quinta-feira, 31 de julho de 2008

Um Oceano de plástico

Está na mesa do Governador de São Paulo a lei para proibição de sacolas plásticas em Supermercados.


Um Oceano de plástico

Durabilidade, estabilidade e resistência a desintegração. As propriedades que fazem do plástico um dos produtos com maiores aplicações e utilidades ao consumidor final, também o tornam um dos maiores vilões ambientais. São produzidos anualmente cerca de 100 milhões de toneladas de plástico e cerca de 10% deste total acabam nos oceanos, sendo que 80% desta fração vem de terra firme.

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Foto do vórtex

No oceano pacífico há uma enorme camada flutuante de plástico, que já é considerada a maior concentração de lixo do mundo, com cerca de 1000 km de extensão, vai da costa da Califórnia, atravessa o Havaí e chega a meio caminho do Japão e atinge uma profundidade de mais ou menos 10 metros Acredita-se que haja neste vórtex de lixo cerca de 100 milhões de toneladas de plásticos de todos os tipos.
Pedaços de redes, garrafas, tampas, bolas , bonecas, patos de borracha, tênis, isqueiros, sacolas plásticas, caiaques, malas e todo exemplar possível de ser feito com plástico. Segundo seus descobridores, a mancha de lixo, ou sopa plástica tem quase duas vezes o tamanho dos Estados Unidos.

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Ocean Plastic

O oceanógrafo Curtis Ebbesmeyer, que pesquisa esta mancha há 15 anos compara este vórtex a uma entidade viva, um grande animal se movimentando livremente pelo pacifico. E quando passa perto do continente, você tem praias cobertas de lixo plástico de ponta a ponta.

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Tartaruga deformada por aro plástico

A bolha plástica atualmente está em duas grandes áreas ligadas por uma parte estreita. Referem-se a elas como bolha oriental e bolha ocidental. Um marinheiro que navegou pela área no final dos anos 90 disse que ficou atordoado com a visão do oceano de lixo plástico a sua frente. 'Como foi possível fazermos isso?' - 'Naveguei por mais de uma semana sobre todo esse lixo'.
Pesquisadores alertam para o fato de que toda peça plástica que foi manufaturada desde que descobrimos este material, e que não foram recicladas, ainda estão em algum lugar. E ainda há o problema das partículas decompostas deste plástico. Segundo dados de Curt Ebbesmeyer, em algumas áreas do oceano pacifico podem se encontrar uma concentração de polímeros de até seis vezes mais do que o fitoplâncton, base da cadeia alimentar marinha.

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Todas a peças plásticas à direita foram tiradas do estômago desta ave

Segundo PNUMA, o programa das nações unidas para o meio ambiente, este plástico é responsável pela morte de mais de um milhão de aves marinha todos os anos. Sem contar toda a outra fauna que vive nesta área, como tartarugas marinhas, tubarões, e centenas de espécies de peixes.

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Ave morta com o estômago cheio de pedaços de plástico

E para piorar essa sopa plástica pode funcionar como uma esponja, que concentraria todo tipo de poluentes persistentes, ou seja, qualquer animal que se alimentar nestas regiões estará ingerindo altos índices de venenos, que podem ser introduzidos, através da pesca, na cadeia alimentar humana, fechando-se o ciclo, na mais pura verdade de que o que fazemos à terra retorna à nós, seres humanos.

Fontes: The Independent, Greenpeace e Mindfully

Ver essas coisas sempre servem para que nós repensemos nossos valores e pricipalmente nosso papel frente ao meio ambiente, ou o ambiente em que vivemos.


Antes de reciclar,

é possível reduzir o consumo!

Seja criativo

e elimine a utilização do plástico.


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Os Estados Unidos, eleições presidenciais e alternativas políticas.

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por Fábio Nogueira e Iacy Maia Mata


No dia 4 de novembro de 2008 haverá a eleição, no colégio eleitoral, do próximo presidente norte-americano. Para a maior parte da população do globo, há dois candidatos: John McCain, do Partido Republicano, e Barack Obama, do Partido Democrata. No entanto, nestas eleições concorrem ainda os partidos menores, chamados terceiros, como o Partido Verde, com a candidata Cynthia McKinney, e o Partido Socialista dos Estados Unidos, representado por Brian Moore, além de Ralph Nader e Alan Keyes, candidatos independentes e ligados a grupos conservadores. O debate eleitoral estadunidense gira em torno de temas como economia norte-americana, imigração, política externa, com destaque para a guerra contra o Iraque e o Afeganistão, a relação com o Irã e a relação com a América Latina (em especial, Cuba e Venezuela).

McCain e Obama

O Senador John McCain, militar e empresário, candidato republicano à Casa Branca, representa os oito anos da administração criminosa do governo Bush, a guerra ao Iraque e ao Afeganistão, a articulação para o golpe contra a democracia venezuelana, com o seqüestro de Hugo Chávez em 2002, a inércia e responsabilidade dos mortos pelos efeitos do furacão Katrina, o programa antidrogas na América Latina que criminaliza os camponeses indígenas bolivianos, a aliança com Uribe e os paramilitares na Colômbia, a perseguição aos imigrantes e a política de repressão na fronteira com o México e o seu segregador Muro da Vergonha (e, além disso, os escândalos financeiros de empresas ligadas a Bush). McCain é a continuidade desse projeto e da doutrina do "‘destino manifesto’: defende que os Estados Unidos devem assumir seu papel de polícia do mundo e encetar, inclusive, guerras preventivas". (Fonte: Globo.com, 11/06/2008, "McCain é muito mais intervencionista que Bush, diz biógrafo").

Os democratas, navegando na impopularidade e nas críticas ao governo e ao belicismo da era Bush e do seu continuador, McCain, se apresentam com um discurso mais progressista. Em certa medida, a ampla mobilização em torno das pré-candidaturas de Hilary Clinton e Barack Obama são uma tentativa, por parte dos militantes do partido, de reverter os efeitos da derrota eleitoral para Bush dos candidatos democratas Kerry e Al Gore nas duas últimas eleições.

Mais do que as candidaturas anteriores, o sentimento da base democrata é da necessidade de ter uma candidatura com suficiente legitimidade para ser, de fato, um anti-Bush (qualidades que faltaram às candidaturas de Kerry e Al Gore). Neste sentido, quem saiu na frente foi o Senador Barack Obama, que colocou no centro de sua estratégia eleitoral a palavra change (mudança). Ao lado disso, outro elemento não pode ser ignorado: Obama é negro, um recado aos racistas estadunidenses, e se diplomou em Harvard (em um país como o Brasil, a presença de negros nas instituições de ensino superior e excelência depende, sobretudo, de políticas de ação afirmativa).

Esta simbologia de Obama o colocou em condições de ser o anti-Bush e um elemento de mobilização em torno de um discurso que tem como eixo a mudança. Em outros termos, é uma forma de reatualizar a hegemonia burguesa nos Estados Unidos, colocando como uma das alternativas de poder para o país um candidato negro, carismático e com um discurso mudancista. Desta maneira, caem por terra certas análises que desconsideram a relação entre os conteúdos simbólicos e materiais dos discursos políticos: toda a hegemonia é uma articulação de sentido, um movimento complexo e, no caso dos Estados Unidos, ela está sendo recriada a partir da simbologia da luta pelos direitos civis, empreendida por negros e indígenas há mais de um século.

Por outro lado, para os adeptos da concepção do líder jamaicano Marcus Garvey (1887-1940), de "a raça primeiro", e que pensam a questão racial deslocada das relações sociais e econômicas, ter um presidente negro como Obama significa um grande avanço.

No entanto, é importante perguntarmos: Quem apóia Obama? Qual o seu programa? Como o candidato democrata combaterá as desigualdades sociais e raciais? Os democratas, mesmo no governo Bush, têm maioria nas duas casas do Parlamento. No entanto, na Agenda das 100 Primeiras Horas de 2007, da maioria congressual democrata não houve qualquer menção ao Katrina e à população negra atingida, como vem denunciando Cynthia McKinney, candidata do Partido Verde.

Em relação à América Latina, Obama considera que os Estados Unidos têm sido uma força em favor das liberdades nas Américas (liberdade política, liberdade religiosa, liberdade da carência e liberdade do medo) e defende que o país tenha uma diplomacia agressiva. Afirma que vai permitir o envio de celulares e de dinheiro pelos cubanos-americanos a Cuba, mas não vai tolerar a falta de liberdade política na ilha. Vai manter o embargo a Cuba. Reedita o discurso do "destino manifesto", que considera os Estados Unidos como "defensores incansáveis da democracia" e endereça críticas a Hugo Chávez e a seu "governo autoritário" (a quem considera demagogo e partidário das "falsas ideologias testadas e fracassadas do passado"). Envia um recado à Bolívia e à Venezuela: vai levar adiante o programa antidrogas andino e apoiar a Colômbia no direito de atacar terroristas que buscam abrigos seguros além de suas fronteiras (aspiração de Uribe, contra as Farc e Chávez).

Quando o assunto é imigração, defende uma reforma abrangente, segurança da fronteira e leis mais duras contra os empregadores, que significaria "tirar da sombra 12 milhões de imigrantes não autorizados". Em relação ao Iraque, sinaliza com um cronograma para retirada de tropas do Iraque em 16 meses. Em suma, Obama promete um governo de "mudanças" em relação ao de Bush, sem alterar o núcleo da economia americana, adotando um discurso alternativo ao de Bush, na esteira de seu carisma e na condição de primeiro candidato negro à presidência dos Estados Unidos.

