quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Dossiê Veja - por Luis Nassif - fonte:http://www.viomundo.com.br


PRIMEIRA PARTE: OS "REPÓRTERES DE DOSSIÊ"

Atualizado em 13 de fevereiro de 2008 às 08:42 | Publicado em 12 de fevereiro de 2008 às 18:33

Diante do interesse público causado pelas reportagens sobre Veja publicadas na internet pelo jornalista Luís Nassif, pedi autorização a ele e obtive para reproduzir aqui o que ele escreveu. Publicarei a série completa nesta seção do site:

por Luís Nassif

Catarse e Midia

O maior fenômeno de anti-jornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja. Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico.

Para entender o que se passou com a revista nesse período, é necessário juntar um conjunto de peças.

O primeiro conjunto são as mudanças estruturais que a mídia vem atravessando em todo mundo.

O segundo, a maneira como esses processos se refletiram na crise política brasileira e nas grandes disputas empresariais, a partir do advento dos banqueiros de negócio que sobem à cena política e econômica na última década..

A terceira, as características específicas da revista Veja, e as mudanças pelas quais passou nos últimos anos.


O estilo neocon

De um lado há fenômenos gerais que modificaram profundamente a imprensa mundial nos últimos anos. A linguagem ofensiva, herança dos “neocons” americanos, foi adotada por parte da imprensa brasileira como se fosse a última moda.

Durante todos os anos 90, Veja havia desenvolvido um estilo jornalístico onde campeavam alusões a defeitos físicos, agressões e manipulação de declarações de fonte. Quando o estilo “neocon” ganhou espaço nos EUA, não foi difícil à revista radicalizar seu próprio estilo.

Um segundo fenômeno desse período foi a identificação de uma profunda antipatia da chamada classe média mídiatica em relação ao governo Lula, fruto dos escândalos do “mensalão”, do deslumbramento inicial dos petistas que ascenderam ao poder, agravado por um forte preconceito de classe.

Esse sentimento combinava com a catarse proporcionada pelo estilo “neocon”. Outros colunistas utilizaram com talento – como Arnaldo Jabor -, nenhum com a fúria grosseira com que Veja enveredou pelos novos caminhos jornalísticos.


O jornalismo e os negócios

Outro fenômeno recorrente – esse ainda nos anos 90 -- foi o da terceirização das denúncias e o uso de notas como ferramenta para disputas empresariais e jurídicas.

A marketinização da notícia, a falta de estrutura e de talento para a reportagem tornaram muitos jornalistas meros receptadores de dossiês preparados por lobistas.

Ao longo de toda a década, esse tipo de jogo criou uma promiscuidade perigosa entre jornalistas e lobistas. Havia um círculo férreo, que afetou em muitos as revistas semanais.

E um personagem que passou a cumprir, nas redações, o papel sujo antes desempenhado pelos repórteres policiais: os chamados repórteres de dossiês.

Consistia no seguinte:

O lobista procurava o repórter com um dossiê que interessava para seus negócios.

O jornalista levava a matéria à direção, e, com a repercussão da denúncia ganhava status profissional.

Com esse status ele ganhava liberdade para novas denúncias. E aí passava a entrar no mundo de interesses do lobista.

O caso mais exemplar ocorreu na própria Veja, com o lobista APS (Alexandre Paes Santos).

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Durante muito tempo abasteceu a revista com escândalos. Tempos depois, a Policia Federal deu uma batida em seu escritório e apreendeu uma agenda com telefones de muitos políticos. Resultou em uma capa escandalosa na própria Veja em 24 de janeiro de 2001 em que se acusavam desde assessores do Ministro da Saúde José Serra de tentar achacar o presidente da Novartis, até o banqueiro Daniel Dantas e o empresário Nelson Tanure de atuarem através do lobista.

Na edição seguinte, todos os envolvidos na capa enviaram cartas negando os episódios mencionados. Foram publicadas sem que fossem contestadas.

O que a matéria deixou de relatar é que, na agenda do lobista, aparecia o nome de uma editora da revista - a mesma que publicara as maiores denúncias fornecidas por ele. A informação acabou vazando através do Correio Braziliense, em matéria dos repórteres Ugo Brafa e Ricardo Leopoldo.

A editora foi demitida no dia 9 de novembro, mas só após o escândalo ter se tornado público.

Antes disso, em 27 de junho de 2001 Veja publicou uma capa com a transcrição de grampos envolvendo Nelson Tanure. Um dos “grampeados” era o jornalista Ricardo Boechat. O grampo chegou à revista através de lobistas e custou o emprego de Boechat, apesar de não ter revelado nenhuma irregularidade de sua parte.

Graças ao escândalo, o editor responsável pela matéria ganhou prestígio profissional na editora e foi nomeado diretor da revista Exame. Tempos depois foi afastado, após a Abril ter descoberto que a revista passou a ser utilizada para notas que não seguiam critérios estritamente jornalísticos.

Um dos boxes da matéria falava sobre as relações entre jornalismo e judiciário.

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O boxe refletia, com exatidão, as relações que, anos depois, juntariam Dantas e a revista, sob nova direção: notas plantadas servindo como ferramenta para guerras empresariais, policiais e disputas jurídicas.

SEGUNDA PARTE: A ASCENSÃO DO "BOIMATE"

Atualizado em 13 de fevereiro de 2008 às 08:37 | Publicado em 12 de fevereiro de 2008 às 19:52

Segunda parte da série investigativa sobre a revista Veja:

por Luís Nassif

A mudança de comando

Não vem ao caso discorrer, agora, sobre o fenômeno “Veja”. Mino Carta a lançou no final dos anos 60. A conformação final foi dada nos anos 80 pela dupla José Roberto Guzzo e Élio Gáspari, um misto de senso comum com matérias brilhantes, tendo como foco uma classe média não muito sofisticada.

O modelo não prescindia de ataques muitas vezes desqualificadores contra terceiros, lista negra de pessoas que não poderiam aparecer na revista, o direito de “detonar” quem quisesse, especialmente pessoas que se recusassem a passar informações para a revista, uma espécie de “marca da maldade”, mas com talento, que seria continuada por seguidores menos talentosos.

Com a saída de ambos, nos anos 90 houve uma sucessão de diretores seguindo um padrão: os que entravam eram jornalisticamente inferiores aos que eram substituídos.

Gradativamente o modelo passou a ser tocado por mãos menos habilidosas e, ano a ano, seus principais vícios acabaram exacerbados: agressividade desmedida, desqualificação, uso abusivo de dossiês suspeitos, matérias ficcionais. Mantinha-se a maldade, mas sem o talento.

