domingo, 16 de março de 2008

A SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO


por John Kennedy Ferreira
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“Esse modo de pensar que se declara disposto a penetrar o desconhecido”

Emile Durkheim.

A aprovação da obrigatoriedade do curso de sociologia (também filosofia) representa três fatores que devem ser pensados pelos profissionais da área e também no conjunto dos formandos dos próximos anos.

Em primeiro, diz respeito à abertura de cerca de 30 mil postos de trabalho em todo o Brasil, sendo cerca de 23 mil, só no estado de São Paulo (Folha de São Paulo 23/7/06).

Segundo o portal da Secretaria do Trabalho da PMSP, existem atualmente cerca de 20 mil pessoas formadas em sociologia no estado que tem desempenhado suas atividades distribuídas em: docência, pesquisa, assessoria..., conforme nos informa também o site do SINSESP.

A abertura dessas novas vagas atende a uma importante demanda profissional e ao mesmo tempo denota que não há profissionais gabaritados para todas essas vagas. O que significará um imenso giro na capacitação profissional através de cursos complementares de licenciatura ou a drenagem de especialistas de outras áreas como geografia, história, etc., para suprir a demanda num curso seriado, como argumentavam contra a implantação da sociologia Fernando Henrique Cardoso, Guiomar de Melo e a maioria dos setores ligados a políticas de competências.

Em segundo, diz respeito à própria realidade da carreira de professor: Foi um longo caminho que se iniciou ainda no século XIX com propostas de Rui Barbosa e Benjamim Constante e já na década de 20 e 30 consta na grade curricular de diversos cursos normais (sociologia da educação) de maneira quase sempre intermitente e normalmente ministrada por advogados ou médicos.

Mas será em 1954, com a intervenção de Florestan Fernandes no Congresso Brasileiro de Sociólogos, favorável a obrigatoriedade da disciplina no ensino médio, que a sociologia ganhará um estatuto autônomo e legitimidade enquanto disciplina. Pouco depois é aprovada permanecendo até o ano de 1964, sendo substituída pela Ditadura por Educação Moral e Cívica (EMC) e pela Organização Social Política Brasileira (OSPB) e nas universidades por EPB (Estudos dos Problemas Brasileiros).

Com a luta pela abertura política o governo Franco Montoro (1983-87), aproveita-se das brechas abertas na lei e faculta o ensino de sociologia (também filosofia e psicologia) na rede estadual, realizando em 1986 o primeiro concurso para professores de sociologia.

Na Constituinte (1987-88) ela volta à exigência estendendo a sua abrangência a vários outros estados, mas sua obrigatoriedade nacional fica condicionada a Lei de Diretrizes e Bases.

Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de (9394/96) fica sugerida pelo conselho de educação a aprovação da obrigatoriedade da sociologia o que é seguido em diversos estados, pouco depois ela é vetada pelo presidente (sociólogo) Fernando Henrique Cardoso (1994-2003) e também pelo governador Covas (1994-2001).

A partir da posse do presidente Lula, o debate volta à tona e toma corpo com diversas manifestações como o do congresso da APEOESP em 2004 e as promovidas por acadêmicos, universidades, entidades estudantis, e pelos sindicatos e encontros de Sociólogos de Santa Catarina, Paraná e São Paulo, conseguindo por fim a aprovação neste último ano.

Em terceiro, é necessário pensar no espaço da sociologia dentro do ambiente escolar, dentro da própria da educação brasileira e logicamente, dentro de uma sociedade de desenvolvimento dependente como a brasileira.

Dentro do ambiente escolar, cabe ressaltar que a sociologia não apresenta um acumulo de conhecimento, conteúdo, metodologia, material didático, formas avaliativas, didática, recurso, consensos, áreas de pesquisas, teses e material acumulado sobre o ensino de sociologia (isso ocorre também em filosofia e psicologia no ensino médio) e nem apresenta um coletivo de professores especializados na área, como acontece em larga escala em outras áreas.

Embora caiba salientar que as fronteiras dentro das ciências humanas são tênues, transformar um determinado saber científico em saber escolar exige dos pioneiros a construção de fronteiras, métodos e uma identidade organizada e sistematizada, como recomendava Florestan Fernandes: a constituição de uma pedagogia e material pedagógico apropriado para a sociologia no ensino médio.

Ao seu favor, a sociologia cumpre um importante papel (não exclusivo) na formação política da juventude (e também dos trabalhadores da educação) aproximando-os de originários do pensamento político e social.

Potencializa igualmente laboratórios escolares vinculados à própria realidade como a vida social na vila, no bairro, comunidade... Relações de gênero, religiosas, étnicas, comunicação de massa, e grupos de afinidades... E também estudos sobre grupos de poderes locais, classes sociais, movimentos sociais e relações de poder, etc.

O arcabouço teórico e as pesquisas de campo podem ser elementos fundantes para uma escola mais ativa e menos apática e cordata.