Cynthia McKinney e o projeto de retomada da Reconstrução nos Estados Unidos

No bloco das candidaturas alternativas a Obama e McCain, o Partido Verde lançou Cynthia McKinney, candidata afro-americana, do estado da Geórgia. Cynthia foi membro da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos da América (1993-2003 e 2005-2007) e deixou o Partido Democrata em setembro de 2007. Do ponto de vista da luta anti-racista e de construção de um projeto de transformação social, ela é o grande diferencial nesta eleição. Centra o discurso na luta contra as desigualdades de raça e classe e aponta como inspiração para um projeto de transformação a América Latina, com a Revolução Cubana e com as conquistas da população pobre latino-americana, com as eleições de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa. Para ela, estas últimas experiências têm demonstrado que é possível votar no sonho, na esperança e que através do voto mudanças reais podem ser conquistadas.

Em entrevista a Amy Goodman, em 4 de fevereiro de 2008, Cynthia afirma que deixou o Partido Democrata porque eles estavam se tornando iguais aos republicanos. Em 1991, Cynthia criticou a Guerra do Golfo. Crítica do governo Bush, um dos seus últimos atos no Congresso foi reivindicar seu impeachment e do vice Dick Cheney (que é democrata). Cynthia fala para uma grande parte da comunidade afro-americana que decidiu se retirar do processo eleitoral, entre outras razões, pelo descaso em relação ao Katrina. O que ela quer é trazer essas pessoas de volta ao processo eleitoral a partir dos valores partilhados do fim das desigualdades baseadas em raça e classe.

Pode tirar votos de Obama na Geórgia, sobretudo, na comunidade negra. Foi membro da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos da América pelo Partido Democrata e foi contra a guerra ao Iraque, quando a guerra tinha apelo popular e era defendida tanto por democratas quanto por republicanos. Saiu do Partido Democrata por considerar que estavam se tornando "republicratas", já que pouco ou quase nada os diferenciava. Hoje, como afirma o ativista negro e ex-Pantera Negra, Mumia Abu-Jamal, Cynthia é persona non grata entre democratas e republicanos.

Cynthia critica as desigualdades sociais e raciais nos Estados Unidos expressas na mortalidade infantil, na habitação, na diferença de renda, no desemprego, no acesso à saúde e no tratamento dispensado pela justiça. Denuncia que lá, como no Brasil, jovens negros são assassinados por policiais e que, apesar dos negros representarem 12% da população norte-americana, são 50% dos que não possuem casa. Denuncia ainda que quase metade dos homens negros entre 16 e 64 anos estão desempregados em Nova Iorque.

A candidata do Partido Verde faz parte do Movimento pela Reconstrução, movimento da comunidade negra atingida pelo furacão Katrina que luta pelo direito ao retorno e pela participação no processo de reconstrução da região.

O sonho da reconstrução

Cynthia acolheu como plataforma de campanha o Manifesto do Movimento pela Reconstrução. A Reconstrução negra, além de uma referência ao movimento dos atingidos pelo Katrina, pode ser também uma alusão ao momento pós-guerra civil americana que aboliu a escravidão, quando foram criados universidades e institutos técnicos para negros; 14 negros foram eleitos como representantes federais e dois para o Senado; aos africano-americanos foram assegurados direitos políticos e civis integrais e parcela do poder político nos estados dos sul, através de cargos eletivos, no judiciário, na polícia; quando foi construída uma legislação trabalhista que buscava impedir a demissão arbitrária e garantia o pagamento pelo tempo trabalhado.

A Reconstrução teve fim na década de 1870. Neste período, os partidos democrata e republicano fizeram um grande acordo "por cima" que culminou no retrocesso dos avanços e garantias conquistados no período da Reconstrução radical. De forma muito apropriada, Cynthia McKinney, candidata do Partido Verde (Green Party) e participante do movimento pela criação do Partido da Reconstrução, se insere na disputa eleitoral acionando o legado de luta dos negros norte-americanos contra as desigualdades sociais e raciais.

Estão entre os pontos do programa de Cynthia, emprestados do Manifesto pela Reconstrução: o direito à habitação como direito humano fundamental; reparação para os afro-americanos; indenização a Abu-Jamal e a todos os ativistas políticos presos ilegalmente no país e a seus familiares; criação de um fundo público para a educação superior; que os EUA criem leis para garantir um padrão de força de trabalho no país e aumentá-lo fora de lá; uma política de impostos que onere mais os ricos e as grandes corporações; reforma da imigração e legalização dos trabalhadores imigrantes; América Latina: rever a política antidrogas norte-americana que criminaliza jovens negros e latinos e que legitima a intervenção dos EUA contra protestos sociais em países como México, Colômbia e Peru; revogação do NAFTA (North American Free Trade Agreement – Tratado de Livre Comércio da América do Norte); retirada pacífica das tropas dos Estados Unidos de mais de cem países e fim imediato à guerra do Afeganistão e do Iraque.

Talvez por isso, Abu-Jamal afirme que Cynthia é que representa a verdadeira mudança para o povo negro e latino pobre nos Estados Unidos, porque é a única candidata que propõe mudanças reais. Em 28/01/2008, ele declarou que os candidatos Obama e McCain são apoiados pelo status quo das grandes corporações

Em termos gerais, como já afirmamos, na disputa eleitoral norte-americana, democratas que rivalizam e se revezam com os republicanos na estrutura de poder político nos Estados Unidos conferem estabilidade à hegemonia burguesa naquele país. Neste sentido, a candidatura de Cynthia é a que mais tem condições de articular a luta contra o racismo e a dominação de classe, recolocar na pauta política as vítimas do Katrina e propor um programa de mudanças democrático e popular a todos os norte-americanos.

O socialista Brian Moore

O Partido Socialista dos Estados Unidos lançou Brian Moore à presidência e o africano-americano Stewart Alexander a vice-presidente. No programa do partido, estão o fim da guerra ao Iraque e a retirada das tropas; nacionalização da indústria do petróleo, farmacêutica, ferrovias e das indústrias de automóveis; um programa de guerra à pobreza e enfermidades mundiais, em especial dos países do terceiro e quarto mundos; apoio ao protocolo de Kyoto; extinção da CIA e dissolução da OTAN; direitos iguais a todos os imigrantes e reconhecimento de que sua presença é resultado das políticas econômicas norte-americanas que geram fome, pobreza e más condições de trabalho (http://www.votebrianmoore.com/).

Brian Moore parece não direcionar suas críticas a Cynthia, e sim ao candidato independente Ralph Nader, a Obama e McCain. Evidentemente, existem diferenças entre Moore e Cynthia: para alguns, a candidata verde representaria uma candidatura "liberal" (no sentido norte-americano do termo), mas o seu programa está muito mais próximo de uma plataforma política democrática e popular.


Alternativa de verdade

A candidatura do africano-americano Barack Obama à presidência dos Estados Unidos, com chances reais de se eleger e em cima de um discurso mudancista, parece, para setores dos movimentos de direitos civis e negro, um feito histórico que sinalizará uma transformação completa das desigualdades raciais construídas pelo racismo praticado em países como os Estados Unidos e o Brasil.

Recentemente, uma Plenária do Movimento Negro Mineiro declarou apoio à candidatura de Obama. Outros anti-racistas já declararam apoio, como o ator Milton Gonçalves. No entanto, a candidatura de Cynthia McKinney é a que de fato simboliza um compromisso de transformação e mudanças radicais na sociedade americana e na política imperialista do governo estadunidense. A pouca divulgação e repercussão das idéias e propostas da candidata do Movimento Pela Reconstrução cumpre o papel de reforçar a falsa polarização entre democratas e republicanos (que, aliás, encontra analogia no Brasil entre PT e PSDB).

As diferenças entre Obama e McKinney representam visões opostas sobre a sociedade capitalista, o imperialismo, as utopias caminhantes latino-americanas e a questão racial. Não obstante ser afro-americano, Obama faz questão de não assumir nenhum compromisso público com os negros e negras dos Estados Unidos. Promete mudanças, mas não diz como irá implementá-las e assume compromissos com as corporações que constituem o "núcleo duro" da economia norte-americana. Ao contrário, Cynthia McKinney representa mudança de verdade e uma alternativa de esquerda à falsa polarização "democratas versus republicanos" (que, ao final, confluem na "concertação" republicrata).


Fabio Nogueira é mestrando em Sociologia e Direito na UFF (Universidade Federal Fluminense), membro da Comissão Nacional do Círculo Palmarino e do Diretório Nacional do PSOL.

Iacy Maia Mata é mestre em história pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), doutoranda em história (UNICAMP), da Coordenação Estadual do Círculo Palmarino e do PSOL/BA.

Fonte: Correio da Cidadania

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A transição em Angola

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As eleições legislativas em Angola, em setembro próximo, representam um acontecimento importante para Angola, para a África, e para todos os democratas do mundo. Depois dos recentes e trágicos acontecimentos no Zimbabue e no Quênia, a África precisa de experiências democráticas bem sucedidas.


Dezesseis anos depois do último ato eleitoral, realizam-se no próximo dia 5 de Setembro eleições legislativas em Angola. Tudo leva a crer que serão eleições livres e que se, no pior dos casos, houver fraude eleitoral, ela não será significativa. É um acontecimento importante para Angola, para África, e para todos os democratas do mundo. Depois dos recentes e trágicos acontecimentos no Zimbabue e no Quênia (durante alguns anos considerado um país de exemplar transição democrática), a África precisa de experiências democráticas bem sucedidas. A importância especial de Angola neste contexto decorre do fator petróleo.

