domingo, 9 de março de 2008

Quem vai pagar a conta? Entrevista com Nouriel Roubini

O professor da New York University, economista-chefe do site RGE Monitor e colunista de CartaCapital Nouriel Roubini calcula os custos de um processo de saneamento do sistema financeiro dos Estados Unidos. Analisa ainda a incoerência entre o discurso de laissez-faire do mercado, quando os ventos estão a favor, e os pedidos recorrentes dos bancos para que o governo alivie as perdas originadas no estouro da bolha imobiliária americana. “Definitivamente, estamos diante do paradoxo de privatizar os ganhos e socializar as perdas”, afirma o colunista.

CartaCapital: O senhor tem discutido teses de uma intervenção maior do Estado no mercado, para sanar a crise financeira americana.
Nouriel Roubini: Os problemas do crédito subprime se espalharam por toda a cadeia econômica. Chegaram aos financiamentos de boa qualidade, há um efeito forte sobre o segmento de cartões de crédito, de bônus emitidos pelas corporações e uma retração de consumo dos cidadãos. Milhões de mutuários vêem os preços de suas casas caírem, mas a dívida permanece alta. Eles simplesmente estão abandonando os imóveis, o que potencialmente pode causar um prejuízo de 1 trilhão de dólares. E não há soluções fáceis para o problema. O governo poderia comprar as hipotecas por valor superior ao de mercado, para evitar a quebra de muitos bancos. Outra opção seria simplesmente estatizar os bancos por um tempo. Mas isso terá um custo alto, em torno de 2,7 trilhões de dólares para o país. Em ambos os casos, seria uma situação muito delicada para o sistema financeiro.

CC: Qual o dilema do Estado?
NR: A questão principal é: salvar as instituições financeiras seria um uso apropriado do dinheiro público? Ou seja, os bancos fizeram manobras obscuras, entraram em terreno pantanoso, e agora que estão com problemas é justo salvá-los? O contribuinte americano está disposto a ver a dívida interna do país crescer mais 2,7 trilhões de dólares? Já houve resistência política com o pacote de Bush para aliviar a situação tributária de empresas e cidadãos em dificuldades.

CC: Como disse a revista The Economist, todos estão à procura de um plano B para a situação.
NR: Não há um plano B fácil. Está tudo muito confuso. O governo, por exemplo, deu aval para a Fannie Mae e Fred Mac (as duas maiores financiadoras de imóveis dos EUA) continuarem a conceder empréstimos, o que pode ser muito perigoso. Existem hoje exatamente 8 milhões de imóveis submersos em dívidas. Calculo que, se os preços no mercado imobiliário caírem mais 10%, dobrará o número de devedores cujo valor das casas é menor do que o débito total. Nesse ritmo, em pouco tempo, 40% do total das hipotecas no país estará inadimplente. Serão 51 milhões de imóveis.

CC: Trata-se de uma decisão política?
NR: O mercado sozinho não dará conta da situação. Precisamos de algo mais abrangente. É a maior crise desde a Grande Depressão, nos anos 30. Terá de haver algum tipo de intervenção governamental, mas não há clareza nem para Washington nem para Wall Street sobre como isso será feito. Já sugeriram que o governo compre, em leilões, apenas as hipotecas podres que estão embutidas nos fundos de investimento. Mas isso não resolverá a o problema.

CC: Não é irônico que a possibilidade de intervenção governamental seja cogitada, após uma longa ditadura do discurso que defendia a total liberdade e auto-regulação dos mercados?
NR: O discurso do mercado é assim. Por tempos, diz ao governo “deixe-me sozinho”, porque quer ousar tacadas arriscadas. Quando há algo de errado, pede uma tábua de salvação. Agora, uma enorme quantidade de grandes bancos deseja ser subsidiada pelo governo. Até o fato de o Federal Reserve ter reduzido o juro tão rápida e substancialmente foi uma demanda do mercado, para aumentar a liquidez do sistema e reduzir seus prejuízos. Definitivamente, estamos diante do paradoxo de privatizar os ganhos e socializar as perdas. Mas, com ou sem intervenção, haverá perdas para a economia americana, que entrará em recessão.

CC: Ben Bernanke não está, com a política monetária, incentivando a criação de futuras novas bolhas?
NR: Ele realmente reduziu o juro de forma agressiva, da mesma forma que Alan Greenspan fez no passado, para salvar os investidores. Mas há justificativa hoje. O Fed está preocupado com a atividade econômica real e a estabilidade financeira. De todo modo, isso se tornou um padrão preocupante. Em tempos ruins, a política monetária é frouxa e acaba por produzir bolhas futuras. Em tempos de prosperidade, o juro se eleva para conter a inflação e a atividade econômica se desacelera, ou uma bolha estoura. É um círculo vicioso, permeado pelo conceito de moral hazard (risco moral).

fonte: Carta Capital
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