Guzzo foi substituído por Mário Sérgio Conti. Mais tarde, assumiu Tales Alvarenga, falecido recentemente, e que foi o primeiro a estrear o estilo chulo dos “neocons”.

Logo depois, Tales foi chutado para cima, e seu posto ocupado por Eurípides Alcântara, o mais antigo dos quadros da Veja, e o último de sua geração a chegar ao posto de comando.Nos anos 80 Eurípides se destacara pela maior barriga da imprensa brasileira na década: o caso do “boimate” – um trote de 1o de abril da revista New Science, falando em cruzamento de boi com tomate na Universidade Hamburger, pelo Dr. McDonalds.

A matéria foi publicada em 27 de abril de 1983 como se fosse verdadeira. Com a ascensão de Eurípides, subiu também Mário Sabino, promovido a diretor adjunto. Sabino veio do jornalismo cultural e deixou má impressão por redações por onde passou, pela truculência desmedida, tosca, que lhe custara piadas venenosas e maliciosas, como única forma de reação dos subordinados.

Uma característica do jornalismo de Veja é que todas as matérias passam pelo diretor ou diretor adjunto. A imagem do “prego arranhando vinil” é antiga na revista, e serve para identificar os “cacos” que são plantados em reportagens por diretores pouco sutis. Em linguagem não jornalística, "cacos" são as modificações introduzidas no texto da reportagem original.

Dentre todos os diretores que Veja teve, nenhum praticou “cacos” tão ostensivamente grosseiros quanto Sabino. É capaz de assinar pessoalmente críticas recheadas de elogios ao último livro de Otávio Frias Filho, diretor da "Folha", ou de Ali Kamel, diretor de "O Globo". E enfiar um prego no comentário do crítico da revista, cometendo ataques gratuitos e não assinados contra colegas, como fez contra Mário Rosa ou outro jornalista cultural, Daniel Piza, por ocasião do lançamento de seu livro sobre Machado de Assis.

Eurípides e Sabino, tinham em comum a inexperiência com os chamados temas “duros” do jornalismo – política, economia e a grande reportagem. Sabino era da área cultural. Eurípides trafegara pela Editoria de Ciência e Internacional.

Sem grande ferramental técnico, passaram a exacerbar a agressividade, a desqualificação, a agressão gratuita.

Em 5 de outubro de 2005, após ter se recusado a dar uma entrevista exclusiva a Veja, a revista soltou uma matéria contra Maria Rita, tratando-a como “a filha de Elis”, sem mencionar seu nome, e acusando-a de dar um “mensalinho” para a imprensa: “Gravadora presenteia jornalistas com iPods. E eles agradecem falando bem da cantora”. Aproveitavam para começar a exercitar ataques contra colegas.

Nem se preocuparam em ouvir os acusados. Mesmo tendo um deles, Luiz Antonio Giron, enviado carta antes de a matéria ter sido publicada, informando que havia recusado o presente. Essa agressividade se repetiria contra José Miguel Wisnik, Marcelo Tas e um sem-número de artistas e intelectuais.

Embora assinadas por repórteres como Jerônimo Teixeira, Sérgio Martins e Felipe Patury, em todas elas havia as impressões digitais de Sabino.

O macartismo como blindagem


Passo relevante para entender o que se passou com Veja é se debruçar sobre a natureza do macartismo. Trata-se de um clima de guerra, onde se tolera tudo em nome da vitória sobre o inimigo.

É o cenário ideal para criar blindagens, porque permite jogar tudo no mesmo balaio, atacar indiscriminadamente pessoas como se fossem inimigas, defender interesses obscuros, tudo em nome da guerra santa.

Era o que faltava para a direção da revista romper com um dos pontos centrais da auto-regulação no jornalismo: os critérios jornalísticos para a publicação de matérias, o filtro técnico. É esse filtro que impede manipulações.

No macartismo, pode-se atropelar qualquer lógica em nome da guerra contra o inimigo externo. Sem filtros técnicos, o jornalismo pode ser manipulado e esconder-se atrás de supostas posturas ideológicas para praticar toda sorte de lobby.

Durante algum tempo, Veja se revestiu desse poder. Através de Eurípides e Sabino, usou e abusou da truculência. Criou um clima de noite de São Bartolomeu, em que tudo foi permitido, de ataques a políticos, artistas e jornalistas, até uma campanha inusitada contra um intelectual da USP, José Miguel Wisnik, por pura implicância de um editor.

À medida que a queda de padrão da revista começava a despertar críticas, Eurípides e Sabino desenvolveram uma tática de intimidação em cima dos jornalistas. Ataques a Alberto Dines, Luiz Weiss, Observatório da Imprensa. Depois, extravasando para outros jornalistas, como Kennedy Alencar, Eliane Catanhede, Luiz Garcia, Tereza Cruvinel, Franklin Martins. O recado estava implícito: nós temos um canhão; não se metam com a gente.

Mas, ainda assim, apenas a análise jornalística não explicava o que estava ocorrendo.

Em meio a tiroteios contra Lula, "aloprados", dólares de Cuba, olhares mais atentos percebiam características novas na revista. Como a ostensiva influência que passou a ter o publicitário Eduardo Fischer. Especialmente nos episódios chamados de "guerras das cervejas".


TERCEIRA PARTE: A GUERRA DAS CERVEJAS

Atualizado em 12 de fevereiro de 2008 às 20:26 | Publicado em 30 de janeiro de 2008 às 22:54

por Luis Nassif

A GUERRA DAS CERVEJAS

Há muito tempo, o publicitário Eduardo Fischer recebe tratamento privilegiado da Veja, especialmente através da seção Radar. Esse apoio ficou mais ostensivo nas chamadas "guerras das cervejas"

As notas visavam criar expectativas em cima de suas campanhas, reforçar sua imagem, em um mercado onde a imagem tem efeito direto sobre o valor das contas.

Em 25 de junho de 2003, o Radar anunciava uma nova campanha na praça, da Shincariol, comandada por Fischer. Seu papel não seria de um mero publicitário:

“Eduardo Fischer – justamente o publicitário que inventou para a Brahma o slogan "a número 1" – estará à frente da esquadra da Schincariol. Ele não criará somente as campanhas publicitárias. Fischer se meterá também na distribuição, estratégia de preços, criação de novos produtos e tudo o mais.”