Como demonstram os casos acima mencionados, o petróleo não é o único fator de instabilidade política mas é um fato que historicamente a relação entre petróleo e democracia tem sido de antagonismo. É assim no Oriente Médio e foi assim na América Latina até à última década. Na África, um simples relance pelos maiores produtores de petróleo é revelador a este respeito. São eles, em função das reservas comprovadas de petróleo (medidas em mil milhões de barris): Líbia (41,5), Nigéria (36,2), Argélia (12,3), Angola (9), Sudão (6,4).

Objetivamente, o fato de mediarem dezesseis anos entre dois atos eleitorais significa que Angola é um país em transição democrática. Em situações destas, duas perguntas se levantam. Trata-se de uma transição irreversível? Qual a sua natureza sócio-política? Para a primeira questão são identificáveis duas respostas. Segundo a resposta pessimista, tudo está em aberto. Usando uma metáfora aeronáutica, a transição será um avião a subir mas ainda longe de atingir a velocidade de cruzeiro. Pode atingi-la ou pode cair entretanto. Ao contrário, a resposta otimista entende que depois dos traumas da guerra - Angola esteve em guerra mais de quarenta anos (de 1961 a 2002) – e da experiência política desde 2002, a transição não pode senão ser irreversível.

Há razões objetivas para considerar esta última resposta mais plausível. É certo que militam contra ela alguns fatores de peso: um setor fundamentalista do MPLA para quem as eleições visam apenas legitimar o poder que não podem pôr em causa; o excessivo peso do setor militar (com generais muito ricos, envolvidos em todo o tipo de negócios, do petróleo aos bancos e ao armamento); uma questão tabu em Angola – a questão étnica – a qual por não ser assumida politicamente pode germinar descontroladamente. Apesar disto, as razões a favor da irreversibilidade da transição são bastante fortes.

Primeiro, o MPLA está internamente dividido e se, por um lado, há os fundamentalistas, por outro lado, há aqueles que chegam a desejar que o partido não ganhe com maioria absoluta para aprofundar e alargar ainda mais a partilha de poder já existente. O próximo congresso do MPLA, marcado para Dezembro, será certamente revelador das tensões e tendências. Segundo, mesmo a classe empresarial, que em grande medida se criou à sombra do Estado e segundo processos que envolvem todo o tipo de favorecimento ilícito e de corrupção, deseja hoje mais autonomia e estabilidade, uma e outra só obtíveis em democracia. Terceiro, emerge uma pequeníssima mas influente classe média aspiracional que pretende ver reconhecido o seu mérito por razões que não as da lealdade política. Há hoje 100.000 estudantes universitários nas 12 universidades angolanas (a qualidade destas é outra questão).

Finalmente, no interior das classes populares cresce um associativismo de base, relativamente autônomo em relação ao MPLA e que o MPLA só poderá cooptar se der credibilidade ao jogo democrático e à partilha do poder.

A segunda questão, a da natureza da transição, é bem mais complicada. No plano político, tudo leva a crer que durante algum tempo a democracia angolana será uma democracia vigiada ou musculada, sujeita à venalidade dos políticos que o petróleo incentiva, à definição consular da agenda política, à tentativa de absorver as energias da sociedade civil e de as pôr ao serviço do Estado e do partido no poder. Será, em suma, uma democracia de baixa intensidade. No plano institucional, o presidencialismo auto-centrado e o peso-inércia do controle político do setor administrativo contribuirão para atrasar a consolidação das instituições políticas e administrativas. As necessidades da partilha do poder (ora mais real, ora mais aparente) e a tentação de distribuição populista de recursos não serão favoráveis à emergência de políticas públicas e sociais com credibilidade.

No plano social, é preocupante o aumento da exclusão social e a cada vez mais chocante convivência do luxo mais extravagante ao lado da pobreza mais abjecta. Apesar do vertiginoso crescimento económico dos últimos anos, Angola continua entre os 10 países com mais baixo desenvolvimento humano. Calcula-se que as reservas do petróleo terminarão dentro de 20 anos. Angola não tem muito tempo para se tornar uma sociedade mais justa e mais livre.


Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Fonte: Agência Carta Maior

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Doha, um fracasso que salvou empregos

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Sobrevalorização cambial e juros estratosféricos terminam por levar a alienação de ativos a investidores estrangeiros. Mas para o diretor da Fiesp isso significa fazer o "dever de casa". Como essa lição, para ser bem feita, solicita uma crescente desestruturação do mercado de trabalho, resta aos especialistas calcularem quantos empregos foram salvos com o fracasso das negociações em Genebra.

Se alguém ainda tinha um mínimo de dúvida de que o caminho traçado pela burguesia brasileira para consolidar, entre nós, uma nova forma de dominação de classe passa pela desconstrução permanente de direitos trabalhistas, Mário Marconini, diretor de negociações internacionais da Fiesp tratou de dissipar qualquer incerteza.

Quando lamenta o fracasso de um acordo que, entre outras coisas, traria um corte médio de 54% nas tarifas de importação do setor industrial, além de acordos setoriais, que levariam a perda de mercado para corporações de países centrais, Marconini demonstra que o ajuste imposto nos anos 1990, com a abertura comercial indiscriminada, foi assimilado por um setor que traz a vocação para a dependência no DNA.

Ao declarar à Folha de S. Paulo (30/7) que "as concessões poderiam significar ganho de produtividade nos próximos anos, à medida que tornaria a realização de reformas estruturais mais prementes", o dirigente empresarial deixou claro que tipo de projeto encampa como forma de desenvolvimento para o país.

O governo Collor e os oitos anos do consórcio tucano-pefelista já nos ensinaram como a burguesia nativa interpreta o conceito de "produtividade": terceirização de atividades, fusões, fechamento de plantas, transferência de controle acionário e redução de custos. Sobrevalorização cambial e juros estratosféricos terminam por levar a alienação de ativos a investidores estrangeiros. Mas para o diretor da Fiesp isso significa fazer o "dever de casa"

Como essa lição, para ser bem feita, solicita uma crescente desestruturação do mercado de trabalho, resta aos especialistas calcularem quantos empregos foram salvos com o fracasso das negociações em Genebra.

Por trás dessa “visão modernizadora", no entanto, persiste o interesse patrimonial típico da elite brasileira, com a visão do aparelho estatal como extensão do patrimônio particular.Falta, contudo, o bloco de poder que até 2002 tratava a administração pública como se fosse a gerência de uma empresa privada ou de uma grande fazenda.

É no compasso de espera do retorno do tucanato ao poder que a direita urde sua trama. Agindo dentro da própria institucionalidade, sem quebra de regras, sem movimentos abruptos. Já não há dúvidas que é mais eficaz, sai menos custoso, além de dar menos visibilidade a seus interesses.

“Marconini, talvez sem o querer, mostrou o que mobiliza os nossos “indignados” e moralistas” completamente inocentes", em sua grita diária por mais ética e menos gastos públicos. O horizonte é 2010

Por enquanto, resta o consolo de que vários postos de trabalho não foram esterilizados.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.

Fonte: Agência Carta Maior.

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ESTADOS UNIDOS: A esperança de uma mudança de modelo

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Somente por meio do reconhecimento e da punição por todos os erros cometidos neste período crítico de sua história os Estados Unidos recuperarão o prestígio perdido em todo o mundo. As eleições presidenciais à vista constituem uma fundada esperança de mudança de modelo na ordem internacional. A análise é do ex-presidente de Portugal, Mário Soares.

LISBOA – Os passados governos norte-americanos foram firmes defensores dos direitos humanos, pelo menos desde que a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou, em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, talvez o documento jurídico internacional mais importante do século XX. É verdade que durante a Guerra Fria os Estados Unidos fizeram dos direitos humanos uma arma decidida contra a União Soviética e as chamadas democracias populares. E conseguiram afetar notavelmente a imagem do bloco pró-soviético com os exemplos, repetidos até à saciedade, dos dissidentes, privados de seus direitos.

Entretanto, a política norte-americana tinha “dois pesos e duas medidas”, já que condenava os atentados aos direitos humanos quando lhe convinha e os ignorava quando eram cometidos por governos amigos ou aliados. Toda a América Latina conserva amargas recordações dessa regra de comportamento, bem como numerosos países do Oriente Médio, da África e Ásia.

O campo de concentração de Guantánamo, de exclusiva responsabilidade da administração de George W. Bush, é o caso mais nefasto e escandaloso de atentado consciente e em grande escala contra os direitos humanos, porque foi conseguinte à invasão unilateral do Iraque, justificada com falsos pretextos e que apenas serviu para arruinar o prestigio e a credibilidade de Washington, além de abrir o caminho para a crise múltipla que estamos globalmente imersos.

E não se trata de um caso isolado. As torturas praticadas em diferentes prisões sob controle militar norte-americano (penso sobretudo em Abu Ghraib) com tons de perversidade e sadismo – provocando revoltas e transtornos psíquicos nas tropas que participaram – hoje são conhecidas no mundo inteiro. Ainda é pouco o que se sabe sobre o que ocorreu – e que parece continua ocorrendo – em Guantânamo. Em particular se desconhece o tipo de informação que receberam as autoridades dos aeroportos – e seus respectivos governos – por onde passaram os prisioneiros e as cumplicidades que existiram.

Já foram libertados alguns prisioneiros por terem provado sua inocência. As declarações feitas são reveladoras sobre as condições de sua prolongada detenção e as torturas que sofreram. Mas falta saber muito mais e espero que com o próximo presidente dos Estados Unidos a verdade venha à tona, pouco a pouco. Por seu lado, o Tribunal Penal Internacional ganharia em prestígio se decidisse investigar o ocorrido e julgar os responsáveis.

