quarta-feira, 27 de maio de 2009

O apoio a Israel alimenta o terrorismo

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Cheney quebrou o tabu.


por
Ray McGovern*, no Counterpunch


Se se ouvir nos próximos dias que o ex-vice-presidente Dick Cheney demitiu o assessor que escreveu aquele discurso ou, talvez, que deserdou as filhas Lynne e Liz – saibam todos desde já por quê.

Lá, perdida no discurso sórdido que Cheney fez no American Enterprise Institute na 5ª-feira, apareceu a inadvertida verdade sobre o urubu israelense que sobrevoa a moribunda política dos EUA para o Oriente Médio.

Assisti ao discurso, mas não percebera o detalhe. Até que li linha a linha a versão escrita, antes de dar uma entrevista por rádio, na 5ª à noite. É um tropeço dos brabos, embora eu aposte que os suspeitos de sempre da Mídia do Servilismo Corporativo (MSC) não falarão sobre o tropeço, porque chamar a atenção sobre o tropeço de Cheney chama a atenção sobre as relações íntimas entre EUA e Israel.

Quis que meu neto de dez anos aprendesse uma boa palavra para descrever os argumentos do ex-vice-presidente. Então, ensinei-lhe a palavra "mal-intencionado". Hoje estudaremos a palavra "superficial", que parece ser o adjetivo correto para descrever ambos, Cheney e o presidente Barack Obama, quando falam da "ameaça terrorista" – ameaça que sempre encontra via rápida até o cérebro dos norte-americanos e gera medo, assim como aconteceu com a "ameaça comunista", há apenas algumas poucas décadas.

Para polir suas credenciais anti-terroristas, Obama tem repetido que fará o que for preciso para proteger os EUA; e avisou que a al-Qaeda está "ativamente planejando outro ataque contra nós.”

O que continua a faltar na retórica dos dois, Obama e Cheney, é qualquer discussão aproveitável sobre a real capacidade da al-Qaeda para perpetrar, nas palavras de Cheney, "um 11/9 com armas nucleares" ou outra coisa suficientemente assustadora a ponto de convencer os norte-americanos a trocarem suas liberdades por qualquer duvidosa promessa de duvidosa segurança.

Também importante – e também faltante – é exame sério dos motivos que podem estar ativando o que Cheney chamou de "o mesmo bando de assassinos e matadores em massa [que] ainda estão nos EUA.”

Há muitos motivos pelos quais a al-Qaeda e outros movimentos terroristas desejam atacar os EUA, mas essa questão jamais é bem – ou honestamente – analisada; e nunca, com certeza, pela Mídia do Servilismo Corporativo (MSC) ou por homens como Cheney e Obama.

Por que nos odeiam tanto?

O motivo que Cheney referiu praticamente repete o velho mote de Bush Filho, de "os terroristas odeiam nossas liberdades". Cheney disse que os terroristas odeiam "tudo que faz dos EUA uma força a favor do bem do mundo – a favor da liberdade, dos direitos humanos, da resolução racional, pacífica, dos conflitos". É estranho conjunto de qualidades a ser lembradas por Cheney, se se sabe que Cheney sempre se dedicou a violar direitos constitucionais, torturar prisioneiros e distribuir mentiras pela mídia para justificar a invasão do Iraque.

Mas houve mais. E foi bem aí que Cheney escorregou. Não perceberam? Dessa vez, Cheney não soube limitar-se às explicações de praxe para o ódio dos terroristas contra os EUA:

“Jamais lhes faltaram motivos para [os terroristas] odiarem os EUA. Acreditamos na liberdade de expressão e religião, acreditamos na igualdade de direitos entre homens e mulheres, apoiamos Israel. – Por isso nos odeiam."

“Apoiamos Israel". Aí, sim. Nisso, Cheney acertou (no que deixou escapar).

A entrevista que dei na 5ª foi-me solicitada por rádio da Mídia do Servilismo Corporativo (MSC); e decidi que faria um super-esforço para ser "justo e equilibrado". Então, observei que se deve lembrar a favor de Cheney que ele – sabendo, ou sem preceber – realmente falara de um dos motivos determinantes, mas raramente enunciado, pelos quais "eles nos odeiam tanto": é que "apoiamos Israel".