E como parte da discussão geral de educação, podemos observar a história da educação republicana brasileira como um dos elementos do desenvolvimento da ordem social competitiva e da formação do capitalismo tardio, podemos entender o ensino da sociologia como uma das páginas dessa história. Florestan Fernandes salientava que os primeiros esforços para a implantação do ensino de sociologia visavam à adequação da sociedade a racionalidade capitalista, através da limitação das funções universais da sociologia, tirando a capacidade de exercer crítica aos desajustes conjunturais e estruturais que a ordem capitalista promove.

Nesse modelo caberia a sociologia a constituição de capacidades de ajuste (sociais e individuais) à realidade instável e também criar uma identidade nacional através da educação, num momento em que o país, formado por imigrantes, negros, trabalhadores rurais, índios, mestiços, vivenciava mudanças profundas operadas pela industrialização.

Arriscamo-nos a constituir uma ponte entre momentos históricos e indagar que tipo de crescimento econômico e que tipo de desenvolvimento educacional está sendo promovido e que tipo de papel o estado espera que a sociologia (e a filosofia) cumpra dentro da grade curricular?

Perguntamos se a adequação do estado brasileiro e da sociedade ao novo momento imperialista (globalização neoliberal) tem significado soluções aos graves problemas econômicos, sociais, demográficos e educacionais levantados ao longo da história?

A resposta depende de uma análise mais apurada do que uma breve e primeira reflexão neste encontro. Mas podemos observar que a introdução do neoliberalismo, longe de expandir a inclusão tem deprimido direitos e firmado fronteiras largas entre os estamentos e classes, reduzindo a sociedade as regras sagradas do mercado de valores. A própria educação não tem conseguido fugir a esse caminho, hoje já são mais de 120 cidades no estado de São Paulo que tiveram seu sistema educacional privatizado plenamente, o próprio sistema educacional municipal da capital e estadual apresenta várias áreas privatizadas parcialmente e outras, plenamente terceirizadas.

Nas políticas pedagógicas, longe da sociologia (e filosofia) representarem a afirmação de outro rumo para educação in strito senso, expressam mais os descompassos e a própria crise de afirmações de valores e práticas liberais como de uma “cidadania crítica”, “sociedade em desenvolvimento”, “inclusão social” “crescimento econômico”, etc.

Florestan Fernandes, em seus últimos escritos sobre educação percebia que o esforço deveria ser de um lado a constituição de uma frente única entre trabalhadores da educação, sindicatos, estudantes visando à defesa da escola pública gratuita e de outro a afirmação de uma educação voltada aos interesses das maiorias, normalmente espoliadas e relegadas.

Este quadro apresentado por Florestan Fernandes é atual e enfatizava que “quando um sociólogo se propõe uma questão desta ordem, ele começa pela análise do sistema existente de fato, no qual se pretende introduzir a inovação”. Cabendo a pergunta se a inclusão do ensino de sociologia (de filosofia e psicologia), representa uma inovação no sistema de ensino, se significa alteração dos problemas enfrentados no cotidiano (classes lotadas, baixos salários, baixo aprendizado, desinteresse, etc.) ou se significa mais um esforço de ajustar a sociedade aos interesses hoje dominantes na sociedade e na educação?

Bibliografia consultada:

FERNANDES, Florestan, (1995). A contestação necessária. São Paulo. Ática.

______________________, (1975). "O ensino da Sociologia na escola secundária brasileira". In: A Sociologia no Brasil. Petrópolis: Vozes.

Folha de São Paulo, Sociologia será obrigatória no ensino médio, 23/07/2006

http://www.mec.gov.br/Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Mec , 2006.

http://www.sociologos.org.brSINSESP

IANNI, Octavío (1986). Florestan Fernandes.(Col. Grandes Cientistas Sociais) São Paulo, Ed. Ática

MORAES, Amaury César,(2006). “ A Sociologia e Filosofia no Ensino Médio: Um resgate histórico” Revista do Professor, abril/2006 edição n.63 Ed. Simpro-ABC – Santo André-SP

Portal da Secretaria do Trabalho – PMSP – 2006.

SARANDY, Flávio.(2001). “Reflexões acerca do sentido da sociologia no Ensino Médio”. In: Espaço Acadêmico – Revista Eletrônica Mensal, Ano I, nº. 05, outubro de 2001. ISSN: 1519.6186. http://www.espacoacademico.com

__________________(2002)“O ensino de ciências sociais no ensino médio no Brasil” . http://www.antropologia.com.ar

SCLIARO, Moacir(2006). ensino e a realidade, http://agenciacartamaior.com.br 13/07/2006

http://www.cfh.ufsc.br/~lastro/sociologias.htm/ portal do ensino médio em sociologia

http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/trabalho

** mestrando em ciências políticas –PUC-SP e membro do NEILS

fonte: Grupo de Sociólogos

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Um comentário:

Anônimo disse...

Ola.
Gostei do blogo, gostei da ideia de discussão. Gostei da foto da DJ.
To vendo as coisas da formação de sociologos e a sua organização nacional. Será que a atividade profissional vai se reduzir ao ensino médio? É isso? O que pode vir mais a frente?