É certo que os Estados Unidos foram atacados por atentados terroristas de uma magnitude até então desconhecida, no dia 11 de setembro de 2001. Diante desta agressão imperdoável todo o mundo foi solidário com Washington e condenou o terrorismo. Mas o governo Bush em lugar de reagir com inteligência quis exibir sua força militar ímpar, que descarregou contra um inimigo mal escolhido. A invasão do Iraque destruiu os precários equilíbrios do Oriente Médio e, no plano interno, provocou uma perseguição histérica antiterrorista que levantou barreiras discriminatórias para sua população islâmica, e tudo isso, em lugar de aniquilar o terrorismo, o fomentou. Como bem diziam os antigos romanos, “o sangue de cristãos foi a semente de novos cristãos”.

O fanatismo religioso desenvolvido nos Estados Unidos – simetricamente oposto ao fanatismo islâmico – é outro fator de preocupação em relação à herança de Bush. Não estamos livres do perigo de um ressurgimento de guerras religiosas, que são as piores guerras possíveis. Mas, a democracia norte-americana parece funcionar – apesar de todos os ataques que sofreu – o que representa, com as eleições presidenciais à vista, uma fundada esperança de mudança de modelo na ordem internacional.

Organizações dedicadas à defesa dos direitos humanos como a Anistia Internacional e associações jurídicas internacionais e nacionais investigam diversos tipos de tortura e procedimentos ilegais graves cometidos por militares norte-americanos contra suspeitos de terrorismo presos em Guantânamo. Foram criadas comissões de juristas para julgar tais violações, sobre as quais se divulgou ampla informação, como, por exemplo, a prática da tortura chamada de submarino (water-boarding). O Parlamento Europeu se ocupou destes graves assuntos, considerados politicamente espinhosos e chamou a atenção para a necessidade de se conhecer toda a verdade, doa a quem doer. Nesse sentido, foram feitas investigações e pedidas explicações que, até o momento, não foram cabalmente respondidas.

Recentemente, a Suprema Corte de Justiças dos Estados Unidos se pronunciou a favor da competência dos tribunais norte-americanos em decidir sobre estas matérias. É um passo importante na direção de reimplantar a legalidade nestes planos. Porque somente por meio do reconhecimento e da punição por todos os erros cometidos neste período crítico de sua história os Estados Unidos recuperarão o prestígio perdido em todo o mundo. (IPS)

* Mário Soares, ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal.

Fonte: Agência Carta Maior.

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Amigos chineses e indianos

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Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.

Progressivamente, a política externa brasileira vai se limitando a isto: uma busca obsessiva de mercados para o álcool de cana

Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br

A Rodada Doha para liberalização do comércio mundial deu o último suspiro em meio a uma generalizada indiferença planetária. Para tanto tempo e energia consumidos, o lamento pelo triste desfecho pareceu mínimo. Talvez tenha sido melhor assim. Pelo menos para o Brasil. Nas circunstâncias da economia brasileira, o efeito prático de uma maior abertura aos mercados seria no mínimo duvidoso. Especialmente quando o acordo possível em Genebra apontava para uma menor proteção de nossa indústria.

Aliás, a diplomacia brasileira colheu na Suíça um de seus maiores fracassos. Ainda estão por ser completamente conhecidos os bastidores das horas em que o Brasil decidiu mudar repentinamente de posição e aderir ao bloco dos ricos, deixando para trás os pobres e os emergentes. Pareceu, a quem vê de fora, um típico caso de “fuga para frente”, a clássica situação em que o voluntarismo e a esperteza pretendem substituir a análise concreta da situação concreta, a avaliação fria da correlação de forças.

Esta é a hipótese mais benigna: que o Brasil tenha superestimado seu próprio peso e, portanto, a sua capacidade de catalisar uma onda favorável ao compromisso proposto pela cúpula da Organização Mundial do Comércio. Estaríamos então apenas diante de uma bela trapalhada. Difícil crer, dado o profissionalismo com que o Itamaraty costuma conduzir tais coisas.

A outra possibilidade é que o Brasil esteja a caminho de reformular as diretrizes de sua política comercial com o exterior. Para guinar rumo a um Mercosul de laços mais débeis e “dar um tempo” na relação preferencial com os emergentes. Fica, porém, uma dúvida nesse segundo cenário: para que exatamente? Que vantagens Maria leva se adotar uma aliança prioritária com os Estados Unidos e a Europa?

Não se sabe ao certo. Daí que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva venha apresentando a diversificação do portfólio externo de clientes e fornecedores como o ganho maior das ações brasileiras em política externa desde 2003, incluídas aí as muitas viagens presidenciais. De novo, a biruta brasileira em Genebra não se explica à luz das linhas estratégicas de nossa diplomacia.

Quem sabe o escorregão não tenha nascido do afã de abrir espaço, na agenda global, para o álcool combustível brasileiro proveniente da cana de açúcar? É possível que o mau passo em direção à Europa e aos Estados Unidos tenha sido motivado pela esperança de conseguir um pouco mais de oxigênio nesses dois mercados para o nosso etanol. Dada a centralidade do tema na agenda, nas ações e nos discursos presidenciais, não deixa de ser uma bela hipótese.

Depois de um início promissor, a evolução das perspectivas para o álcool brasileiro nos Estados Unidos é decepcionante. Os políticos americanos não querem comprar briga com os agricultores americanos. Mais importante: não é razoável imaginar que os Estados Unidos irão trocar uma dependência por outra. A estratégia de Washington para o álcool é tornar-se um grande produtor de etanol, não é dar ao Brasil o poder de fazer parar os carros americanos por falta de combustível. No caso da Europa a questão é outra: apesar do gigantesco lobby para vender o caráter supostamente ecológico do álcool brasileiro, o Velho Continente resiste a se dobrar.

Estimulado pelo governo, o empresariado nativo colocou os exércitos no campo de batalha para fazer do Brasil a futura superpotência mundial do etanol. Agora que as tropas estão dispostas para a guerra, é preciso guerrear. E, progressivamente, a política externa brasileira vai se convertendo a isto: uma busca obsessiva de mercados para o álcool de cana.

Enquanto isso, em Genebra, Índia e China cuidavam de brecar um acordo global que ameaçaria os pequenos agricultores e a indústria emergente de países que não se conformam com a permanência na segunda divisão da economia mundial. O Brasil é mesmo uma nação de sorte: se não sabemos zelar pelos nossos interesses, temos quem o faça por nós. Obrigado aos indianos e aos chineses.

Fonte: Blog do Alon Feuerwerker

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O pólo está derretendo

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Por Luciano Martins Costa

A Folha de S.Paulo também noticiou, mas apenas O Globo deu destaque à informação de que um enorme bloco de gelo, com cerca de 20 quilômetros quadrados, se desprendeu da ilha de Elllesmere, no Canadá. O fato foi considerado muito grave por cientistas, porque é mais uma evidência de que as mudanças climáticas estão provocando um aquecimento anormal no círculo polar Ártico.

Os jornais citam o cientista canadense Dereck Mueller, um dos especialistas convidados pelas Forças Armadas do Canadá para vistoriar o fenômeno. Mueller não é membro do grupo que produziu o relatório sobre o aquecimento global, em 2007. Pelo contrário – ele é um crítico da teoria sobre mudanças climáticas, o que aumenta o peso de suas observações.

O grupo de cientistas comprovou que o derretimento está se acelerando, observando que as grandes perdas de gelo vão trazer conseqüências globais. Os jornais explicam que o gelo no Ártico funciona como uma espécie de "guarda-sol" branco, refletindo a energia do sol diretamente para o espaço e ajudando a refrescar a Terra. Com a perda da cobertura, a radiação é absorvida pela água do mar e pela terra nua, o que esquenta o clima de todo o planeta.

Cenas para a TV

Esse é um dos temas mais inquietantes do noticiário internacional. No entanto, a imprensa continua incapaz de fazer uma cobertura adequada, que poderia induzir as pessoas a mudar certos hábitos e contribuir para amenizar o risco das mudanças climáticas.

Apesar de a maioria dos jornais continuar publicando artigos que tentam desmoralizar os estudos alarmantes sobre o aquecimento global, as evidências comprovam a cada dia que o relatório divulgado em 2007 pela ONU está correto.

Os estudos indicam que boa parte do desequilíbrio climático se deve à atividade humana. Embora cada indivíduo se sinta muito pequeno diante da grandiosidade da ameaça, é nas atitudes de cada um que pode estar a solução para amenizar o risco. Mas sem o engajamento da imprensa no convencimento da sociedade, nada vai mudar nos hábitos de consumo e nas políticas públicas.

Enquanto isso, o derretimento do gelo polar e as queimadas na Amazônia produzem cenas espetaculares para a televisão

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Indiana Minc

Enquanto aumenta a febre do planeta, na Amazônia brasileira, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, leva jornalistas para testemunhar como se faz com os depredadores do meio ambiente.

O ministro foi protagonista de uma cena de cinema, quando invadiu uma fazenda no Estado do Pará para multar o proprietário em dez milhões de reais por desmatamento ilegal e pela criação de 4 mil cabeças de gado na área da Floresta Nacional de Jamanxim.

A ação espetaculosa do ministro, que quase foi apanhado em meio a uma queimada, pode ter algum efeito didático. Mas não é aplicando pessoalmente a multa ao desmatador que ele vai conter a destruição da floresta.

