sexta-feira, 22 de maio de 2009

Eventos naturais ou provas do aquecimento global?

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foto: Agência Brasil
Feldmann: "número de refugiados ambientais está crescendo"

Fábio Feldmann*
De São Paulo

Novamente os noticiários mostram imagens chocantes de chuvas e alagamentos no Brasil. O filme visto em Santa Catarina em fevereiro deste ano, desta vez se passa no Nordeste do país, mais especificamente nos estados da Bahia, Maranhão, Piauí e Ceará, onde as chuvas já fazem 42 vítimas e deixam mais de 200 mil pessoas prejudicadas.

A seca, por sua vez, rotineiramente discutida quando se trata dos problemas do Nordeste, agora é protagonista nos terrenos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, nos quais 196 e 108 municípios, respectivamente, estão em estado de emergência pela falta de chuvas. O pantanal mato-grossense também pode ser um exemplo já que experimenta em 2009 o período mais seco dos últimos 35 anos.

Insisto em escrever sobre este tema - o aquecimento global, pois os fatos ocorridos ultimamente estão se tornando corriqueiros e comprovando as projeções científicas. Embora não possamos responsabilizar o aquecimento global diretamente pelos ocorridos, dada a sempre existente possibilidade de ser um evento natural, ficam cada dia mais evidentes as conseqüências deste fenômeno. O IPCC - Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima, já alertava em seu último relatório de 2007 o provável aumento de enchentes e a modificação dos padrões de precipitação que afetariam inclusive o suprimento de água.

Mais recentemente, no início de 2009, foi publicado no International Journal of Climatology um estudo sobre as futuras mudanças de temperatura e precipitação extremas na América do Sul, desenvolvido pelo Office Hadley Center e pelo INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, do qual participou o brasileiro José Antonio Marengo. O estudo projeta que as precipitações e secas extremas devem continuar a ser intensificadas em relação ao observado na segunda metade do século vinte.

São em cenários como esses que começamos a contar os refugiados ambientais, que segundo o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) são caracterizados como "pessoas que foram obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona onde tradicionalmente vivem, devido ao visível declínio do meio ambiente (por razões naturais ou humanas) perturbando a sua existência e/ou qualidade da mesma de tal maneira que a subsistência de tais pessoas entra em perigo".

Participei, no final do ano passado na Polônia, da COP 14, a Conferência das Partes realizada no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Durante o encontro fiquei chocado com a informação divulgada por Craig Johnstone, representante do Alto Comissariado para Refugiados da ONU (Acnur), de que existem hoje 25 milhões de pessoas que já podem ser consideradas refugiados ambientais, e estima-se que até 2050 hajam de 250 milhões a 1 bilhão destes refugiados no mundo.

Coincidência ou não, os eventos extremos estão ocorrendo e o número de refugiados ambientais está crescendo. As negociações, no entanto, não estão acompanhando o ritmo com que as conseqüências do aquecimento global têm se mostrado. Um novo acordo que substituirá o Protocolo de Kyoto vem sendo discutido desde a COP-13 em Bali e existe a pretensão de que ele seja negociado na próxima Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas no final deste ano em Copenhague.

As diversas evidências da necessidade de mitigação e de adaptação não têm sido o suficiente para fazer com que governos e sociedade tratem o aquecimento global com a devida urgência. No Brasil o assunto ainda é tido como futuro e não presente, sendo que o maior desafio hoje é colocar o tema efetivamente na agenda dos tomadores de decisão.

*Fabio Feldmann é consultor, advogado, administrador de empresas, secretário executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e de Biodiversidade e fundador da Fundação SOS Mata Atlântica. Foi deputado federal, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Dirige um escritório de consultoria, que trabalha com questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável.

Forte: Terra Magazine

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