Imediatamente saltaram sobre mim, figurativamente, não só os demais entrevistados que representavam "o outro lado", mas também o moderador – nada isento nem equilibrado. Meus interlocutores tinham ares de quem não aprecia fatos. Mas mesmo assim achei que seria meu dever tentar meter alguns fatos naquela entrevista.

11/9 e Khalid Sheikh Mohammed... e 11/9

No discurso da 5ª-feira, Cheney repetiu cerca de 30 vezes a data "11/9" – por razões que, agora, já são evidentes para todos. Ao se referir especificamente à tortura por afogamento, Cheney disse que torturar daquele modo Khalid Sheikh Mohammed, “o cérebro criminoso por trás do 11/9" (...), foi um modo de vingar a decapitação de Daniel Pearl.” (Aqui, me parece, há bom exemplo de "discurso mal-intencionado". Porque a única coisa que Khalid Sheikh Mohammed NÃO confessou, depois de passar por 183 sessões de tortura por afogamento, foi sua responsabilidade pelo aquecimento global.)

Mas, dado que viera à tona o nome de Khalid Sheikh Mohammed, perguntei aos meus interlocutores se entendiam por que a referência a Khalid Sheikh Mohammed comprovaria que ele fosse "o cérebro por trás do 11/9". Parece que nenhum deles leu o "Relatório da Comissão 11/9" até a página 147. Então, li para eles o que a Comissão 11/9 escreveu à página 147 de seu relatório, informação-chave:

“Segundo depoimento do próprio Khalid Sheikh Mohammed, o que sentia em relação aos EUA nada tinha a ver com as experiências do tempo de estudante, mas, sim, era consequência de ele discordar violentamente da política exterior dos EUA que sempre favoreceu Israel.”

Vocês sabem. Khalid Sheikh Mohammed estudou na universidade A & T na Carolina do Norte, em Greensboro. Pelo que se vê aí, a primeira hipótese que ocorreu aos que escreveram o Relatório do 11/9 foi que ele teria passado a odiar os EUA por causa de experiências do tempo de estudante. Não. Nada disso.

Além disso, há também a nota de rodapé (p. 488 do "Relatório da Comissão 11/9"), que revela que KSM não é o único terrorista cujos atos de terrorismo foram motivado pela política exterior dos EUA de favorecimento a Israel:

“Sobre a motivação de KSM para atacar os EUA, ver Relatório da Inteligência, interrogatório de KSM, 5/9/2003 (as respostas de KSM são muito semelhantes ao depoimento de Yousef que, em janeiro de 1998, fez declarações longas e polêmicas contra a política externa dos EUA).”

"Yousef" é Ramzi Yousef, sobrinho de KSM. O Relatório da Comissão 11/9 já registrara (p.147) que “a notoriedade instantânea que Yousef obteve, como planejador do ataque ao WTC em 1993, inspirou KSM a envolver-se no planejamento de ataques contra os EUA.”

Na sessão de "Recomendações", ao final do Relatório da Comissão do 11/9, lê-se:

“As escolhas políticas dos EUA têm consequências. Certas ou erradas, é fato indiscutível que a política dos EUA em relação ao conflito Israel-Palestina e as ações dos EUA no Iraque são temas dominantes da discussão popular em todo o mundo árabe e no mundo muçulmano. (...) Nem Israel nem o novo Iraque obterão condições de maior segurança, se o terrorismo islâmico se fortalecer” (pp. 376-377).

Parece que, na opinião dos que me entrevistavam e dos demais entrevistados, essas lições do Relatório soaram "impróprias", como informação a ser distribuída por rádio. Todos protestaram. Quando os brados de protestos amainaram, pude oferecer outros fatos. E contei a eles sobre o que disse, sobre o mesmo tema, uma prestigiosa comissão de especialistas nomeados pelo Pentágono, há quatro anos.
Relatório da Comissão de Ciências da Defesa

Estão preparados para novidades que não são novidades, mas das quais praticamente ninguém ouviu falar?