Em 20 de agosto de 2003, o Radar falava de uma “ousada tacada” da Schincariol, que “viria nas asas de uma das maiores campanhas publicitárias que já se viram no setor de cervejas”. A idéia seria fazer desaparecer a marca Schincariol do mercado e, em seu lugar, criar uma nova marca para enfrentar a líder Skol.

Informava que “o publicitário Eduardo Fischer, comandante- em-chefe da virada da Schincariol, não confirma a informação. Mas onde há fumaça, há fogo – ou, neste caso, onde há espuma, há cerveja".

Em 18 de dezembro de 2003, uma grande matéria sobre a guerra das cervejas, mais uma vez enaltecendo o trabalho de Fischer.

“A gota de água dessa guerra foi uma brilhante campanha de propaganda feita para a Nova Schin pelo publicitário paulista Eduardo Fischer. Em noventa dias, ao custo estimado de 80 milhões de reais, Fischer conseguiu elevar a participação de mercado da Schincariol de 10,1% para 14,1%, segundo dados da ACNielsen. O salto é estrondoso.”.

Uma semana depois, em 24 de dezembro de 2003, através de um expediente bisonho abre-se novo espaço para Fischer, na seção de Cartas dos Leitores: a publicação de uma carta do próprio Fischer, dividindo as honrarias recebidas com sua equipe:

“Agradeço a menção elogiosa feita pela revista à campanha publicitária produzida pela FischerAmérica para um de seus clientes, o Grupo Schincariol, mas gostaria de ressaltar que a realização de um importante trabalho criativo não pode ser creditada a uma só pessoa. Quero destacar que a "brilhante campanha de propaganda feita para a Nova Schin", como a própria VEJA definiu, é fruto da competência, envolvimento e ativa participação de toda a equipe de criação da agência FischerAmérica, da qual muito me orgulho, em especial do diretor de criação, Átila Francucci.”

Cada passo de Fischer na Schincariol era precedido de espuma, na Veja – quase sempre na seção Radar, às vezes na Holofote.

Em 14 de janeiro de 2004, um mês após as notas anteriores, nova nota no Radar antecipando mais um sucesso do publicitário:

O "Experimenta" muda de guerra

“Agora que, pela nova regulamentação da propaganda de cerveja, não pode mais usar o "Experimenta" nos comerciais da Nova Schin, a Schincariol está estudando uma idéia que vai dar o que falar. Deve utilizar o mais bem-sucedido bordão publicitário dos últimos tempos para o relançamento do guaraná da empresa – que vem aí para incomodar o eterno líder Guaraná Antarctica e o Kuat.

O jogo de levantar a bola continuou em 2005. Durante toda a campanha da Schincariol, não havia mais ninguém para compartilhar do mérito: apenas Fischer. Em qualquer matéria consistente de negócios, há análises sobre outros fatores, como distribuição, pontos de venda, estratégias comerciais. Nas matérias da Veja, enfatizava-se apenas o lado de marketing e a genialidade de Fischer.

No dia 9 de dezembro de 2005, por exemplo, o Holofote soltava uma nota laudatória sobre o publicitário:

Há seis meses, o grupo de publicidade brasileiro Total fechou um contrato com a Portugal Telecom para lançar um novo cartão telefônico, o Uzo. O cartão pode ser usado em qualquer tipo de telefone de Portugal, seja ele público, fixo ou celular. Um instituto de pesquisa local diz que a campanha tornou a marca Uzo uma das mais conhecidas do país. O presidente da Total, Eduardo Fischer, ficou tão entusiasmado com o resultado que decidiu fundar uma filial européia. Será chamada Fischer Portugal e abrirá as portas em 2006.

O caso Femsa

Depois que Fischer perdeu a conta da Schincariol, a revista não falou mais da empresa, a não ser em matérias policiais, quando a diretoria foi presa por sonegação de impostos. A cerveja preferida agora, era outra, a Kaiser, a partir do momento em que contratou o publicitário.

No dia 24 de maio de 2006, Radar reservou seu melhor espaço para a contratação de Eduardo Fischer pela mexicana Femsa – que havia adquirido a Kaiser. Era um Box, com cor diferenciada e foto do publicitário, um lugar de destaque na seção de maior leitura da revista.

A nota era altamente laudatória.

Ele já produziu campanhas para Brahma, Skol e Nova Schin. Para a última, criou o slogan "Experimenta", que a AmBev denunciou como ilegal em 2003. Curiosamente, um relatório do banco Bear Stearns divulgado na semana passada afirma que a AmBev copiou a campanha do "Experimenta" no Peru. Até o momento, Fischer tem se recusado a falar sobre esse assunto.

No dia 4 de outubro de 2006 uma nota do Radar visava criar expectativa sobre a campanha da Femsa.

“O grande segredo do mercado publicitário e do setor de cervejas começa a ser desvendado nos próximos dias. Mas só em parte. Trata-se da retumbante estratégia da Femsa, a mexicana dona da Kaiser, para sacudir o mercado. O objetivo do diretor da Femsa, Ernesto Silva, é sair rapidamente dos cerca de 7,5% de participação de mercado para dois dígitos. Reservadamente, ele tem dito que haverá uma megacampanha para recuperar a marca Kaiser”.

A nota também saíra com destaque no Radar, em um box colorido e com a foto do diretor da FEMSA, Ernesto Silva.

No dia 18 de outubro de 2006, saiu uma matéria grande na editoria de Economia, “Duelo de Gigantes no Brasil”: “Mais uma guerra das cervejas está em curso. Desta vez, entre duas multinacionais”

Alguns pontos chamavam a atenção. Apesar das duas cervejarias estarem em São Paulo, a matéria foi preparada pelo repórter Ronaldo Soares, da sucursal do Rio de Janeiro, e editada pelo mesmo Lauro Jardim.

A matéria dizia que a Ambev teria montado uma sala de guerra para enfrentar os mexicanos. Seriam dois os motivos:

“Primeiro, a publicação de uma foto em que a bela atriz Karina Bacchi aparece beijando José Valien, conhecido como o "baixinho da Kaiser". Parte da imprensa chegou a acreditar que se tratava de um novo casal na praça, mas a tropa mobilizada pela AmBev não tardou a descobrir a verdade: era jogada de marketing da concorrente”

O outro motivo de alvoroço nas fileiras da AmBev foi que no mesmo dia começou a ser veiculada na TV a nova campanha publicitária da Femsa, gigante mexicana que comprou a Kaiser no início do ano. Os dois episódios marcaram o início de mais uma guerra das cervejas. Esse promete ser um combate como nunca houve no país. Mais barulhento do que o ocorrido em 2003, quando a Schincariol lançou a Nova Schin e surpreendeu o mercado com o bordão "Experimenta". Ou do que o duelo entre as brasileiras Brahma e Antarctica, no início dos anos 90”.

