Uma concessão tática, uma comparação importante e uma oposição preguiçosa (10/02)
O PSDB gosta de gabar-se sobre uma suposta superioridade dele quando o assunto é gestão. A polêmica sobre cartões eletrônicos que permitem a funcionários públicos pagar pequenas (ou nem tanto) despesas é uma boa oportunidade para testar essa autoproclamada vantagem. O governo de São Paulo, chefiado pelo tucano José Serra, gasta mais de R$ 100 milhões ao ano por meio de cartões eletrônicos. Sendo que quase a metade do dinheiro sai através de saques. Isso num estado como São Paulo, informatizado e bancarizado até a medula. Por que os funcionários públicos da unidade mais desenvolvida da federação precisam sacar dezenas de milhões de reais para comprar coisinhas? Que coisinhas são essas? Por que nessas compras não se usou simplesmente o cartão, do jeito tradicional? O que, diga-se, evitaria ter de transportar dinheiro vivo. Os saques em São Paulo somam quase R$ 50 milhões. Numa versão mais benigna, seriam cerca de R$ 40 milhões, informa O Estado de S.Paulo. Mesmo assim é demais. São Paulo deveria adotar a minha proposta para o Palácio do Planalto, feita neste blog e também na coluna do Correio Braziliense na última sexta-feira: bloquear os quase 45 mil cartões de débito oficiais do governo paulista e recadastrá-los, cortando os que não forem necessários. Deve haver um monte nessa situação. Que sentido há em um único estado, mesmo da importância de São Paulo, dar de 4 a 1 no governo federal no número de funcionários que podem realizar despesas com cartão eletrônico? Desconfio que o modelo paulista não resistiria a cinco minutos de análise por qualquer uma dessas consultorias especializadas em melhorar processos e otimizar resultados de empresas. Mas minha proposta de bloquear os cartões vem sendo considerada radical por alguns neste blog. Faço então uma concessão tática: se não querem bloquear, pelo menos proíbam os saques. Resolver-se ia quase 80% do problema federal e quase metade do problema paulista, enquanto estivesse em curso -disto eu não abro mão- o recadastramento. Até porque, convenhamos, diante dos escandalosos desperdícios expostos nos últimos dias, agora é que a turma vai sacar para valer, para não deixar rastro. Bem, no meio da confusão toda, fico feliz ao ver que finalmente as pessoas se tocaram de que o grande problema de gestão dos cartões está no volume de saques. Claro que a oposição ao governo federal prefere centrar fogo nas despesas da entourage do presidente da República. A oposição sonha com a possibilidade de achar algum dispêndio constrangedor para o chefe de governo, ou para a muher dele. E só. A oposição não está nem aí para o problema administrativo. Ou pelo menos não dá a impressão de estar. E por que a oposição não quer que se investigue o suprimento de fundos no período de Fernando Henrique Cardoso (FHC)? Já que vão fazer uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que se devasse tudo. Até porque, convenhamos, será importante verificar se houve mudanças no perfil das despesas da corte. Sabe-se, por exemplo, que Luiz Inácio Lula da Silva tem sua despensa abastecida por bons produtos. Nem nisso ele é original. Vejam o que disse, dia desses, Roberta Sudbrack, a gaúcha que FHC levou para comandar a cozinha presidencial, em entrevista ao site smartdiet.com.br (Cyber Cook):Cyber Cook: Como surgiu a oportunidade de trabalhar no lar presidencial?
Roberta Sudbrack: Acredito que aconteceu porque tinha que acontecer. Aquelas coisas que não se explicam. Conheci o presidente e Dona Ruth em um jantar que preparava na residência de José Gregori, o Ministro da Justiça daquela época. Após o jantar, eles quiseram me conhecer e conversamos bastante. Depois de uma semana fui chamada pelo Cerimonial da Presidência para preparar um almoço no Palácio.
Cyber Cook: Quais foram às principais dificuldades em treinar os militares que já trabalhavam na cozinha do Palácio?