Os jornais reproduzem o patético diálogo de Carlos Minc com o gerente e tratorista da fazenda visitada. Um vizinho havia colocado fogo em sua propriedade e o ministro, que estava acompanhado de jornalistas e militares, testemunhou a queima de 3 mil hectares de matas e pastagens.

No fim, a comitiva teve que sair correndo porque o fogo ameaçava cercar o helicóptero.

Números convenientes

A notícia serve para dar ao leitor uma visão local de como acontece a destruição do maior patrimônio florestal do planeta. Mas o espetáculo midiático protagonizado pelo ministro não ajuda a produzir políticas efetivas de combate ao desmatamento.

Na mesma página em que informa sobre a visita do ministro do Meio Ambiente ao Pará, a Folha de S.Paulo (31/7) publica um artigo no qual são lançadas dúvidas sobre os números recentes que indicam uma redução no ritmo das queimadas.

Enquanto o sistema de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais anuncia a diminuição da área desmatada em junho, comparada com o mês anterior, outro organismo afirma exatamente o contrário. As divergências entre especialistas alimentam os inimigos da floresta, que escolhem os números mais convenientes para tentar evitar medidas mais severas.

A imprensa apenas noticia a controvérsia, mas não ajuda o leitor a entender o que realmente acontece na Amazônia. Enquanto isso, o planeta continua esquentando.

Fonte: Observatório da Imprensa

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TIMES CONTA HISTÓRIAS DE ASCENSÃO SOCIAL NO BRASIL

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por Luiz Carlos Azenha

Deu na capa do New York Times, nesta quinta-feira, dia 31, assinada por Alexei Barrionuevo (a tradução, como sempre, é meia boca):

ECONOMIA FORTE EMPURRA BRASIL PARA O PALCO MUNDIAL

Fortaleza, Brasil - Desesperada para escapar de sua existência da-mão-para-a-boca em uma das regiões mais pobres do Brasil, Maria Benedita Sousa usou um pequeno empréstimo cinco anos atrás para comprar duas máquinas de costura e começar seu próprio negócio fazendo roupas íntimas femininas.

Hoje Ms. Sousa, mãe de três filhos que começou a trabalhar numa fábrica de jeans, emprega 25 pessoas numa modesta fábrica de dois cômodos que produz 55 mil pares de calcinhas de algodão por mês. Ela comprou e reformou uma casa para sua família e está pensando em comprar um segundo automóvel. A filha dela, que estuda para ser farmacêutica, poderá ser a primeira da família a terminar a faculdade.

"Você não pode imaginar a felicidade que sinto", Ms. Sousa, 43 anos de idade, disse do chão da fábrica batizada com o nome de um filho. "Vim do campo para a cidade. Batalhei, batalhei e hoje meus filhos estão estudando, com uma na faculdade e os outros dois na escola. É um presente de Deus".

Hoje o país dela está se levantando da mesma forma. O Brasil, a maior economia da América do Sul, está finalmente pronto para realizar seu muito antecipado potencial como um jogador global, dizem economistas, no momento em que o país vive sua maior expansão econômica em três décadas.

Esse crescimento é sentido em quase todas as partes da economia, criando uma nova classe de super ricos ao mesmo tempo em que pessoas como a Ms. Sousa ascendem a uma classe média que se expande.

Isso também deu ao Brasil mais auto-confiança, por exemplo, para barganhar com os Estados Unidos e a Europa em negociações globais de comércio. Depois de sete anos, essas negociações fracassaram esta semana depois de demandas da China e da Índia por proteção a seus agricultores, um claro sinal do crescente poder destas economias emergentes.

Apesar do temor de investidores sobre a tendência esquerdista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando foi eleito para liderar o Brasil em 2002, ele demonstrou cuidado quando se trata da economia, evitando impulsos populistas de líderes da Venezuela e Bolívia.

Em vez disso, impulsionou o crescimento da economia do Brasil através de uma combinação de respeito pelos mercados financeiros e programas sociais que estão tirando milhões da pobreza, diz David Fleischer, um analista político e professor emérito da Universidade de Brasília. Ms. Sousa é uma beneficiária.

Famoso por sua distribuição de renda desigual, o Brasil reduziu sua diferença de renda 6% desde 2001, mais do que qualquer outro país da América do Sul, disse Francisco Ferreira, um economista do Banco Mundial.

Enquanto os 10% mais ricos viram sua renda subir 7% entre 2001 e 2006, os 10% mais pobres dispararam com 58%, de acordo com Marcelo Côrtes Neri, o diretor do Centro para Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.

Mas o Brasil também gasta mais que seus vizinhos em programas sociais e no conjunto o gasto público continua a ser quatro vezes maior que o do México em porcentagem do Produto Interno Bruto, afirmou Ferreira.

O momentum da expansão econômica do Brasil deve durar. Enquanto os Estados Unidos e partes da Europa enfrentam recessão e as consequências de uma crise no setor imobiliário, a economia do Brasil mostra poucas vulnerabilidades de outros poderes emergentes.

A economia diversificou sua base industrial, tem grande potencial de expandir o boom do setor agrícola em terras virgens e tem um tremendo pool de recursos naturais. Novas descobertas vão colocar o Brasil no escalão das potências do petróleo na próxima década.

Ainda assim, embora a exportação de commodities como petróleo e bens agrícolas sejam responsáveis por muito do crescimento recente, o Brasil depende cada vez menos dela, dizem economistas, por ter a vantagem de um grande mercado interno - 185 milhões de pessoas - que está enriquecendo graças ao sucesso de gente como Ms. Sousa.

De fato, com uma moeda forte e a inflação sob controle, os brasileiros estão numa gastança que se tornou o motor primário para a economia, que cresceu 5.4% no ano passado.

Eles estão comprando tanto bens brasileiros quanto importados. Muitos negócios relaxaram o crédito para permitir aos brasileiros comprar geladeiras, automóveis e até cirurgia plástica em anos, em vez de meses, apesar de juros que estão entre os mais altos do mundo. Em junho o país atingiu 100 milhões de cartões de crédito, um aumento de 17% em relação ao ano anterior.

Nas Casas Bahia, uma rede de venda de móveis com preços modestos, o número de consumidores comprando à prestação triplicou para 29,3 milhões de 2002 a 2007, disse Sônia Mitaini, uma porta-voz da empresa.

Outros sinais de riqueza são abundantes. Em Macaé, uma cidade do petróleo perto do Rio de Janeiro, empreiteiros estão correndo para terminar shopping centers e condomínios de luxo para atender à demanda de firmas de exploração de petróleo. Num porto em Angra dos Reis, uma cidade conhecida por suas ilhas espetaculares, 25 mil trabalhadores encontraram serviço construindo plataformas de petróleo.

A Petrobras, a companhia nacional de petróleo, chocou o mundo em novembro quando anunciou que o poço de águas profundas Tupi, na costa do Rio de Janeiro, teria reservas de 5 a 8 bilhões de barris. Analistas acreditam que pode haver outros bilhões em áreas próximas.

Enquanto o petróleo será difícil e caro de extrair, a Petrobras disse que espera produzir 100 mil barris por dia em Tupi até 2010, e espera um milhão por dia dentro de uma década.

As novas jogadas do petróleo estão causando um boom de investimento no Rio de Janeiro, com U$ 67,7 bilhões de investimento esperados no estado até 2010, de acordo com a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. Só a Petrobras espera investir U$ 40,5 bilhões até 2012.

Alguns economistas dizem que a redução do crescimento no resto do mundo, especialmente na Ásia, que engole boa parte das exportações brasileiras de soja e minério de ferro, poderia afetar o Brasil. "Mas essa probabilidade é pequena", disse Alfredo Coutino, economista chefe da Moody's Economy.com para a América Latina.

De fato, a economia do Brasil se tornou tão diversificada em anos recentes que o país se tornou menos suscetível a ressacas causadas por problemas nos Estados Unidos.

As exportações do Brasil para os Estados Unidos representam 2,5% do PIB, comparadas com 25% das exportações do México, de acordo com a Moody's.

"O que faz do Brasil mais resistente é que o resto do mundo tem menor importância para o país", diz Don Hanna, chefe de economia para países emergentes do Citibank.

O resto do mundo certamente ajudou. Preços crescentes para os minerais e outras commodities criaram uma nova classe de super-ricos. O número de brasileiros com fortunas de mais de U$ 1 milhão cresceu 19% no ano passado, o terceiro lugar depois da China e da Índia, de acordo com uma pesquisa da Merrill Lynch e Capgemini.

Ao mesmo tempo, o presidente Da Silva aprofundou muitos dos programas sociais iniciados dez anos atrás sob Fernando Henrique Cardoso, que como presidente promoveu muitas das reformas estruturais que serviram de base para o crescimento do Brasil hoje.

No caso de Ms. Sousa, por exemplo, ela deve muito do sucesso do negócio aos empréstimos do Banco do Nordeste, um banco financiado pelo governo que deu microcrédito a 330 mil pessoas para desenvolver negócios nessa região.

Outros programas, como o Bolsa Família, dão pequenos subsídios para que os pobres brasileiros comprem comida e outros artigos essenciais. O Bolsa Família, que beneficia 45 milhões de pessoas nacionalmente e tem um orçamento anual de U$ 5,6 bilhões, tem sido mais eficaz em aumentar a renda per capita do que aumentos no salário mínimo, que cresceu 36% desde 2003.