Na Ambev ninguém entendeu a razão da matéria. O fato da Femsa ser multinacional não significava nada, já que a Kaiser foi vendida para ela por outra multinacional – a canadense Molson – que falhou. No campo específico das cervejas, a Molson era maior que a Femsa - que também é sócia da Coca-Cola.

Depois, a troco de quê o Baixinho da Kaiser beijando uma modelo provocaria uma operação de guerra na líder disparada do mercado? E que história era aquela de um "um combate como nunca houve no país"?

Lauro Jardim foi procurado pela Ambev e informado de que não havia nenhuma operação especial contra a Femsa. Foi convidado a visitar a empresa, para conferir se havia alguma sala de guerra. Não adiantou. A matéria ironizou as declarações da Ambev:

"Não houve uma vírgula de mudança em nossas estratégias", diz Alexandre Loures, gerente de comunicação da AmBev. Não é bem assim. Internamente as discussões denotam um pouco mais de preocupação. A sala de guerra da empresa estava em estado de alerta havia meses, aguardando o início da ofensiva de Fischer”.

Não havia nenhuma fonte confirmando essa informação do “estado de guerra”. Tudo era espuma para criar uma expectativa junto ao público, uma guerra capaz de dar visibilidade à campanha e repercussão na mídia.

Como sempre, a matéria não poupava elogios a Fischer.

“O comandante da investida mexicana é o publicitário Eduardo Fischer, que já trabalhou para a rival – foi o criador do slogan "Número 1", para a Brahma – e depois se tornou um especialista em enfrentá-la. "Meu estilo é jiu-jítsu: quanto maior o tamanho (do concorrente), maior a queda", diz Fischer. Ele virou uma pedra no sapato da AmBev desde que criou a campanha "Experimenta", um sucesso tão estrondoso que em pouco mais de dois meses a Schincariol aumentou de 9% para 15% sua participação no mercado e virou um fenômeno no setor de cervejas.

A multinacional aposta que Fischer conseguirá repetir o sucesso da campanha de 2003. Embora a empresa não admita publicamente, sua meta imediata é tirar da Schincariol a vice-liderança nas vendas. "Uma companhia do tamanho da Femsa não vai entrar no Brasil para ser terceiro ou quarto lugar. Para fazer sentido investir aqui, ela vem no mínimo para ocupar a vice-liderança", afirma Poppe, da Mellon.

Poucos se deram conta desse jogo. A atenção da opinião pública e das demais publicações estava muito concentrada na campanha que a revista movia contra Lula.

No dia 29 de novembro outra nota no Radar, falando do Baixinho da Kaiser, nota incompreensível:

Baixinho invocado
Sem alarde, o baixinho da Kaiser mudou de namorada. Depois de terminar seu "romance" com a estonteante Karina Bacchi, ele aparecerá nos próximos dias namorando Adriane Galisteu. O cara é fogo!

Qual a justificativa para esse tipo de nota, que destoava completamente do estilo do Radar?

No dia 13 de dezembro de 2006, outra nota do Radar, falando da “artilharia da Femsa”, mas mostrando mudanças irrisórias no mercado:

Resultado (parcial) da guerra

A artilharia da Femsa sobre a AmBev acabou atingindo em cheio a Schincariol e parcialmente a Petrópolis. O resultado de novembro da Nielsen revela que a AmBev cresceu 0,2 pontos porcentuais no segundo mês de ataque da Femsa. Sua participação de mercado passou para 68,8%. A Femsa subiu de 8% para 8,5%. Já a Schincariol caiu de 12% para 11,4%. A Petrópolis perdeu 0,2 ponto porcentual e agora tem 6,7% do mercado.

No dia 5 de abril de 2007, finalmente, a revista Exame produziria uma matéria sobre o fracasso da Femsa:

Até agora, em vez de crescer, mesmo que lentamente, a fatia da empresa nas vendas nacionais de cerveja caiu meio ponto percentual. Está hoje em 8,5%, segundo o instituto AC Nielsen. (A situação já foi pior. Em junho do ano passado, a participação da empresa atingiu 7,4%.) A Sol ainda não pode ser considerada um sucesso de mercado e a Kaiser segue com problemas para aumentar as vendas. Há alguns meses, os mexicanos decidiram reposicionar a marca do Baixinho reduzindo o preço, para que ela passasse a competir com a Antarctica e a Nova Schin.

Mesmo assim, com a confirmação de que a estratégia da Femsa fracassara, através da seção Holofote, Veja insistia em levantar virtudes e afirmar que a empresa estava “incomodando a concorrência”. De que maneira? Com ações na Justiça.

No ano passado, com a compra da Kaiser, a mexicana Femsa entrou no mercado brasileiro de cervejas. O presidente do grupo no país, Ernesto Silva, ainda não conseguiu ameaçar a liderança da AmBev, mas já incomoda a concorrência. A seu pedido, a Justiça determinou a suspensão da venda da cerveja Puerto del Sol, da AmBev, para evitar confusão com a marca Sol, dos mexicanos. Como a ordem judicial não foi cumprida, a AmBev viu-se multada em 15 milhões de reais.

A saga da Femsa na Veja encerrou-se melancolicamente no dia 16 de maio de 2007. A coluna Radar informava que

Abril registrou uma mudança histórica no agitado mercado de cervejas brasileiro. Segundo os dados do Nielsen, a Petrópolis (dona da Itaipava, entre outras) ultrapassou a poderosa Femsa, dona das marcas Kaiser e Sol. É um fato inédito. Agora, a mexicana tem 8% do mercado total, contra 8,1% da brasileira.

A "batalha como nunca houve no país", a "retumbante estratégia", que permitiria à Kaiser ultrapassar a Shincariol e conquistar o segundo lugar, terminava com a Kaiser perdendo o terceiro lugar para a novata Petrópolis.

Uma leitura do balanço da campanha, no portfólio da Fischer América, permitiu entender a insistência da Veja em mencionar o Baixinho.


A campanha “surpreendente” criada para Kaiser também envolveu uma forte presença do Baixinho, gerando intenso boca-a-boca e dezenas de milhões de reais em mídia espontânea gratuita (apuração em novembro de 2006)".