Têm a ver com estudo não-secreto, publicado, não por algum think-tank "liberal", mas por uma comissão de especialistas designados pelo Pentágono, a "Comissão de Ciências da Defesa", que começou a trabalhar dois meses depois de concluído o Relatório da Comissão 11/9. Esse relatório desmente frontalmente o que Cheney e o presidente Bush diziam sobre "por que nos odeiam" e põe o elefante no meio da sala, por assim dizer:

“Os muçulmanos não 'odeiam nossa liberdade'; eles odeiam nossas políticas. A ampla maioria deles expõe abertamente o que vêem como favorecimento a Israel, contra os direitos dos palestinos, e o apoio que já tem muitos anos, e tem aumentado, ao que os muçulmanos coletivamente vêem como governos tirânicos, sobretudo no caso do Egito, Arábia Saudita, Jordânia, Paquistão e os Estados do Golfo. Assim, quando a diplomacia dos EUA fala em levar a democracia a sociedades islâmicas, esse discurso sempre soa como hipocrisia e mentira para autopromoção.”

Vocês jamais ouviram falar desse relatório? Talvez porque ainda não houve tempo para divulgá-lo. O relatório final da Comissão de Ciências da Defesa foi entregue ao secretário Donald Rumsfeld dia 23/9/2004, poucas semanas antes das eleições presidenciais.

"Semanas antes das eleições presidenciais" é exatamente o momento em que candidatos à presidência e todo o establishment nos EUA tornam-se hiper-alérgicos a discussões que permitam ver o quanto o apoio dos EUA às políticas de Israel e contra os palestinos contribui para motivar (e facilita o recrutamento de) terroristas anti-EUA.
Informação escondida, depois soterrada

Curvada ante os que mais mentem, a Mídia do Servilismo Corporativo (MSC) escondeu o resultado do trabalho da Comissão das Ciências da Defesa, até depois das eleições. Dia 24/11/2004, o New York Times, sim, publicou matéria sobre aquele relatório – mas depois de o relatório ter passado por interessantíssima cirurgia.

Thom Shanker do Times citou o parágrafo que começa com "Os muçulmanos não 'odeiam nossa liberdade'" (veja acima). Mas algum editor deliberadamente cortou o restante da frase, sobre as objeções que os muçulmanos realmente têm; i.e., "o que vêem como favorecimento a Israel", "contra os direitos dos palestinos" e contra o apoio que os EUA dá a regimes tirânicos. O Times incluiu a sentença seguinte, que vinha depois do trecho apagado. Em outras palavras, não se tratou apenas de encurtar o parágrafo. Tratou-se de remoção cirúrgica de parte do argumento.

O mesmo tipo de edição cirúrgica foi praticada também pelo Times, no final de outubro de 2004, em vídeo em que fala Osama bin Laden. Quase seis parágrafos chegaram à primeira página. Mas o Times exilou para a página 9, parágrafos 23 a 25, tudo o que bin Laden disse no início de sua fala; seus pressupostos, portanto.

Lá, informação soterrada no final da página 9, lê-se que bin Laden disse que a semente da ideia para o ataque de 11/9 começou a germinar depois "que constatamos a opressão e a tirania da coalizão EUA-Israel contra nosso povo na Palestina e no Líbano."

Examinando o Times e o Washington Post da Mídia do Servilismo Corporativo (MSC) na 6ª-feira cedo, nem me surpreendi ao ver que não publicaram toda a fala de Cheney. Porque, sim, Cheney afinal disse, afinal, que a política dos EUA de apoio a Israel é uma das "verdadeiras fontes do ressentimento" que fabrica terroristas.

* Ray McGovern é oficial da reserva do exército dos EUA e foi analista da CIA por mais de 30 anos.

Trabalha hoje no Steering Group of Veteran Intelligence Professionals for Sanity.

Recebe e-mails em rrmcgovern@aol.com

Fonte: Vi o Mundo

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