a sessão de tortura. O policial perguntou o que menino queria e começou a estapeá-lo. O garoto apanhou sem dizer nada. Quando foi liberado, disse ao policial: “Muito obrigado.” O soldado ficou irritado e voltou a agredir o menino.
RODÍZIO PARA BATER
Sílvio de Moraes Pereira, de 21 anos, quer ser tatuador. Tem piercings, sobrancelhas cortadas e tatuagens. Fez estágio na Galeria do Rock. Andava pela viela às 8 horas da manhã quando foi abordado e obrigado a tirar a roupa e ficar de cueca. Sentou em cima da mão e o acusaram de trabalhar no tráfico. Ele negou a ligação. Os seis homens perguntaram se ele teria coragem de levá-los à sua casa. Pereira topou. Jogaram o jovem em cima da cama e ele apanhou em rodízio: um dava socos na cara, outros nos rins e todos chutaram ao mesmo tempo com coturnos de bico de ferro, quando ele caiu no chão. Com medo de novas represálias, acabou se mudando.
CABEÇA DE MENINO
José Maria Lacerda, de 54 anos, coordenador da União de Defesa dos Moradores, revoltou-se com a prisão de William, que é deficiente mental. “Tem corpo de homem, mas cabeça de menino”, explica . Em um sábado de março, policiais viram a porta da casa do jovem aberta e a invadiram, enquanto William dormia. Ele apanhou, tomou um soco na boca e foi levado como traficante e até hoje se encontra preso no CDP de Osasco. Lacerda decidiu brigar em defesa do rapaz, que trabalhava como ajudante de carretos. Pediu ao amigo e advogado Gilberto Tejo Figueiredo, que atua na associação em processos imobiliários de usucapião, para defender William. “As testemunhas sempre são apenas os policiais que efetuam a prisão. Nunca levam os moradores que presenciaram a cena. É uma covardia”, diz Figueiredo. Mineiro, há tempos na luta por moradias, Lacerda é daqueles que preferem evitar conversas sobre crime, como se não fosse assunto de pessoa correta. Mas observa que os moradores de Paraisópolis estão sendo estigmatizados e ganharam na cidade a pecha de ladrões. “Para conseguir emprego precisamos evitar dizer o nome do bairro em que moramos”, diz.
OUTROS OLHOS PARA O MUNDO
Extrovertida, vaidosa, unhas pintadas de vermelho, a cabeleireira Aurenice Soares dos Santos sempre gostou de policiais. Na última eleição, fez campanha para Gilberto Kassab. “O Kassab é um homem lindo!”, diz. Passou a enxergar o mundo com outros olhos em uma manhã de março. Na viela onde mora, quatro casas foram invadidas. O marido estava no andar de cima do sobrado, com a máquina de lavar ligada. Um grupo de 11 policiais chegou ordenando que ela abrisse a casa. Nervosa, disse que não conseguia encontrar a chave. Os policiais quebraram a janelinha da porta, colocaram a cabeça para dentro e tentaram forçar a entrada. Aurenice aguardou calada. Os policiais desistiram quando parte do grupo começou a entrar na casa de baixo. No vizinho, a polícia abriu a janela com um soco, assustando as duas irmãs de 16 e 17 anos que estavam de pijama e acordaram com o barulho. Ela ouviu o choro do outro irmão, de 3 anos, com deficiência nas pernas. Viu o filho da vizinha ser humilhado e obrigado a se sentar em cima de uma poça d?água. Enquanto a operação durou, Aurenice evitou sair de casa. Permanece em depressão e toma diazepam, clonazepan, Tofranil e Diurex.
IZAQUE CIRIACO MARTINS
Izaque Ciriaco Martins, de 26 anos, trabalha como copeiro em uma churrascaria do Morumbi e chega todo dia em casa após a 1 hora da manhã. Cansou de ser revistado nas operações da polícia. Foram pelo menos cinco vezes em que era tratado como bandido por viver em Paraisópolis. Em certas madrugadas, teve de dar longas caminhadas a pé para chegar em casa porque o caminho mais curto estava bloqueado pela polícia.
A POSIÇÃO DA POLÍCIA
O capitão Emerson Massera, da Seção de Comunicação Social da PM diz: “A presença de criminosos na comunidade exigiu uma pronta ação, que culminou na estratégia de ocupação, objetivando criar um clima de segurança às pessoas de bem. E foi o que efetivamente ocorreu! Duas denúncias chegaram a ser feitas formalmente.” E completa: “Restou provado que não houve abuso ou agressão.”
Fonte: Luis Nassif Online
Por Hamilton:
Neste link, o repórter conta como fez a matéria.
http://blog.estadao.com.br/blog/metropole/
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