As agências costumam conferir valores a matérias publicadas espontaneamente na imprensa, comparando a centimetragem das matérias com as da publicidade. Uma matéria de tal tamanho na Veja teria um valor considerável na contabilidade da campanha. Sem contar o efeito-indução sobre outras pubicações.

As notas sobre o Baixinho começavam a mostrar sua utilidade.

Durante esse período, a Ambev recebia tiros do Radar. E não se tratava de qualquer empresa, mas de um dos maiores anunciantes da Veja e da Abril. Outros personagens entraram na história, e, só após sua interferência, o Radar voltou a escrever positivamente sobre a Ambev. Como na nota de 7 de março de 2007:



QUARTA PARTE: PREFERÊNCIA "POR LICHTENSTEIN"

Atualizado e Publicado em 13 de fevereiro de 2008 às 08:36

Quarta parte da série investigativa sobre a revista Veja:

por Luís Nassif

O CASO ANDRE ESTEVES

A influência do publicitário Eduardo Fischer ficaria nítida em outro episódio, envolvendo o banqueiro André Esteves do Pactual, que se tornou bilionário após a venda do banco para o suiço UBS.

Foi uma venda tumultuada. Antes dela, Esteves negociou com a Goldman Sachs. Nas negociações apareceram várias irregularidades, especialmente nas relações entre o Pactual e uma subsidiária que mantinha nas Ilhas Virgens. Escrevi longamente a respeito, na "Folha".

Esteves tinha pendências sérias com a Receita e Banco Central. Já tinha sido autuado por irregularidades, e dependia de uma decisão do Conselhinho (o Conselho de apelação do Ministério da Fazenda) para se reabilitar e remover os derradeiros obstáculos à venda. Cultivava uma relação estreita com o então Ministro da Fazenda Antonio Palocci.

Na época, apesar da profusão de informações sobre o tema, Veja limitou-se a algumas notas sobre as negociações, sem jamais tangenciar as irregularidades.

Depois de ter participado do IPO da UOL, Esteves teve a pretensão de montar uma operação de salvamento da Editora Três - concorrente da Abril.

Acabou recebendo um recado sutil, em matéria do dia 28 de fevereiro de 2007:

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Dois recados não passaram despercebidos dos observadores mais argutos. Um deles, a informação de que colecionava obras de arte e Lichtenstein era um de seus preferidos. Não se tratava do pintor, mas de um recado sutil sobre uma suposta conta que haveria no paraíso fiscal, através da qual Esteves financiaria a campanha eleitoral de uma alta autoridade.

O segundo recado estava na menção ao seu interesse pela mídia - "isto é, revistas, televisão e sites", como dizia a matéria.

Depois do ataque, Esteves procurou especialistas para se aconselhar. Nas reuniões, informou ter sido procurado por Eduardo Fischer, que teria uma boa entrada na Veja. Foi desaconselhado a ir até lá com um publicitário. Afinal, nenhum órgão de imprensa gosta de ser pressionado por publicitários. E o ataque da Veja parecia pontual.

Mas repórteres continuavam levantando dados sobre ele. E Fischer não iria na condição de publicitário, mas de amigo de Eurípedes Alcântara.

Acabaram indo. A intervenção teve efeito rápido. A outra reportagem que estava sendo tocado foi paralisada. E o banqueiro voltou a conviver com notas favoráveis.

Quinta Parte:

O caso COC

O macartismo a serviço de disputas comerciais

No episódio Esteves, os ataques obedeciam a interesses da Abril. A forma como foram interrompidos pode ser creditada a Eurípedes.

Não foi a única vez que a Abril se utilizou da metralhadora da Veja para batalhas comerciais. Só que o "prego sobre vinil" era tão evidente que, à primeira leitura, se percebiam as intenções da reportagem.

No dia 13 de junho de 2007, a revista investiu contra o curso apostilado da COC – sistema privado de ensino. A matéria era sobre a mãe de um aluno que denunciava "conteúdo subversivo " no material do COC.

O trecho de maior impacto era uma lição sobre “como conjugar um empresário”, efetivamente de baixo nível.

Quando li a matéria, percebi que o tom não era de uma reportagem convencional. Estava mais no campo das disputas comerciais. Nela, se estimulava os pais de alunos a exigirem o fim do convênio. O "prego sobre vinil" de Sabino era muito evidente para qualquer jornalista com um mínimo de experiência.

No dia 13 de junho publiquei uma nota no Blog estranhando o tom da matéria (clique aqui).

"Segue-se uma longa catilinária, com uma conclamação para que colégios deixem de utilizar o material do COC. "O colégio onde estuda a filha reagiu com coragem e correção. Não renovou o contrato com o COC e mandou tirar de sua própria apostila o texto em questão". Depois, críticas genéricas de especialistas contra a má qualidade dos livros didáticos, mas sem deixar claro se são críticas genéricas ou específicas.

Faltou à matéria informar que a Editora Abril, através de duas editoras que adquiriu nos últimos anos, é concorrente direta do COC no fornecimento de material didático às escolas, que a matéria favorece a Abril nessa disputa, que a defesa do COC aparece em apenas uma frase do proprietário.

Eis aí uma das facetas mais perigosas dessa concentração de poder na mídia. Pode-se utilizar a notícia como ferramenta empresarial para sufocar concorrentes, sem o risco desse tipo de posição ser questionada por outros veículos."

Estimulado pela nota, um leitor sugeriu que comprasse a última edição da revista Cláudia. Nela, uma reportagem com Cláudia Costin, então vice-presidente da Fundação Victor Civita, anunciando a entrada da Abril no sistema de cursos apostilados (clique aqui):

"Cresce o número de escolas privadas e redes municipais que firmam convênios com grandes sistemas de ensino. De acordo com Claudia Costin, vice-presidente da Fundação Victor Civita, quem comprou um método saiu-se melhor na Prova Brasil: "Bem ou mal, essas instituições passaram a contar com um material que diz claramente o que fazer em cada aula. O plano de aula, embora pareça um pouco totalitário, garante a aprendizagem". (...)

O grupo Abril, que engloba as editoras Ática e Scipione, tam bém colocou no mercado o próprio sistema de ensino, o Ser, que poderá ser adotado a partir de 2008 e põe à disposição dos professores o conteúdo das publicações da editora (incluindo a revista CLAUDIA)".