A natureza destes programas sociais expandiu o emprego informal e formal, assim como a classe média brasileira. O número de pessoas sob a linha de pobreza - definidos como aqueles que ganham menos de 80 dólares por mês - caiu 32% de 2004 para 2006, disse o Mr. Neri.

Os programas foram particularmente eficazes no Nordeste, historicamente uma das regiões mais pobres do Brasil. Os residentes receberam mais da metade dos U$ 15,6 bilhões dos programas sociais dados entre 2003 e 2006, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética, um braço do Ministério da Energia.

As pessoas estão usando essa nova riqueza para comprar bens como aparelhos de tevê e geladeiras num ritmo maior do que o resto do país. O Nordeste, de fato, passou o Sul em uso de energia pela primeira vez este ano, de acordo com a empresa.

Muitas famílias passaram à classe média usando o Bolsa Família para cobrir gastos básicos e em seguida obtendo pequenos empréstimos para começar novos negócios e assim escapando da economia informal. É o que Maria Auxiliadora Sampaio e o marido dela fizeram em Fortaleza, uma cidade costeira de 2,4 milhões de habitantes. Eles recebiam pagamentos do Bolsa Família de cerca de 30 dólares mensais, que usaram para cuidar dos três filhos. Então, dois anos atrás, Ms. Sampaio usou um empréstimo de cerca de 190 dólares para comprar esmalte e dar início a um salão de manicure em casa.

Hoje ela fatura cerca de 70 dólares por dia - cerca de quatro salários mínimos por mês, ela diz. Com o próximo empréstimo ela pretende investir 140 dólares num esterilizador para fazer o serviço que ela hoje faz com água fervida.

Com os frutos de seu novo negócio o casal reformou a casa, comprou um aparelho de tv e um telefone celular. Este mês o marido, que trabalha numa fábrica de Cachaça, realizou um sonho: comprou uma bateria.

Ele planeja usá-la em uma banda de forró, música tradicional do Nordeste. "Nós comíamos e pagávamos as contas e ele esperava, esperava, esperava" e finalmente comprou a bateria por U$ 780, ela disse.

"Sinto que somos parte de um grupo de gente que está subindo no mundo", disse Ms. Sampaio, de 28 anos de idade. "Quando você não tem nada, quando não tem uma profissão, não tem meio de vida, você não é nada, é uma mosca. Eu não era ninguém. Hoje, estou no paraíso".

Fonte: Vi o Mundo

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POR QUE PROCURADORA DIZ QUE GILMAR MENDES DÁ HABEAS CORPUS A RICO

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O Supremo Presidente vota consistentemente a favor dos ricos

por Paulo Henrique Amorim

Máximas e Mínimas 1334

Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista

. A Procuradora da República em São Paulo Ana Lucia Amaral fez um levantamento sobre um conjunto de habeas corpus de que participa o Supremo Presidente Gilmar Mendes.

. Os dados são públicos e podem ser coligidos no site do Supremo Tribunal Federal de que Gilmar Mendes é o Supremo Presidente.

. A Procuradora se deu ao trabalho de fazer esse levantamento depois que o Supremo Presidente se inscreveu no livro Guiness dos Records, ao dar a um quadrilheiro, Daniel Dantas, dois HCs em 48 horas.

. O levantamento demonstra a consistência dos votos do Presidente Supremo: para beneficiar ricos, ele prefere julgar na última instância, o Supremo, em lugar de mandar, como prevê a tradição do próprio Supremo (Súmula 691), que as instâncias inferiores decidam.

. É uma questão de opção preferencial pelos ricos.

. O que reforça a percepção dos brasileiros de que o Supremo Tribunal Federal é o tribunal dos ricos.

. A Procuradora Ana Lucia Amaral – ao contrário do que disse reportagem da Folha (da Tarde *) de domingo passado – NÃO desistiu de pedir o impeachment do Supremo Presidente Gilmar Mendes.

. Ela aguarda a decisão sobre o mérito dos HCs que o Supremo Presidente concedeu a Dantas.

. E isso é responsabilidade, no primeiro round, do Ministro Eros Grau.

. A depender da decisão de Grau, a Procuradora – com colegas de Ministério Público – vai ou não pedir o impeachment.

. O amigo leitor vai perceber que o advogado Alberto Zacharias Toron, defensor de Dantas e autor da memorável frase "bom era quando algema era para pobre, preto e p...", e organizador de manifestações públicas em apoio ao Supremo Presidente aparece em vários pedidos de HCs.

. Acompanhe agora o levantamento da Procuradora sobre como vota o Supremo Presidente, clicando aqui.

Fonte: Conversa Afiada.

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quarta-feira, 30 de julho de 2008

A alma do negócio

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A publicidade não pode espelhar a realidade – e este talvez seja seu grande malefício sócio-cultural. Toda propaganda é enganosa e, quanto mais enganosa, melhor. Não importa que a harmonia doméstica nada tenha a ver com o uso de um creme dental ou com a margarina Qualy

por Guilherme Scalzilli


O pior efeito colateral da onipresença publicitária é a passividade da opinião pública diante dela. A sociedade de consumo impregnou-se tanto de propaganda que ela parece indissociável da própria experiência humana. “Tudo é publicidade”, máxima disseminada pela própria mídia, garante a perpétua reciclagem da indulgência. Tudo é história, tudo é física, tudo é moda: o estatuto universal da atividade depende da predisposição corporativa do observador. Tal simplificação, de evidente teor totalitário, pressupõe condicionantes publicitárias nos ambientes mais íntimos, como se fôssemos irresistivelmente dominados por forças exógenas, talvez imperceptíveis e alheias à nossa vontade. Tudo é manipulação.

A propaganda mantém uma relação paradoxal com a coletividade. Por um lado, nega responsabilidades sobre os produtos que ajuda a vender e sobre as mensagens que corrobora – ao menos quanto a conseqüências nefastas como a violência, a obesidade, a anorexia e vícios múltiplos. Ao mesmo tempo, ela reivindica uma utilidade social imanente, necessária à plena fruição da cidadania. É a versão mercantilista do direito constitucional à informação.

O equívoco da premissa evidencia-se nas metapropagandas, peças institucionais que fazem o elogio da própria publicidade. Sem esta, dizem, o consumidor compraria um imaginário produto “Tanto Faz”, como se logotipos, embalagens e enunciados contivessem verdades imprescindíveis; como se as relações de consumo implicassem uma liberdade de escolha real, entre todas as alternativas possíveis, e não apenas entre as que possuem recursos para investir na complexa e onerosa engrenagem midiática.

Rauschenberg, Warhol, Johns e outros não faziam a apologia da propaganda, mas criticavam a manipulação do imaginário. A afirmação de que tudo é consumo de massas implica uma denúncia

Toda propaganda, auto-referente por natureza, possui um viés metalingüístico. Apresenta-se como entidade autônoma, dotada de linguagem, discurso e instrumentos próprios, aparentemente desconectados de sua função comercial. O texto engenhoso, o esmero técnico, a abordagem inusitada e outras qualidades do anúncio transformam-se em valores intrínsecos à mercadoria ainda impalpável, alienando o consumidor das decisões práticas que deveriam norteá-lo. O entretenimento antecede e canaliza a relação de consumo.

Mas o fantasma da superficialidade exige uma legitimação estética que confira certa “nobreza” ao ofício. Já que emociona, diverte e “faz pensar”, a publicidade almeja ser uma síntese das artes, absorvendo o esmero técnico das atividades criativas consagradas. Busca então identificar-se com a indústria cultural, celebrando-se em premiações no estilo do Oscar cinematográfico, glamourizando seus profissionais, compartilhando a celebridade dos artistas populares.

Enquanto isso, os publicitários apropriam-se da herança dos movimentos artísticos do pós-guerra (pop-art, kitsch), injetando um charme vanguardeiro nas campanhas mais elaboradas. Acontece que Rauschenberg, Warhol, Johns e outros não faziam a apologia da propaganda, mas criticavam a manipulação do imaginário efetuada por ela. A afirmação de que tudo é consumo de massas implica uma denúncia. O imaginário pop carrega um questionamento sobre o papel do artista na sociedade capitalista, desmistificando a iconografia do consumo, usando a mídia para se reproduzir contra ela. A publicidade jamais possuiu semelhante alcance reflexivo.

Pode-se argumentar que os comerciais realmente se parecem com passatempos hollywoodianos. Ambos compartilham a aspiração indutiva e certa estrutura de valores (ou carga ideológica) preestabelecida. Os dois também são movidos pelo consumismo autogerador: o filme vende o refrigerante e vice-versa; a propaganda vende a necessidade da mercadoria e vice-versa. No final do processo, é o consumidor quem paga tanto pelo merchandising quanto pela publicidade direta, cujos gastos são embutidos no preço final dos respectivos produtos.

A publicidade precisa derrubar qualquer obstáculo à credulidade total, impedindo o exercício do senso crítico. Para tanto, utiliza extensas metodologias pseudocientíficas de persuasão, baseadas na semiótica e na psicologia

Entretanto, anúncios bem-sucedidos envolvem uma carga de informações sub-reptícias que assombraria o leigo acostumado com o usual marketing fílmico. Na obra ficcional, por mais unidimensionais que sejam os personagens, sempre resta uma chance de questionamento, pois o espectador sabe que está diante de uma farsa. A publicidade, ao contrário, precisa derrubar qualquer obstáculo à credulidade total, impedindo o exercício do senso crítico. Para tanto, utiliza extensas metodologias pseudocientíficas de persuasão, baseadas na semiótica e na psicologia, que suplantam qualquer dissimulação inserida nos contextos narrativos tradicionais.

