sábado, 3 de maio de 2008

OS CASOS BIZARROS EM TORNO DO REVERENDO MOON (I)


"Reverendo" Moon

por Luiz Carlos Azenha

"O pregador da direita que odeia a América", por Robert Parry*, do Consortium News, em 2 de maio de 2008

Um das vantagens que a direita americana obteve ao investir dezenas de bilhões de dólares na mídia - dos programas de comentários em rádios à TV à cabo, da imprensa escrita à internet - é a capacidade de definir o que é e o que não é um "escândalo", um fator poderoso para determinar a vitória em eleições nacionais.

Por comparação, os progressistas americanos desvalorizam seus próprios investimentos na mídia. A disparidade leva ao espetáculo de ver os candidatos presidenciais democratas se submetendo às perguntas da [emissora de notícias conservadora] Fox News, enquanto ninguém espera que um líder republicano seja interrogado, por exemplo, pelo [site progressista] DailyKos.

Em outro nível, esse desequilíbrio da mídia promoveu os discursos do reverendo Jeremiah Wright à categoria de grande notícia, efetivamente alterando o curso da campanha de 2008, ao associar Barack Obama com as duras críticas do pastor - às vezes exageradas - ao governo dos Estados Unidos. No entanto, não é notícia que uma figura religiosa anti-americana investiu bilhões de dólares para financiar o movimento conservador dos Estados Unidos e colocou gordos pacotes de dinheiro no bolso de proeminentes republicanos, inclusive membros da própria família do presidente George W. Bush.

Enquanto o senador Obama tem de explicar o que ele sabia - e quando - sobre os discursos raivosos de Wright, a família Bush flutua sobre a sua associação financeira e política com o reverendo Sun Myung Moon, um teocrata sul-coreano que denunciou os Estados Unidos como a "colheita de satã" e comparou mulheres americanas a "prostitutas."

Em seus sermões, Moon foi muito além do "Deus condene a América" - o que Wright fez - e prometeu varrer a democracia americana e o individualismo enquanto constrói seu mundo de um estado só.

Quando o plano de Moon de "engolir toda a América" estiver completo, o reverendo disse a seguidores em um sermão que "alguns indivíduos vão reclamar. No entanto, eles serão digeridos."

Mas o ódio de Moon pela América não é considerado notícia, em parte porque Moon financiou o [jornal conservador] Washington Times desde 1982 ao custo de mais de 3 bilhões de dólares, de acordo com um ex-funcionário, George Archibald.

Moon também gastou muitos milhões de dólares para pagar conferências de conservadores e para salvar figuras-chave da direita quando elas enfrentaram dificuldades financeiras, inclusive o guru da mala direta dos republicanos, Richard Viguerie, e o falecido Jerry Falwell.

Além disso, Moon pagou grandes quantias ao ex-presidente George H. W. Bush por discursos - alguns milhões de dólares - e apresentou o irmão de George W. Bush, Neil, em eventos recentes da Federação Universal da Paz, patrocinada por Moon.

Em 2004, republicanos agradecidos deram a Moon o direito de usar uma sala de escritório num prédio do Senado para que ele fosse coroado "Rei da Paz" em uma cerimônia que seguidores anunciaram como prova de que o governo dos Estados Unidos havia se rendido ao novo Messias.

Ainda assim, apesar de Moon ter acumulado influência injetando grandes somas de dinheiro misterioso no processo político dos Estados Unidos - inclusive para a família Bush - ele conseguiu evitar o intenso escrutínio que se aplica ao reverendo Wright, que até recentemente era um pregador pouco conhecido no bairro do South Side, em Chicago.

Enquanto os trechos de sermões de Wright, postados no You Tube, se tornaram atração diária em programas da TV americana, a influência de Moon na direita e a boa vontade dele com a família Bush são não-notícias. Isso apesar de Moon ser acusado de representar um nexo entre o crime internacional e a elite política dos Estados Unidos.

Quando se discute Moon ele geralmente é apresentado simplesmente como o líder doido do culto da Igreja da Unificação que, de alguma forma, transformou a venda de flores por parte dos seguidores dele em uma vasta fortuna global.

O que quase nunca se fala é das antigas relações dele com o crime organizado e o contrabando internacional de drogas, inclusive com as gangues japoneses da Yakuza e traficantes de cocaína sul americanos. Mesmo testemunhos de primeira mão sobre a lavagem de dinheiro praticada por Moon, como os de sua ex-nora Nansook Hong, não atraem a mídia americana.

Quem é Moon?

Moon nasceu em 6 de janeiro de 1920, em uma região rural do noroeste da Coréia, a península montanhosa então ocupada pelo Japão, uma ocupação tão brutal que continuou durante os primeiros 25 anos da vida dele. Forças aliadas liberaram a península em 1945 e então dividiram a Coréia em duas partes, o sul ocupado pelos Estados Unidos e o norte por tropas soviéticas.