A nota provocou um comentário, colocado no meu Blog pela vereadora Soninha:

"Bingo! E, como mostrou o www.imprensamarrom.com.br, a MESMA repórter que fez a matéria detonando o COC assinou, meses atrás, um texto que exaltava o sistema como modelo de educação que dá certo! Na própria Veja! Êta, nóis".

Fui atrás. Era uma matéria altamente laudatória ao COC, publicada pouco tempo antes.

A matéria elogiava a eficiência dos cursos apostilados, oferecidos pelo setor privado. E apresentava como modelo maior o próprio COC.

O que teria levado a uma mudança tão brusca de opinião, a ponto da segunda matéria sequer fazer menção aos elogios contidos na primeira?

No dia 19 de junho, conversei com Chaim Zaher, dono do COC, que me deu o seguinte depoimento:

"Pouco tempo atrás fui procurado por uma repórter de "Veja", que resolveu fazer uma matéria sobre o material didático do COC, pelo fato de termos sido premiados pela qualidade do material. A matéria saiu com muitos elogios.

Pelo que me parece, a revista não estava informada sobre a entrada da Abril nesse mercado. Não sei o que aconteceu internamente, mas na edição seguinte da revista Cláudia, a Abril anunciava sua entrada no mercado, mencionava o Anglo e o Objetivo, e não fazia nenhuma menção ao COC, que, segundo a matéria da "Veja", era o mais premiado. Aí, a denúncia da jornalista, mãe de uma aluna, caiu em seu colo e fizeram aquele carnaval.

Jamais declarei à repórter que o COC errou nos trechos mencionados, como saiu publicado. O que lhe disse é que todo material didático está sujeito a erros, e isso acontece com o nosso material e com os de todos nossos concorrentes. E que nosso trabalho é ir corrigindo os erros, quando identificados. Ela colocou que eu teria admitido os erros.

O material "Conjugando o Empresário" não consta das apostilas do COC. Foi um professor do "Pentágono" que copiou esse texto do vestibular da UFMG e distribuiu para seus alunos, na sua classe. Tanto que nenhuma outra escola tem esse material. Expliquei para a repórter, mas colocaram na reportagem de tal maneira que ficou parecendo que o material era do COC.

Mandei uma carta para a revista, pedindo que retificassem o que me foi atribuído. Não publicaram a carta. Muitos pais de alunos do COC mandaram cartas à revista com cópia para mim. Nenhuma saiu, só as cartas contrárias, e que se basearam na matéria da "Veja".

Recebi muitos telefonemas de solidariedade, mas ninguém quer dar a cara para bater, temendo retaliação da revista".

Só depois de publicado todo esse dossiê no Blog, no dia 27 de junho a revista resolveu retificar a menção incorreta ao COC, certamente pressionanda pela direção da Abril, dado o histórico de quase nunca publicar cartas de retificação sobre seus erros.



Nesses episódios, o interesse mais evidente era da Abril. Em outros episódios, o jogo se torna mais enrolado. O prego passa a arranhar cada vez mais o vinil, com uma falta de técnica jornalística inversamente proporcional à confiança desmedida de que ninguém ousaria apontar essas manipulações.


Sexta parte:

Primeiros ataques a Dantas

No começo, ataque implacável ao banqueiro

Enquanto a guerra santa contra Lula campeava à solta, os novos diretores davam início a movimentos não muito claros, que só começariam a fazer sentido nos meses seguintes.

Um dos primeiros atos de Eurípides foi contratar o jornalista Márcio Aith, profissional respeitado, passagens pela “Gazeta Mercantil” e “Folha de S. Paulo”. Pouco antes, Aith ganhara destaque com a matéria sobre o “dossiê Kroll”, publicado na "Folha de S. Paulo que implicava Daniel Dantas na espionagem de adversários e membros do governo

Nos meses seguintes, Dantas seria submetido a um tiroteio de denúncias. Era a primeira parte da estratégia da Veja, já sob nova direção.

Poderia ser para atingir a concorrente IstoÉ - claramente alinhada com Dantas. Poderia ser uma forma de chamar o banqueiro para conversar.

No dia 28 de julho de 2004, saiu o primeiro petardo contra Dantas. Na matéria “Um negócio de espiões”, de Alexandre Oltramari, ele era frontalmente acusado de espionar autoridades brasileiras (clique aqui).

“O caso mais explícito, e o mais grave, é a vigilância de espiões sobre os passos de Cássio Casseb, atual presidente do Banco do Brasil e ex-conselheiro da Telecom Italia. Nos relatórios divulgados na semana passada, fica-se sabendo que a Kroll Associates, a maior empresa de investigação corporativa do mundo, contratada pelo Opportunity, andou no encalço de Casseb por quase um ano, tendo, inclusive, monitorado suas contas bancárias pessoais – numa flagrante violação da lei brasileira.

Nesses movimentos iniciais, nas matérias da Veja Dantas era o vilão; os demais, suas vítimas.

As entradas de Dantas na revista se davam, apenas, através da seção Radar, de Lauro Jardim. Mas, de uma maneira geral, a linha editorial da revista continuava na direção oposta: atacar Dantas.

No dia 3 de novembro de 2004, outro petardo contra Dantas: a matéria “O dia da caça”, assinada por Márcio Aith. O subtítulo já era indicativo do tom da matéria:

“A Polícia Federal deflagra uma operação contra a Kroll, que, contratada pelo banqueiro Daniel Dantas, pode ter espionado até o ministro José Dirceu”.

Na matéria se dizia que:

A Kroll, contratada pela Brasil Telecom dominada por Dantas, foi acusada de usar métodos ilícitos numa investigação que teria como objetivo levantar informações comprometedoras sobre a Telecom Italia. Os indícios de que a empresa de investigação vinha agindo à margem da lei foram reforçados à Polícia Federal pela própria Telecom Italia.

Conversas entre Verdial e seu chefe, o inglês que se apresenta como William Goodall, mostram também que fontes policiais e da Receita Federal foram pagas pela Kroll para facilitar o acesso da empresa a informações sigilosas de seus investigados.

A matéria revelava as ligações jornalísticas de Dantas

Os documentos repassados à Polícia Federal pela Telecom Italia incluem um e-mail que a PF atribui ao jornalista Leonardo Attuch, da revista IstoÉ Dinheiro. A mensagem foi enviada em setembro para Charles Carr, chefe do escritório da Kroll em Londres. Nela, o remetente, que se identifica por meio do pseudônimo "Silvio Berlusconi", comenta em tom de intimidade uma reportagem que havia feito sobre a empresa italiana Tecnosistemi, ligada ao grupo Tim e envolvida em denúncias de falência fraudulenta (na edição datada de 14 de julho deste ano, a revista IstoÉ Dinheiro saiu com uma reportagem sobre o assunto, assinada por Attuch). No fim da mensagem, o remetente afirma que gostaria de ter acesso "à informação que você tem sobre o Dirceu". Conclui dizendo: "Tenho certeza de que renderia uma grande reportagem."