Roberta Sudbrack: Antes de entrar lá, as refeições eram preparadas por cozinheiros das forças armadas. Eles nunca tiveram um treinamento, mas sempre estavam dispostos a aprender. Tive que implementar um trabalho profundo e minucioso, mas sempre preocupada em respeitar o tempo e a percepção de cada um. Tudo era diferente, não só para os cozinheiros, como também para toda a estrutura da residência que não estava acostumada com o fluxo, a organização e o método de uma cozinha profissional. Mesmo assim, acredito que aprendi muito mais do que ensinei.
Cyber Cook: Qual era a culinária predileta do ex-presidente FHC?
Roberta Sudbrack: Principalmente cozinha simples, brasileira e bem executada. Esse folclore de que se criou de que as refeições do Presidente eram sempre sofisticadas é uma bobagem. No dia-a-dia, as refeições eram sempres as mais simples e caseiras possíveis: Picadinho de Carne, Frango Ensopado, Carne Assada e Feijão caseiro. O que fazíamos era trabalhar esse tipo de cozinha com bons produtos.
FHC gostava de bons produtos. Assim como Lula gosta. A ilustração ao lado eu copiei/colei de uma reportagem da revista Veja da semana passada. Para saber se Lula andou exagerando na gastança com comidas e bebidas, uma boa régua é comparar com o antecessor. Sem a comparação, o debate acerca dos hábitos gastronômicos do presidente e de sua corte ficaria um pouco prejudicado pelo subjetivismo. Eu, por exemplo, acho que um presidente da República deve dispor de todos os confortos possíveis, dentro do limite do razoável. A tarefa exige. Mas qual seria um limite razoável? Para não cairmos na ditadura do "eu acho", que se passe à comparação entre os gastos de Lula e FHC. Ainda que, repito, para mim esse seja um assunto absolutamente secundário. Eu estou mesmo é focado na campanha para fechar a torneira dos saques em dinheiro vivo, uma praga que parece ter se espalhado pelos poderes. Ainda que, confesso, eu esteja algo apreensivo com o perfil alimentar do nosso presidente. Senhor presidente, o tanto de carne vermelha que o senhor consome faz mal à saúde. O senhor deveria comer mais peixe e peito de frango. E deveria radicalizar nos vegetais orgânicos (ainda que isso venha lhe trazer problemas políticos no futuro, pois eles são mesmo bem mais caros do que os seus primos criados à base de agrotóxicos). Feito o reparo, reafirmo que o tema dos hábitos alimentares de Lula não me comove politicamente, nem tem importâcia. Eu acho que nisso a oposição concorda comigo. O que a oposição quer descobrir, ao fuçar as despesas presidenciais com os cartões corporativos, é alguma coisa que possa ser caracterizada como enriquecimento ilícito de Lula ou de sua família. Enriquecimento com dinheiro público. Como se sabe, a nossa oposição só acorda de seu sono profundo quando sente o cheiro de um escândalo que possa levar ao impeachment do presidente. Ou, como no caso da CPMF, quando se trata de atrapalhar algo que funciona (o financiamento da Saúde). Alguém sabe o que a oposição acha da queda na balança comercial brasileira? Do embargo europeu à nossa carne (vai sobrar mais para o Lula fazer seus churrascos)? Do possível acordo entre o Brasil e a França para implementar a nossa indústria bélica? Das dificuldades para fazer decolar o álcool de cana de açúcar como biocombustível global? Do desmatamento na Amazônia? A oposição brasileira é como o sujeito que fica em casa explorando a mulher e torcendo para ganhar na mega-sena. A mulher, nesta comparação, é a imprensa. Se houvesse uma greve de jornalistas, acho que passaríamos um bom tempo sem ouvir discursos oposicionistas em Brasília. Para concluir, é claro que é cedo para fazer apostas, mas eu acho que a oposição a Lula vai ficar, mais uma vez, a ver navios. O que não será exatamente um problema, desde que a crise atual resulte em mais controle do dinheiro público. O preocupante é que o único que dá a impressão de estar angustiado com isso sou eu mesmo.
por Alon Feuerwerker
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