sexta-feira, 22 de maio de 2009

Como remar contra a corrente

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E como provar que ética e estética são sinônimos, segundo os antigos gregos e Mariana Ochs.

Por Mino Carta

Ponto e linha. Claro, objetivo. Pingos nos is. Preto no branco. A nova sobriedade. Back to basics. Direto, confiável. Mais qualidade, menos “flash”. Humor sutil e sofisticado.

O texto é de autoria de Mariana Ochs ao estabelecer os fundamentos do projeto gráfico que CartaCapital põe em prática a partir desta edição. Mariana, diretora de arte respeitada até na Madison Avenue, é velha conhecida dos nossos leitores. Cuidou da fisionomia da revista por três vezes e agora realizamos a sua quarta e preciosa intervenção. Mariana é boa intérprete do princípio dos gregos antigos pelo qual ética e estética são sinônimos. Os esclarecimentos acima provam a sintonia com o ideal helênico.

Esta edição é especial e atípica, por ser comemorativa de 15 anos de vida de CartaCapital a começar pela concepção. A qual se deu nestes mesmos dias de 1994, quando quatro jornalistas reuniram-se para inventar seu próprio emprego. Alhures estava difícil. Bob Fernandes, Nelson Letaif, Wagner Carelli e o acima assinado. Quanto ao novo projeto de Mariana, adapta-se à especificidade da edição, mas se mostrará mais claramente, em todos os seus alcances, a partir do próximo número. De linha, digamos assim.

Volto ao quarteto e à enésima aventura. Meu sobrinho Andrea, saudosa figura que se foi cedo demais, comandava a Editora Carta Editorial, fundada pelo pai, Luis Carta, dezoito anos antes. Ausente meu irmão, chamado pela Condé Nast a fundar a Vogue España em Madri, Andrea pilotava a editora e pretendia lançar uma nova publicação, de Economia e Negócios. Procurou-me com o afeto de sempre, respondi: “Sem falsa modéstia, isso eu não sei fazer”.

Luis ligou-me da Espanha, torcia para que eu, desempregado, topasse a parada. Expliquei: “Saberia fazer, creio eu, uma publicação sobre o poder, onde quer que se manifeste, na política, na economia, nos negócios, na cultura, em quaisquer gramados”. A ideia foi aceita. Chamei companheiros de outras jornadas e quinze anos atrás traçamos o plano de uma revista necessariamente mensal por causa dos recursos modestos. Houve hesitações apenas em relação ao seu nome. Alguém sugeriu Carta, eu recusei. Receava que soasse como exigência minha. Andrea queria Capital. Ficou como ficou.

Meados de agosto de 1994, ela foi às bancas. Em março de 1996 tornou-se quinzenal, solidamente amparada no primeiro projeto gráfico de Mariana Ochs. O plano era mais ambicioso quanto à periodicidade. A realização levou, porém, mais de cinco anos. A semanal nasceu na penúltima semana de agosto de 2001, mais uma vez programada graficamente por Mariana. Inicia-se aqui a separação de Carta Editorial e sua substituição pela Editora Confiança. Em seguida à eleição do ex-metalúrgico, em 2002, chovem as calúnias contra uma publicação que ousa remar contra a corrente. Revista chapa-branca, panfleto partidário.

Preto no branco, recomenda Mariana. Temos é uma mídia de pensamento único, leves nuanças não bastam para encobrir a senha geral. CartaCapital empenha-se em exercer o jornalismo em que acredita, baseado na fidelidade canina à verdade factual, na aplicação diuturna do espírito crítico, na fiscalização desabrida do poder. Não se expõe a sardinha à brasa de ninguém com o intuito de favorecer este ou aquele. Respeite-se o império dos fatos, nunca poluídos pela opinião. CartaCapital jamais esconde o fato, não nega, contudo, a sua opinião, e aferra-se a ela.

É quanto basta para inquietar. Às vezes me pego a imaginar o que se daria se fosse brasileira a The Economist, a semanal de maior prestígio no mundo. Ela distribui no Reino Unido pouco mais de 200 mil exemplares, tadinha. Comparem com os números de Veja. Sempre acontece que o planeta se curve diante do Brasil. Pois é, o que não se aquietou nestes quinze anos é a arrogância da minoria, seu exibicionismo provinciano contraposto ao medo pânico de perder os privilégios. Ou, simplesmente, de vê-los ameaçados. Os nossos 15 anos bastaram, no entanto, para convencer The Economist a fechar conosco uma magnífica parceria, que nos habilita a publicar seus textos em perfeita concomitância, como ocorreu com o número de fim de ano, realizado a quatro mãos.

Estética e ética. Opinião exposta sem meios-termos. Ainda exemplos. Na edição nº 30 de agosto de 1996 CartaCapital cavava sua trincheira contra o neoliberalismo em pleno ataque. Estava certa, ficou provado doze anos depois. De Bush, a semanal desde a penúltima semana de agosto traçou o perfil implacável, necessário, porém, no nosso entendimento, logo após a implosão das Torres Gêmeas, setembro de 2001.

Em 2002, antes do pleito presidencial, tomou partido a favor da candidatura Lula, por tê-la como a melhor. Prática comum do jornalismo dos países mais avançados, apontada por aqui, pela mídia da falsa isenção, como deslize moral imperdoável. Incrível, não nos arrependemos. E em 2006, às vésperas do segundo turno da reeleição, denunciamos as mazelas midiáticas urdidas para deter a avançada lulista, graças a uma reportagem de Raimundo Pereira, que certamente contribuiu para despertar algumas consciências.

Nesta edição evocamos nosso tempo de vida. Elegemos personagens e situação representativas do período para trafegar por este trecho de tempo e contá-lo aos nossos leitores. Não pretendemos a abrangência absoluta, a cobertura total. Acreditamos, de todo modo, ter iluminado diversos instantes deste passado recente. Pelo caminho, não descuramos de recorrer ao humor, como Mariana Ochs propõe. A vida, de resto, consagra todos os dias, hora a hora, a simbiose implacável entre a tragédia e a comédia, sem olvidar a farsa.

A ironia é arma afiada contra quem a desconhece. Ainda assim, Raymundo Faoro, mestre de todos nós, cuidava de me precaver: não exagere por esta senda, a maioria pensa que você fala sério. Pois é, às vezes a gente exagera.

Fonte: Carta Capital

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