No final da matéria havia um boxe, “O gênio do mal”, de Lucila Soares e Monica Weinberg, traçando um perfil de Dantas.

“Também seus colegas na corretora Triplic, onde trabalhou no início da carreira (quando ainda usava rabo-de-cavalo e bolsa a tiracolo), espantavam-se com seu talento, que lhe rendeu o apelido de "professor Gavião, o gênio do mal". Era só uma brincadeira de jovens, mas já caracterizava um estilo marcado pelo hábito de "agir na fronteira", na definição do próprio Dantas. A expressão traduz uma ousadia que, segundo amigos, é capaz de levar o banqueiro a atuar freqüentemente no limite da legalidade”.

No dia 18 de maio de 2005 sairia uma terceira grande matéria, “A Usina de Espionagem da Kroll”, assinada por Marcelo Carneiro e Thais Oyama, em cima de uma operação da Policia Federal contra a Kroll. Anotem a data porque marca o fim da era de críticas a Dantas.

Dizia a matéria:

“Até então, porém, suspeitava-se que a empresa havia atropelado os limites estabelecidos pela Constituição para atender apenas aos interesses da Brasil Telecom – até o mês passado comandada por Daniel Dantas, do banco Opportunity. O material reunido pela PF no curso da investigação, batizada de Operação Chacal, revela, no entanto, que pelo menos desde a década de 90 a Kroll se dedica a monitorar a vida de dezenas de pessoas, entre elas políticos e empresários – e nem sempre por meio de expedientes legais”.

O simples fato de se saber que praticava ilegalidades já seria suficiente para ser tratado com cautela por qualquer jornalismo sério. A revelação de que comprava reportagens recomendava afastamento total.

Nos meses seguintes, porém, uma profunda transformação aconteceria na linha editorial da revista que denunciara, pouco antes, essas manobras de Dantas.

Sétima parte:

Os assassinatos de reputação

O assassinato de reputações, como arma comercial

Aí é necessário uma pausa para retornar ao tema do jornalismo de negócios.

No primeiro capítulo, mencionei o uso de matérias jornalísticas nas guerras empresariais e nos processos judiciais. Uma das ações mais abjetas praticada pelo submundo que orbita em torno das chamadas empresas de inteligência - como a Kroll - é o “assassinato de reputação”. Esse é o termo adotado nesse meio.

Trata-se de manobras para levantar escândalos falsos ou verdadeiros, visando destruir a confiança da opinião pública em determinada pessoa.

Alguns episódios são bastante ilustrativos sobre esse tipo de ação, dois deles protagonizados pelo jornalista Ricardo Boechat.

Em abril de 2001, assessores de Dantas procuraram várias mulheres jornalistas do Rio de Janeiro com a história de que a ex-mulher de Luiz Roberto Demarco - o arquiinimigo de Dantas - teria sido espancada pelo marido. Conversaram com Elvira Lobato, da “Folha”, Fernanda Delmas, de “O Globo”, jornalistas do Estadão e da Gazeta Mercantil.

O assessor apresentava um BO (Boletim de Ocorrência) lavrado em uma Delegacia de Mulher. BO não representa julgamento nem apuração: é apenas uma denúncia que qualquer pessoa pode fazer, bastando comparecer a uma delegacia. Depois, é que se se irá conferir se tem fundamento ou não.

Procurado, Demarco mostrava o processo de separação. Como a denúncia não era clara ou confiável, ninguém deu nada.

No dia 22 de abril de 2001, aproveitando-se das férias do titular, os assessores do Opportunity conseguiram emplacar uma nota na coluna do Boechat:

Caso de polícia

O empresário Luiz Roberto Demarco, que anda às turras com o Opportunity, tem um grande problema doméstico. Sua ex-mulher, a executiva Maria Regina Yazbek, entrou na Justiça de São Paulo pedindo a reintegração de posse do BMW Z3, que foi tomado depois de uma separação litigiosa.

O carro era um presente de aniversário.

Demarco espancou a ex-mulher, que ficou internada seis dias no Hospital Albert Einstein.

A agressão foi registrada na 2. Delegacia da Mulher em São Paulo."

De volta das férias, Boechat percebeu a manobra. No dia 6 de maio de 2001 deu, com o mesmo destaque, a retratação da notícia.

"Baixo nível

É pesado o jogo contra Luiz Roberto Demarco, antigo sócio do banqueiro Daniel Dantas e hoje seu adversário em várias ações judiciais.

Semana passada, vários jornais receberam notícias inexatas sobre o processo de divórcio do empresário, tentando atingi-lo moralmente.

A manobra foi conduzida junto às redações por uma assessoria de imprensa a soldo do Banco Opportunity, do qual Dantas é proprietário."

Se tivesse sido constatada a agressão, na qual a vitima supostamente teria ficado seis dias internada no Einstein, o BO teria evoluído para um inquérito policial. Nunca teve seqüência.

A seriedade jornalística custou caro a Boechat. Alguns meses depois, foi abatido por um “assassinato de reputação" cometido pela mesma revista Veja (e já mencionado no primeiro capítulo da nossa história). A revista divulgou um grampo com uma conversa de Boechat com uma fonte, que em nada depunha contra o jornalista. A mão de Dantas estava por trás do dossiê. Do lado da Veja, as mãos que cometeram o "assassinato de reputação" ainda eram outras.

Na correspondência entre a Kroll e a Brasil Telecom, quando Dantas ainda estava no controle da empresa, era mencionada expressamente a tática do “assassinato de reputação (character assassination) (clique aqui).

Clique para ler em tamanho normal

Dantas ainda estava na era dos pequenos assassinatos. Com pouca entrada na mídia – em função de sua biografia –, precisava apelar para blogs contratados e para jornais fantasmas.

No dia 17 de março de 2004, um tal de “O Povo”, do Rio de Janeiro, tiragem de 2 mil exemplares, publicou matéria escandalosa sobre Demarco.

Plantada em “O Povo” e em um site jurídico, a notícia foi vertida para o inglês e incluída no processo de Nova York, do Citigroup contra Dantas.

