quinta-feira, 8 de maio de 2008

Críticas - de direita e de esquerda - ao governo Lula - parte 1

por Emir Sader

O governo tem sido alvo de muitas críticas e elogios, de direita e de esquerda, contraditórios entre si, de forma alternada e, às vezes, simultânea. A virulência com que a direita critica e os massivos meios monopólicos de comunicação com que ela conta, provocam tanto uma defesa exacerbada de quem tem críticas, como a impressão de que essas posições são compartilhadas por muita gente na sociedade.

As pesquisas de opinião têm desvendado, cada vez mais, a esplêndida solidão dos Frias, dos Marinhos, dos Civitas, dos Mesquitas e seus funcionários. Eles seguem definindo, neuroticamente, a pauta que deveria ser a do país. Tomemos os últimos anos e nossa história seria uma cadeia de escândalos do governo, de não menos de 10, primeiro duravam meses, depois semanas, outros esboçam viver e morrer no nascedouro. São decadentes, mas se aferram a seus venenos, como bichos prensados contra a parede, desesperados pela sua impotência. Fazem a contagem regressiva para 2010, nervosamente.

Suas críticas são tipicamente as da direita, as mesmas que compartilham com o bloco tucano-pefelista: menos Estado – o que significa, para eles, não menos financiamentos privados, isenções, mas menos contratações de pessoal, menos gastos com políticas sociais, menos impostos; trocar a integração latino-americana e com o Sul do mundo, por aquela tradicionalmente submissa com o Norte; nenhum tipo de regulamentação estatal, nem no mercado de trabalho, nem na política de comunicações, nem na circulação de capitais; mais privatizações. Sua utopia se realizava no governo FHC, com quem se identificaram plenamente. Gostam de qualquer candidato que derrote Lula ou tire votos de quem seja o candidato mais forte a dar continuidade ao seu governo.

Prefeririam um neoliberal ortodoxo, como foi Alckmin, não gostam de certos tons desenvolvimentistas que Serra ainda poderia ter como herança, mas tem a garantia, pelos seus governos na prefeitura e no governo do estado, que atende a todas as demandas do grande empresariado, que é adepto de seguir as privatizações, de diminuir o tamanho do Estado, de diminuir impostos, de favorecer aos investimentos brancos, de não colocar obstáculos à especulação financeira.

É fundamental situar essas posições, para que críticas de esquerda não se confundam com elas, porque estas são absolutamente contraditórias com aquelas. Cito um caso de confusão entre as duas, que favorece a direita: na discussão sobre a CPMF, na versão final da proposta, se tratava do que a esquerda deveria pregar: um imposto difícil de ser sonegado, pago por quem dispões de mais recursos e todo ele para a saúde pública. Tudo o que a direita não quer: tributação sobre os mais ricos, que não podem contornar e que vai para políticas sociais. O senador do Psol votou contra, cometendo um grave equívoco, somando-se à direita e ajudando a confundir ainda mais o quadro de polarização entre direita e esquerda.

Há outros casos, mas este é mais recente e mais significativo, porque muito caro à direita: menos impostos, menos Estado e tratar de brecar as políticas sociais do governo – considerando que diminuiriam o prestígio do governo Lula e dificultariam a eleição de um sucessor seu. Tomam o governo Lula como inimigo fundamental, não se importam de se somar à direita para atacar o governo, aceitam a polarização entre governo/oposição, tem em comum com esta a vontade de enfraquecer o governo, de qualquer forma, pela consciência de que se o PT não desaparecer, não terão possibilidade alguma.

Em lugar de ser um crítico de esquerda, que apóia o que o governo tem de esquerda – como veremos na segunda parte deste artigo, entre outros, a política externa, a política social, a política cultural, etc. -, atacam tudo e rifaram a possibilidade de construir uma alternativa à esquerda do PT, ficando relegados à intranscendência política.

Seria preciso assumir que o governo tem aspectos elogiáveis e outros condenáveis, do ponto de vista da esquerda. Qualquer simplificação leva a erros imensos, seja o de buscar justificativas de esquerda para a política econômica – uma verdadeira quadratura do círculo -, seja a condenar o governo como o inimigo fundamental da esquerda, o que leva a somar-se com a direita.

As ambigüidades do governo são inúmeras e o próprio Lula afirma que nunca os ricos – e aqui é preciso dizer, antes de tudo os bancos – nunca ganharam tanto e nunca os pobres melhoraram tanto de vida. Condenável a primeira, elogiável a segunda. Uma não é condição da outra, ao contrário, quanto mais ganhe o pior capital possível – não cria bens, nem empregos, chantageia com ameaças de forjar crise com fugas, etc -, menos recursos para impulsionar o desenvolvimento, criar riqueza, gerar emprego, aumentar os recursos para políticas sociais, etc.

Essa é a primeira grande crítica que o governo merece da esquerda: não rompeu com a hegemonia do capital financeiro – na sua modalidade especulativa – e, ao contrário, lhe deu continuidade e consolidou a independência, de fato, do Banco Central, expressão política e institucional dessa hegemonia. Os juros remuneram ao capital financeiro, da mesma forma que os lucros ao produtivo e os salários à força de trabalho.

Manter as taxas de juros mais altas do mundo, atraindo o pior tipo de capital, não cobrar-lhe impostos para que circulem livremente para dentro e para fora do país, dar autonomia para que sua representação direta no governo defina uma variável fundamental para a economia do país, mas também para os recursos para políticas sociais, é um erro que tem que ser reiteradamente criticado pela esquerda. Mas como toda esquerda politicamente séria, não apenas crítica e dogmática, é preciso apresentar alternativas e elas existem, recentrando a economia nos investimentos produtivos e as políticas sociais na criação de empregos.

Outro aspecto que merece crítica é a aliança com o grande capital exportador, especialmente o do agronegócio, seja pela forma de exploração da terra, seja pelo seu caráter monopólico, seja pela utilização de trangênicos, seja porque se voltam para a exportação e de um produto como a soja, com todas suas implicações negativas. Além de que inequivocamente essa aliança está na base da não promoção – que deveria ser central em um governo de esquerda – da economia familiar e da segurança alimentar, assim como do avanço totalmente insuficiente da reforma agrária.

Um terceiro aspecto central do governo, que deve ser objeto de crítica da esquerda, é a não caracterização dos EUA como cabeça do imperialismo mundial, com todos os danos que causa à humanidade, a começar pela política de “guerras infinitas”. O Brasil não pode se relacionar com os EUA como se fosse apenas um país rico, tem que levar em conta que é a cabeça do bloco imperialista que, de todos os pontos de vista – econômico, financeiro, tecnológico, político, militar, ideológico, mediático – representa o que de pior tem o mundo hoje, responsável pela concentração de renda, pelas políticas de livre comércio, pela miséria, pela degradação ambiental, pelas guerras, pela especulação financeira, pelos monopólios da mídia, pela propaganda de um estilo de vida mercantilista, etc, etc. Não tomar o imperialismo como referência central no mundo de hoje leva a cometer graves erros e a correr sempre riscos de se deixar levar pelas políticas do império.

Poderíamos acrescentar outros aspectos, como a repressão e op não-incentivo a rádios comunitárias, o atraso (se bem que agora com uma boa posição no caso de Rondônia) sobre a delimitação das terras indígenas, a não abertura dos arquivos da ditadura.

Esta é a primeira parte do artigo, a segunda, com os aspectos positivos do governo, que deveriam ser apoiados e incentivados pela esquerda, vem em seguida. Mas também com os elogios da direita, contraditoriamente distintos do da esquerda.

Fonte: Blog do Emir Sader
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