Os anúncios televisivos levam tal elaboração a extremos. Os personagens reproduzem estereótipos sedutores (pai de família, jovem executivo, mãe que trabalha, velhinho simpático, vizinha gostosa, turma do boteco e assim por diante, quase sempre esbarrando em preconceitos étnicos, sociais e de gênero); a direção de arte engendra ambientes físicos e contextos emocionais reconhecíveis (segurança, família, amizade, erotismo, nacionalismo, caos urbano); e o roteiro induz o espectador a identificar-se com associações previsíveis (liberdade-automóvel, alívio-remédio, inteligência-tecnologia, juventude-chocolate,) ou francamente artificiais (modernidade-cigarro, coragem-uísque, infância-banco, sensualidade-turismo).

É importante frisar que tais associações não levam o espectador a querer possuir algum bem ou serviço, mas à ilusão de necessitar deles. Sente-se incompleto, ultrapassado, frágil, ignorante, e acredita que satisfará essas carências hipotéticas comprando algo. O universo publicitário, seguro e estável, faz com que a vida pareça permanentemente inconclusa e insatisfatória sem o escape da propaganda e de sua realização mercantilista.

Portanto, para fazer sentido, a publicidade não pode espelhar a realidade – e este talvez seja seu grande malefício sócio-cultural. Toda propaganda é enganosa e, quanto mais enganosa, melhor. Não importa que a harmonia doméstica nada tenha a ver com o uso de um creme dental, que os planos de saúde desconheçam o asseio prestativo e zeloso, que natureza e privacidade estejam ausentes da vida em condomínios, que a fraternidade natalina edulcore o materialismo constrangido e a hipocrisia – desde que atinjam eficazmente os sentidos do público, tais fantasias tornam-se válidas, perenes e consensuais. Mesmo quando são apenas mentiras.

Leia mais:

Há cerca de dez anos, surgiram algumas organizações internacionais de combate aos abusos da propaganda. O coletivo “Stopub” reuniu várias delas [1]. Os militantes antipublicidade são particularmente ativos na França, em grupos como “Casseurs de pub”, [“La meute”, “Antipub” e “Paysages de France”, que denunciam irregularidades e organizam intervenções nos espaços públicos. Alguns foram condenados pela Justiça.

Guilherme Scalzilli é historiador e escritor. Autor do romance “Crisálida”, lançado em 2007, pela editora Casa Amarela. Mantém um blog sobre política, artes e atualidades.

Fonte: Le Monde Diplomatique

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O legado de Gil no Minc

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O que Gil deixará

por Ana Paula Sousa

Com Gilberto Gil, o ministério da Cultura começou a existir. Criada em 1985, a pasta, antes integrada à Educação, foi sempre uma espécie de patinho feio do governo. Para a sociedade, era uma entidade sem rosto e sem nome. Com Gil, escolhido no primeiro mandato do presidente Lula, a contragosto de petistas que haviam idealizado o programa cultural, essa história começou a mudar. Mudou a ponto de, cinco anos e meio depois, sua saída virar manchete.

Gil anunciou que deixaria o posto duas ou três vezes. Queria dedicar-se exclusivamente à carreira artística. Mas, a cada vez que falava com o presidente, voltava atrás. Agora, vai mesmo. É fato também que, neste ano (e isso até as paredes do MinC sabem), quem tocou o Ministério foi Juca Ferreira, secretário-executivo e braço direito de Gil desde o primeiro dia. Seria ele, inclusive, o substituto natural do ministro. Resta ver se as peças políticas permitirão que o tabuleiro se mexa assim.

Para fazer um balanço dessa gestão é possível seguir dois caminhos. Um, o dos detalhes, comportaria uma série de críticas a procedimentos administrativos (a burocracia da pasta deixa de cabelos em pé os produtores culturais), precipitação na divulgação de projetos ainda crus e idéias difusas que não encontraram lugar no mundo real.

O segundo caminho para o balanço é olhar, historicamente, para o papel que Gil e sua equipe exerceram. E esse caminho me parece, neste primeiro momento, o mais adequado. É ele que deve indicar o perfil de seu sucessor e o status que o governo Lula quer dar à cultura.

Para usar um termo que os integrantes de sua equipe, vira e mexe, tiram da cartola, é de “protagonismo” que se trata. O novo MinC não aceitou a miudeza a que esteve sempre relegado. Não conseguiu, até hoje, o aumento orçamentário que tão necessário se faz. Mas segue cutucando as áreas econômicas do governo com o pedido. Simbolicamente, para o País, isso significa dizer que a cultura é, também, uma questão de Estado. E não tem mesmo de ser?

O MinC também chamou para si áreas que outros ministérios queriam, como a tevê pública, a questão dos direitos autorais e, até, o destino da verba de patrocínio das empresas estatais. Foram brigas compradas. Em algumas delas, Gil recebeu arranhões de amigos antigos, como Caetano Veloso. Não raro, a pasta foi acusada de autoritarismo.

A atenção dada a manifestações marginais (de folclore a capoeira), que tanto irrita os bem instalados, gerou produtos, de vídeos a cds, que ajudam a construir a memória do Brasil. São ações pequenas, pouco visíveis, mas significativas num país em que a lógica da concentração de renda se espraia. A gestão de Gil foi, nesse sentido, ideológica.

Ainda nas grandes questões, o que não se cumpriu foi a desde sempre prometida mudança na Lei Rouanet, o principal mecanismo de incentivo fiscal à cultura. Para isso, Gil não teve força. Recuou várias vezes. Com sua saída, deve ser tornar ainda mais difícil mexer nesse pote cheio de donos.

Neste momento, mais do que apontar as falhas do MinC (que, por sinal, está com pilhas de projetos à espera de parecer e tem feito produtores perderem patrocínio), seria importante pensar sobre o papel empreendedor de Gil. Sobre a ousadia de tratar a cultura como algo fundamental para o desenvolvimento do País.

Fonte: Carta Capital

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Governo dos EUA só contratou juízes contra o aborto e homofóbicos

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Por Redação Fórum

Três altos cargos do Departamento de Justiça dos EUA converteram dezenas de entrevistas de trabalho em interrogatórios políticos, que incluiam questões sobre o aborto e o casamento homossexual. Só eram contratadas as pessoas inequivocamente conservadoras, apesar dos cargos em questão serem "de carreira" e não de nomeação política, violando assim as leis federais.

Três ex-funcionários do Departamento de Justiça dos EUA violaram as leis federais ao contratarem juízes e fiscais com base em critérios políticos. Apesar de neste departamento também existirem cargos de nomeação política, a verdade é que os casos referidos enquadravam-se nos cargos de carreira, para os quais deviam contar somente o currículo e a experiência profissional dos candidatos.

Segundo um relatório do Inspector Geral da Justiça, "as provas demonstram que as violações não eram algo isolado, mas sim sistemáticas na sua natureza". Os candidatos que não fossem suficientemente conservadores, nomeadamente mostrando alguma simpatia pela legalização do aborto ou dos casamentos homossexuais, eram automaticamente excluídos.

A liderar o processo das contratações estava Monica Goodling, de 34 anos, cujo perfil de jovem conservadora lhe permitiu ascender rapidamente aos postos cimeiros do Departamento de Justiça.

Entre 2005 e 2007, Goodlong contratou juízes e fiscais na área da imigração, mas vetou candidatos com currículos impecáveis só porque tinham alguma conexão com o Partido Democrata. Outros com pouca experiência passaram no crivo da funcionária só por causa das suas posições conservadoras. O relatório do Inspector Geral da Justiça refere mesmo uma situação caricata: Monica Goodling franziu o sobrolho a um candidato que revelou admirar a secretária de Estado Condoleezza Rice (Republicana), avisando-o que Rice é a favor do aborto.

(Artigo originalmente publicado no site Esquerda.net)

Fonte: Revista Fórum

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Mas... e o Dantas?

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Por Glauco Faria

Muito se falou na mídia sobre a troca no comando da Operação Satiagraha da Polícia Federal, com a saída de Protógenes Queiroz. A imprensona, que atacava o delegado por conta dos erros de português no relatório, endossando as críticas de Gilmar Mendes ao que ele considerava “excessos” nas investigações, de repente teve no mesmo um herói, que era substituído por conta de uma “operação abafa”, obviamente encomendada pelo governo. Coisas da mídia e quem quiser que interprete suas razões.

Mas pouco ou quase nada falaram sobre o substituto de Queiroz, Ricardo Saad. Pelo que Fórum apurou entre os entrevistados para matéria que estará em sua edição de agosto, o Ministério Público está tranqüilo em relação ao escolhido. O atual delegado foi o responsável pela operação que levou ao indiciamento de Edemar Cid Ferreira por lavagem de dinheiro e trabalha na Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros. Esteve à frente também da Operação Santa Tereza, que, dentre outros crimes, apurou as fraudes em concessão de empréstimos do BNDES, onde apareceu o nome do deputado federal Paulinho Pereira (PDT-SP).

Saad terá muito trabalho pela frente, já que o material apreendido na casa de Daniel Dantas deve desenvolver outras linhas de investigação e nomes novos provavelmente virão à tona, além daqueles que já constam no relatório da Polícia Federal. No entanto, hoje o delegado conta com bem mais recursos e um melhor aparato da própria PF. Não se sabe se isso é uma forma de responder às críticas - algumas veladas e outras vazadas - de Queiroz ou se há um esforço maior para fechar o cerco em torno de uma conexão de crimes que faria corar mafiosos de tempos idos e atuais.

