quinta-feira, 21 de maio de 2009

Israel faz da Cisjordânia sua lixeira

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Imagem: Erin Cunningham/IPS

Por Mel Frykberg

O Estado judeu o faz “há anos, como uma alternativa mais barata e fácil do que processar esses dejetos perigosos em seu território, em locais adequados ao seu manejo”, disse à IPS o subdiretor da Autoridade Ambiental Palestina, Jamil Mtoor. Shuqbah, uma aldeia de cinco mil habitantes, encontra-se perto da linha verde que separa Palestina de Israel, e não está longe de Ramala, onde fica a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que controla a Cisjordânia.

Empresas israelenses usam as terras de um intermediário palestino nessa aldeia para jogar lixo a apenas US$ 30 a tonelada, muito mais barato do que utilizar lixões israelenses. “Firmas de Israel jogam resíduos sólidos e perigosos ali há anos. A posterior queima de lixo tóxico inclui elementos como as emissões cancerígenas dos filmes de raio X. Isto afeta a população. Muitos sofrem de asma e doenças relacionadas”, disse Mtoor à IPS. Antes, os israelenses enterravam os esqueletos de frangos que haviam sofrido gripe aviaria perto de Naplusa, no norte da Cisjordânia, disse Mtoor.

No sul desse território, em Hebron, a Autoridade Ambiental Palestina também descobriu 500 barris de inseticida. Novamente, foi um intermediário palestino que aceitou esse lixo em sua propriedade em troca de pagamento. A ANP prendeu os envolvidos e levou à justiça vários deles, mas condenar palestinos que cooperam com os contaminantes israelenses é muito difícil. “Os israelenses aproveitam-se de pessoas muito pobres com famílias grandes para manter, com renda limitada e afetadas pelo elevado desemprego”, disse Mtoor.

Israel exerce um controle total sobre mais de 40% da Cisjordânia. O território é dividido em áreas A, B e C. somente a A está sob controle absoluto da ANP. A B fica sob jurisdição israelense e, embora muito limitada, também palestina. A C está totalmente controlada por Israel. “Muitos dos intermediários palestinos estão protegidos pelos israelenses. Se quisermos persegui-los devemos obter de Israel autorização para entrar nas áreas BV e C, e normalmente não a conseguimos e o trâmite demora muito”, disse Mtoor. “Além disso, é difícil controlar os numerosos lixões que Israel usa, porque o lixo é jogado tanto abertamente quando de maneira encoberta, às vezes de noite. Os locais variam, e depois os israelenses os escondem”, acrescentou.

Os moradores dos assentamentos judeus ilegais na Cisjordânia costumam jogar seu lixo e esgoto em rios e outras fontes de água. O Instituto de Pesquisa Aplicada de Jerusalém alertou que “o esgoto dos assentamentos não se restringe aos afluentes domestico, mas incluem pesticidas, asbesto, baterias, cimento e alumínio, que contêm compostos cancerígenos e perigosos”. Israel explora aproximadamente 87% do aquífero da Cisjordânia. Cerca de 2,5 milhões de palestinos sobrevivem com o restante, o que representa uma ameaça para a saúde das duas nações. “Os colonos judeus consomem até 200 litros diários por pessoa, enquanto os palestinos da Cisjordânia sobrevivem com 30 a 60 litros”, disse Mtoor.

A organização ambientalista israelense, palestina e jordaniana Amigos da Terra-Oriente Médio publicou há vários anos uma pesquisa intitulada “Uma bomba de tempo que vaza: a contaminação do aquífero da montanha com lixo sólido”. Segundo o estudo, a eliminação não sustentável de resíduos sólidos teve com consequência o vazamento na água subterrânea de substancias tóxicas como arsênico e metais pesados (cádmio, mercúrio e chumbo). “A ameaça para a água potável continua”, disse à IPS a porta-voz da Amigos da Terra. Miri Epstein.

As empresas israelenses que fabricam produtos potencialmente perigosos se instalam em territórios palestinos para evitar as rígidas leis que controlam as operações em território do Estádio Judeu. A justiça israelense fechou em 1985 as operações da companhia de pesticidas Geshuri, na cidade de Kfar Sava, por pressão dos moradores que a acusaram de prejudicar sua saúde. Mas a firma mudou para Tulkarem, nordeste da Cisjordânia. Para minimizar a situação, o governo alemão construiu uma unidade de eliminação de lixo sólido perto de Ramala, e o Banco Mundial e a Comissão Européia (braço executivo da um) construiu um lixão perto de Jenin, norte da Cisjordânia.

“Contamos com a compreensão da comunidade internacional, mas a situação não se resolverá até haver uma solução política no prolongado conflito palestino-israelense”, disse Mtoor. O Comitê Israelense-Palestino de Especialistas Ambientais, criado pelos Acordos de Oslo (1993), não se reúne desde 1999. Qualquer coordenação em matéria de deposição de lixo sólido é especifica e isolada. Agora, Gaza enfrenta um desastre ambiental após a devastadora ofensiva militar de Israel que causou 1.400 mortes e feriu mais de cinco mil pessoas entre 27 de dezembro e 17 de janeiro.

“A situação ambiental na faixa de Gaza é extremamente séria. Nossa prioridade é investigar os desafios na matéria e estabelecer as prioridades de reabilitação”, disse à IPS Achim Steiner, subsecretário-geral da Organização das Nações Unidas e diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Steiner visitou recentemente Gaza e Cisjordânia, quando avaliou junto com funcionários e pessoal da ONU a situação nos dois territórios palestinos.

Este mês, o Pnud enviará uma equipe de oitos especialistas para Gaza a fim de examinar, entre outras coisas, as sequelas ambientais do uso por parte de Israel de armas ilegais como fósforo branco. A equipe é integrada por especialistas em manejo hídrico e esgoto, controle de asbesto e resíduos perigosos, elevação ambiental costeira marinha e avaliação institucional e econômica. “A situação já era séria antes da guerra, devido à inadequada infra-estrutura de Gaza e à falta de reparos nas unidades de tratamento de esgoto e água”, disse Steiner. E agora é muito pior.

O embargo de Israel bloqueou o fornecimento de material de construção necessário para reparar a devastada infra-estrutura de Gaza e de combustível suficiente para fazer funcionar as unidades de tratamento de água e resíduos. “Os dejetos perigosos e hospitalares não recebem tratamento. Esgoto, também sem tratar, foi bombeado ao mar e atingiram as camadas subterrâneas e o fornecimento de água potável, criando uma ameaça sanitária”, disse Steiner. O exército israelense tem mais de 600 postos de controle e barreiras rodoviárias em toda a Cisjordânia, o que prejudica o tráfego de caminhões-tanque que transportam esgoto das aldeias e dos povoados. Por isso, “os palestinos não têm acesso suficiente aos lixões ou capacidade para tratar o lixo adequadamente”, acrescentou.

* Este artigo é parte de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável (www.complusalliance.org).


Fonte: Revista Fórum

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