No período pós-guerra, Moon, que havia sido criado dentro de uma seita cristã, mudou-se para o sul da Coréia e se juntou a um grupo místico chamado de Israel Suo-won. O grupo pregava a iminente chegada de um Messias coreano e praticava um estranho rito sexual chamado "pikarume", no qual os ministros purificavam as mulheres através de relações sexuais, a chamada "benção do útero."

Enquanto desenvolvia a sua própria teologia, Moon voltou para o Norte, governado pelos comunistas, onde logo enfrentou problemas legais. Ele foi preso duas vezes pelas autoridades locais, aparentemente sob acusações morais ligadas aos ritos sexuais com mulheres jovens. Os seguidores de Moon, no entanto, tentam retratá-lo como vítima da repressão comunista, dizendo que ele não foi preso por questões sexuais, mas por espionagem.

Qualquer que seja a história real sobre a detenção dele na Coréia do Norte, a sorte de Moon logo mudou. Em 14 de outubro de 1950, com a guerra em andamento na península, tropas das Nações Unidas invadiram a prisão onde ele estava, libertando Moon e outros presos. De acordo com o que diz a Igreja da Unificação, Moon foi a pé para o Sul, carregando nas costas um prisioneiro ferido, Pak Chung Hwa.

Por anos, autoridades da igreja publicaram uma foto que seria de Pak nas costas de Moon, atravessando um rio. Mas boa parte disso parece ser propaganda. Várias fontes da igreja admitiram que a foto era falsa, que Moon não era o homem que aparecia nela e que ele não estava no lugar em que a imagem foi feita.

A jornada de Moon em direção ao Sul terminou no porto de Pusan, onde ele retomou o trabalho missionário. Mais tarde ele se mudou para Seul, a capital da Coréia do Sul, onde ele fundou sua própria igreja em maio de 1954. Ele a batizou de T'ong-il Kyo, ou Associação do Espírito Santo para a Unificação da Cristandade do Mundo. Ficou conhecida como Igreja da Unificação.

No centro da teologia de Moon estava uma nova versão de uma história do Velho Testamento sobre a queda do homem. Em vez da mordida na maçã proibida, Eva copulou com Satã e depois transmitiu o pecado ao fazer sexo com Adão.

Milhares de anos depois, Deus mandou Jesus restaurar o homem à pureza original, ensina Moon. Mas Jesus fracassou ao ser traído pelos judeus e morreu antes de ser pai de uma criança pura.

O sexo, portanto, permaneceu no centro da teologia de Moon, com a necessidade do Messias de purificar a raça humana através da reversão da contaminação causada pela sedução de Eva pelo Satã.

Moon ensinou que o fracasso de Jesus de começar o processo de purificação levou Deus a mandar um segundo Messias, ou seja, o próprio Moon. Ele via sua tarefa como a de começar o processo de purificação e assim estabelecer o Reino de Deus na Terra.

O objetivo final seria a criação de uma teocracia mundial governada por Moon e seus seguidores e limpa da influência do Satã. Poder político e religioso andam juntos, ensina Moon. "Não podemos separar o campo político do campo religioso", disse.

Mas na Coréia do Sul ele descobriu que o governo continuava a ser obstáculo para seus planos religiosos. Quando concentrou seu trabalho religioso em jovens estudantes universitárias, especialmente em escolas cristãs exclusivas para mulheres, Moon enfrentou novos problemas legais.

O governo da Coréia do Sul prendeu Moon em 1995 alegadamente por conduzir ritos sexuais de "purificação", de acordo com relatórios dos serviços de inteligência dos Estados Unidos que agora se tornaram públicos. Ele foi libertado três meses depois quando nenhuma das jovens testemunhou por medo de humilhação pública, de acordo com um sumário do FBI sem data divulgado por ordem da Justiça depois de um pedido feito através do Freedom of Information Act.

"Durante os próximos dois anos, na mídia da Coréia do Sul o reverendo Moon foi motivo de humor escandaloso", diz o relatório do FBI.

Seis Marias

Autoridades da igreja negam que Moon tenha participado de ritos sexuais. Mas as acusações voltaram a receber atenção, em 1993, com a publicação, no Japão, do "A Tragédia das Seis Marias", um livro escrito por um discípulo de Moon, Pak Chung Hwa, aquele que o reverendo teria supostamente carregado até a Coréia do Sul.

De acordo com o livro de Pak, Moon ensinava que Jesus faria a limpeza da humanidade praticando sexo com seis mulheres casadas, que por sua vez fariam sexo com outros homens, passando assim a purificação para outras mulheres, até que todos teriam o sangue puro.

Pak alegou que Moon assumiu como seu dever pessoal, de segundo Messias, fazer sexo com as "seis Marias." Mas Pak acusou Moon de abusar da prática transformando as "Seis Marias" em uma espécie de clube rotativo de sexo. Pak disse que a primeira esposa de Moon pediu divórcio depois de flagrá-lo em um ritual sexual.

Ao todo, Pak calculou que houve ao menos 60 "Marias", muitas das quais acabaram destituídas depois que Moon as descartou.