Fora da mídia, Dantas deve ter algum sossego por enquanto, já que a conclusão da denúncia que chegará à Justiça irá demorar, no mínimo, seis meses para ser concluída. O cuidado é fundamental nessa fase, pois qualquer falha pode por tudo a perder, já que o jogo do “banqueiro” no meio jurídico é pesado. A conferir.

Fonte: Revista Fórum
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Segurança alimentar e biocombustíveis: um dilema?

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O dramático aumento dos alimentos registrado recentemente tem múltiplas causas e, no momento, os biocombustíveis provavelmente representam uma das menos influentes. Mais fundamentalmente, a crise alimentar atual está relacionada com a falta de investimentos públicos na agricultura e na segurança alimentar.

O dramático aumento dos preços dos alimentos ocorrido esses últimos dois anos tem provocado um intenso debate a respeito do papel dos biocombustíveis na crise de segurança alimentar atual. Embora todos os principais atores desse debate – sejam eles instituições globais, governos, empresas ou organização não governamentais – reconheçam a existência de múltiplas causas para explicar a abrupta elevação dos preços dos alimentos, existe certo consenso sobre o fato de que a produção de biocombustível impacta a produção de alimentos e, portanto, seus preços. Mas esse quase consenso se evapora quando se trata de avaliar e hierarquizar a responsabilidade da crescente produção de biocombustível no aumento dos preços dos alimentos. Nos parágrafos a seguir pretendo trazer algumas informações que possam nos ajudar a abordar essa relação.

Começo com algumas observações acerca do comportamento recente dos preços agrícolas. Em primeiro lugar, constata-se que todas as principais commodities agrícolas sofreram uma elevação dos preços. Tomando 2004 como ano-base, estimativas do Banco Mundial estimam que os preços médios cresceram quase 80% nos últimos quatro anos no caso do milho, 56% para a soja e mais que dobraram para o trigo e o arroz. Segundo recente estudo da OCDE-FAO, esses preços permanecerão elevados durante os próximos anos, ainda que esteja prevista uma diminuição gradual a partir de 2009. Estima-se, por exemplo, que o preço médio do milho no mercado mundial voltará em 2015, após um pique em 2009, a patamares próximos daqueles observados em 2007. Essa tendência deve ser também observada no caso da soja e do trigo. No entanto, os preços médios do arroz devem permanecer elevados durante mais tempo e mesmo que se espera uma diminuição a partir da próxima década, ela deverá ser gradual e pouco significativa.

Embora devam ser tomados com precaução, os dados recentes mostram que os canais de transmissão de preços entre aumento da produção de biocombustíveis e elevação dos preços agrícolas são mais complexos do que uma simples relação de causa e efeito. Se parece muito provável que a crescente produção de etanol e biodiesel impactam negativamente os preços do milho e da soja (sem esquecer a palma/dendê), seus efeitos sobre o comportamento dos preços do trigo e do arroz são bem menos óbvios. A relação direta, ainda que de difícil mensuração, entre preços do milho e produção de etanol deve-se ao fato de que uma proporção substancial da produção de milho nos Estados Unidos direcione-se doravante a produção de biocombustíveis. Segundo os estudos supracitados, cerca de 30% da oferta de milho nesse país – ou seja, cerca de 10% da produção mundial – tem sido absorvida por sua indústria de etanol, sendo em grande parte responsável pela aceleração do aumento de preços ocorrido desde 2006.

Já no caso das oleaginosas como a soja, os impactos dos biocombustíveis são mais difíceis de serem avaliados e mensurados. As expectativas de aumento da demanda por biodiesel na União Europeia e em menor medida nos Estados Unidos, na Indonésia e no Brasil pressiona os preços já que o aumento estimado da produção de biodiesel nos próximos dez anos poderá representar um terço do aumento do consumo total de óleo vegetal. No entanto, cabe notar que parte significativa da produção de biodiesel deve ser realizada a partir de oleaginosas outras que a soja, tais como canola ou dendê. É, portanto, difícil relacionar diretamente o aumento dos preços da soja com a produção de biocombustível. O mais provável é que a elevação dos preços dessa oleaginosa decorra do aumento do comércio mundial puxado, principalmente, pela demanda chinesa, refletindo os efeitos gradual da redução da pobreza sobre o aumento do consumo de óleo e carnes que eleva a demanda por soja e derivados (farelo e óleo).

No que tange o aumento dos preços do trigo, sua relação com a produção de biocombustível é ainda mais fina. Entre 2005 e 2007, por exemplo, o aumento da demanda por trigo e outras cereais cresceu 5%, passando de 1.622 para 1702 milhões de toneladas. Se por um lado, podemos notar que metade desse aumento está associado a produção de biocombustíveis, em particular nos Estados Unidos onde a demanda para este tipo de uso alcançou 80 milhões de toneladas em 2007. Por outro lado, a utilização de trigo e cereais para etanol continua marginal e como será vista daqui a pouco, os recentes aumentos dos preços do trigo foram provocados em grande medida por problemas conjunturais afetando a oferta e que foram amplificados pela atuação de especuladores institucionais e políticas de restrição as exportações.

Para finalizar, há o caso do arroz, um alimento fundamental para grande parte da população dos países em desenvolvimento. Desde 2007, o preço do arroz tem crescido abruptamente e essa tendência se acelerou recentemente, o preço do arroz tailandês passando 365 para 562 dólares a toneladas de janeiro a março de 2008. Para os países em desenvolvimento, africano e asiático particularmente, essa elevação dos preços é trágica e pode arruinar, num curto espaço de tempo, as recentes melhorias das condições de vida constatadas nesses países. Todavia, não existe correlação linear entre aumento dos preços do arroz e produção de biocombustíveis. Com efeito, visto que a demanda por arroz por parte da indústria de etanol é virtualmente nula não se pode inferir que os biocombustíveis impactam a formação de seus preços.

De maneira geral, a não ser no caso do milho, a crescente produção de biocombustível não parece afetar diretamente os preços dos principais commodities agrícolas. No entanto, há provavelmente mecanismos de transmissão de preços menos lineares. Por um lado, a crescente produção de milho direcionada à indústria de etanol nos Estados Unidos tende a pressionar as áreas de cultivos de soja ou algodão, exercendo um impacto negativo sobre a produção de oleaginosas. Em conjunto com a elevação dos preços do milho, a substituição da área de soja por milho pode contaminar o conjunto de preços das principais commodities com efeito difuso sobre a inflação agrícola recente. Por outro lado, as políticas implementadas para promover a oferta de etanol ou biodiesel podem alterar em certo grau as expectativas de preços futuros e, em ultima instância, pressionar os preços correntes. Pode-se esperar, por exemplo, que cada vez mais terras serão destinadas a produção de biocombustíveis, criando uma pressão fundiária e um aumento dos custos.

Se os diversos agentes que atuam nos mercados agrícolas fossem racionais e as informações relevantes abundantes e de fácil acesso, os preços deveriam refletir as condições de oferta e demanda. O problema é que os agentes têm pouco conhecimento sobre o estado futuro da demanda e da tecnologia e, como destacou o prêmio nobel de Economia D. Kahneman, de maneira geral tomam suas decisões a partir de um conjunto restrito de informações disponíveis e representativas de certa situação. No cenário incerto da crise financeira atual, operadores com poucas opções atrativas para investir podem decidir direcionar seus recursos para comprar contratos agrícolas, criando uma pressão adicional sobre os preços correntes de commodities como milho, soja ou trigo. Com a maior integração das commodities agrícolas (milho, soja e trigo) nos circuitos financeiros, os impactos dos biocombustíveis sobre os preços agrícolas, nesse sentido, podem estar muito mais associados as emoções e sentimentos do momento do que a um cálculo racional visando maximizar a utilidade esperada. Cabe observar, no entanto, que os movimentos de capitais pouco racionais do mercado financeiro não explicam a tensão sobre os preços do arroz. De maneira geral, com a exceção do milho, o aumento dos preços agrícolas parece mais associado aos problemas de oferta do que ao crescimento da produção de biocombustíveis.

Como assinalei no início deste artigo, o dramático aumento dos alimentos registrado recentemente tem múltiplas causas e, no momento, os biocombustíveis provavelmente representam uma das menos influentes. Entre outros aspectos que afetam os preços agrícolas, destaca-se, além da desvalorização da unidade de conta internacional (o dólar americano), o aumento dos preços do petróleo e seus efeitos sobre os custos dos insumos e do transporte. Os preços dos fertilizantes, por exemplo, têm se elevado rápida e consistentemente, proporcionando lucros excepcionais para as grandes multinacionais que dominam essa indústria. As políticas que visam limitar as exportações de grãos implementadas por vários países no intuito de minimizar a inflação estão também colocando “lenha na fogueira”, sobretudo num momento em que os estoques são historicamente baixos e a oferta estressada pelas secas que atingiram grandes países agrícolas em 2006/2007. Mais fundamentalmente, a crise alimentar atual está relacionada com a falta de investimentos públicos na agricultura e na segurança alimentar. Acreditar, como advogaram durante décadas os principais organismos internacionais, que os mercados resolvam corretamente os problemas de oferta e de acesso aos alimentos pode revelar-se um risco perigoso. A segurança alimentar é um bem público tanto quanto a segurança energética e militar. Sua responsabilidade, portanto, não deveria ser deixada ao livre arbítrio das negociações dos interesses privados.

Georges Flexor é professor adjunto do Instituto Multidisciplinar IM/UFRRJ e pesquisador do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura OPPA/CPDA.

Fonte: Agência Carta Maior

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