De acordo com testemunho de uma das "Marias", de nome Yu Shin Hee, ela encontrou Moon no início dos anos 50 e se tornou uma seguidora junto com o marido. Devota da igreja, foi abandonada pelo marido e ficou com cinco filhos, que colocou num orfanato quando concordou em se tornar uma das "Seis Marias" de Moon.

Mas Yu Shin Hee diz que Moon se cansou dela depois da primeira "troca de sangue", uma frase usada para descrever as relações sexuais. Ainda assim, ela foi requisitada a fazer sexo com outros homens. Sete anos depois, sem dinheiro, tentou retomar os filhos, que a rejeitaram.

Quando Moon engravidou outra mulher, mandou-a para o Japão, onde nasceu um menino, de acordo com o livro de Pak. Moon admitiu que era o pai da criança, que morreu em um acidente de trem aos 13 anos de idade. Mas, de acordo com Pak, Moon se negou a admitir a paternidade de outras crianças ilegítimas que teve com fiéis.

"Ao avançar os seus ensinamentos, ele violou mães, filhas e irmãs", Pak escreveu. (Depois da publicação de "A Tragédia das Seis Marias", a Igreja da Unificação denunciou as acusações como falsas. Sob intensa pressão, Pak Chung Hwa concordou em se desmentir. Mas o que ele conta no livro confere com relatórios de serviços de inteligência e entrevistas com ex-integrantes da igreja feitas na mesma época).

As histórias de encontros sexuais de Moon foram corroboradas pela nora Nansook Hong, que rompeu com a chamada Verdadeira Família de Moon em 1995, alegando que sofreu abusos nas mãos do filho mais velho do reverendo, Hyo Jin Moon, durante o casamento que durou 14 anos.

Nansook Hong, em seu livro "Na Sombra dos Moons", de 1998, disse que membros da família, inclusive Moon, admitiam que ele tinha tido sexo "providencial" com mulheres em seu papel de Messias. Nansook Hong disse que descobriu sobre os affairs de Moon quando o marido dela, Hyo Jin, passou a justificar suas aventuras como mandadas por Deus, da mesma forma que o pai.

"Fui diretamente à senhora Moon com as alegações de Hyo Jin", Nansook Hong escreveu. "Ela ficou furiosa e chorou. Ela disse que tinha esperança de que a dor terminaria com ela, que não seria passada à próxima geração".

"Ninguém conhece a dor causada por um marido infiel como a Verdadeira Mãe, ela me assegurou. Eu fiquei chocada. Todos tínhamos ouvido os rumores sobre os affairs de Sun Myung Moon e as crianças que ele teve fora do casamento, mas lá estava a Verdadeira Mãe confirmando a veracidade das histórias."

"Eu disse a ela que Hyo Jin havia me dito que dormia com outras mulheres por inspiração de Deus, assim como o pai. 'Não, o Pai é o Messias, não Hyo Jin. O que o Pai fez foi planejado por Deus.'"

Mais tarde, em uma discussão sobre sexo fora do casamento, Moon disse a Nansook Hong pessoalmente que "o que aconteceu no passado foi 'providencial'", ela escreveu no livro.

Quanto aos rituais de purificação, Nansook Hong disse que os rumores acompanharam a igreja por décadas, apesar dos desmentidos oficiais.

"Nos primeiros dias da Igreja da Unificação, membros se encontravam numa pequena casa com dois quartos", Nansook Hong escreveu. "Era conhecida como a Casa das Três Portas. Havia rumores de que na primeira porta se tirava o paletó, na segunda as roupas e na terceira as roupas de baixo, em preparação para o sexo."

Quanto ao livro de Chung Hwa Pak, "ATragédia das Seis Marias", Nansook Hong disse que Moon conseguiu persuadir o autor a voltar à igreja e a desmentir o que havia escrito. "Sempre me perguntei qual foi o preço", Hong escreveu.

Madeleine Pretorious, uma integrante da Igreja da Unificação da África do Sul, também trabalhou em proximidade com o filho temperamental de Moon, Hyo Jin, e soube através dele que as histórias negadas sobre os ritos sexuais de Moon com fiéis eram verdadeiras.

"Quando Hyo Jin descobriu sobre os rituais de purificação do pai perdeu a impetuosidade", Pretorious me disse em uma entrevista depois que ela deixou a igreja, na metade dos anos 90.

No final de 1994, durante conversações com Hyo Jin na suíte do hotel New Yorker, "ele me confidenciou muitas coisas", Pretorious disse. Ela também havia descoberto que o reverendo Moon tinha tido um filho fora do casamento no início dos anos 70. Ele arranjou para que a criança fosse criada por um antigo aliado, Bo Hi Pak, Pretorious contou.

O menino - já um jovem - havia procurado Hyo Jin porque queria ser reconhecido como meio-irmão. Pretorious disse que confirmou o caso mais tarde com outros integrantes da igreja.

Robert Parry foi repórter da Associated Press e da Newsweek e é autor de três livros sobre a família Bush

Fonte: Vi o Mundo


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