Nem houve como processar o tal jornal, que desapareceu na poeira.

Conto isso para mostrar qual era a situação de Dantas no momento em que Veja começou a atacá-lo. Sua única perna na mídia – o jornalista Leonardo Attuch – estava sendo bombardeado pela revista de maior circulação do pais. Os outros pontos de apoio – Giba Um e Cláudio Humberto, o tal de “O Povo” – eram utilizados nos processos judiciais, mas não conseguiam chegar até os formadores de opinião.

Por aqueles dias, Dantas vivia seus piores momentos, uma sucessão de episódios que parecia marcar o fim de sua aventura.

Em julho de 2004 saiu a matéria de Márcio Aith, na “Folha”, sobre o caso Kroll. Em outubro de 2004, a Policia Federal deflagrou a Operação Chacal que pela primeira vez pegou Dantas. Hoje ele responde a três processos na 5a Vara Federal: formação de quadrilha, corrupção ativa e espionagem.

No início de 2005, o Citibank demitiu Dantas por “quebra de confiança fiduciária” - imputação gravíssima no mercado. Os fundos de pensão já tinham feito o mesmo. E, agora, Veja
começava a torpedear seus únicos pontos de contato com a mídia.

O que fazer? Dantas procurou se aproximar da revista. A maneira como conseguiu penetrar no centro de comando da Veja e colocar a revista no lugar de "O Povo", merece um capítulo à parte.

Oitava parte:

O quarteto de Veja

Dantas se aproxima e a revista muda seu rumo editorial


Disparados os primeiros petardos, Dantas procurou se aproximar de várias frentes na Veja. Há tempos mantinha relacionamento com Lauro Jardim, editor da seção Radar, onde costumava plantar corriqueiramente balões de ensaio.

Em meados de 2005, provavelmente entre maio e junho, a relação se amplia. 18 de maio de 2005 é a data do último ataque a Dantas; 15 de junho de 2005 o início ostensivo da mudança de rota.

Através de Jardim, Dantas se aproxima de Eurípedes. Pareciam até movimentos concatenados da parte da direção da revista. Primeiro, os ataques a Dantas e a seus representantes na imprensa. Depois, a abertura para conversas.

Nesse jogo, o papel mais ostensivo passaria a ser desempenhado por Diogo Mainardi. Pouco tempo antes, ele havia escrito algumas colunas falando de fundos de pensão. Por alguma razão, houve uma espécie de leilão no Rio de Janeiro para conseguir seu passe.

O mundo dos lobbies cariocas

E aí vale uma segunda pausa para falar do mundo de lobbies do Rio. São pessoas com bom trânsito com imprensa, empresas, políticos e judiciário. Em geral pulam de um lado para outro, oferecendo serviços especialmente em grandes embates empresariais ou políticos.

Nos últimos tempos se consolidaram dois grupos mais atrevidos. Um, comandado por Nelson Tanure, do Jornal do Brasil; outro, por Daniel Dantas.

Tanure foi o primeiro a perceber a importância empresarial das disputas judiciais. Elas não são um fim em si mesmo, mas um instrumento para abrir campo para acordos vantajosos. Foi assim que conseguiu vultosa indenização do Bradesco, para interromper uma ação contra a aquisição do Banco Boa Vista.

Depois, passou a dar assessoria para empresas em luta contra Dantas, como a canadense TIW.

Mainardi havia começado a ganhar destaque por subir vários tons nas ofensas contra Lula e também pelo uso de dramas familiares como tema de colunas – o que despertara simpatia em parte do público da Veja.

Adversário de Dantas, Nelson Tanure tentou levá-lo para o Jornal do Brasil. Veja acabou cobrindo a proposta, praticamente dobrando o salário de Mainardi.

Não sei a razão objetiva desse assédio. Poderia ser o fato de Mainardi ter mostrado ser "colunista sela” – nome que se dá ao colunista pouco informado que se deixa "cavalgar" pela fonte, tornando-se mero repassador de recados, em troca da repercussão que as notas proporcionam. Pelo menos no início, deveria ser esta a lógica que consolidava a parceria.

O fato é que os os lobistas perceberam em Mainardi um colunista em disponibilidade. Além disso, seu próprio papel de “para-jornalista” na revista – papel que, na “Folha”, é exercido com muito talento por Zé Simão; no “Globo”, por Agamenon Mendes Pedreira – rompia com os limites do jornalismo e abria campo amplo para divulgar qualquer informação que lhe fosse entregue, mesmo sem a necessidade sequer de um simulacro de apuração jornalística. E Mainardi se revelaria com falta de escrúpulos suficiente para cometer qualquer assassinato de reputação que lhe fosse encomendado.

Naquele período, figura tipicamente carioca que transita por esses ambientes teve alguns almoços com Mainardi e me contou a impressão que ele lhe passou.

Pessoalmente tímido até o limite de não levantar os olhos para encarar o interlocutor; escassa informação em política, história e, especialmente, sobre o intrincado mundo dos negócios e das disputas empresariais. Mas ávido pelas benesses que a exposição jornalística trazia.

Obviamente nenhum colunista iria enveredar tão ostensivamente pelo mundo das guerras corporativas e "assassinatos de reputação" se não tivesse respaldo de sua chefia maior.

O acerto de Veja com Mainardi foi precedido de uma aproximação entre Eurípedes e Dantas, intermediada por Lauro Jardim.

A partir de então, Eurípedes passou a ter ligação direta com o banqueiro. Conversam corriqueiramente, sem prejuízo dos contatos de Dantas com Jardim e Mainardi. O diretor abria espaço por cima; os colunistas entravam com a mão de obra.

O trio se tornava, então, o quarteto de Veja que, dali por diante, entraria de cabeça na campanha a favor de Dantas: Eurípedes Alcântara, Mário Sabino, Lauro Jardim e Diogo Mainardi.

Nos meses seguintes, ocorreria uma mudança radical no tratamento dado pela revista àquele que, segundo ela própria, tinha por hábito grampear, montar dossiês falsos e comprar jornalistas.

Como vocês se recordam, os três grandes petardos de Veja contra Dantas saíram nas seguintes datas:

  • No dia 28 de julho de 2004, “Um negócio de espiões”
  • No dia 3 de novembro de 2004, “O Dia da Caça”
  • No dia 18 de maio de 2005, “A Usina de Espionagem da Kroll”

A mudança de linha se dá nitidamente na edição de 15 de junho de 2005, menos de um mês após a publicação da matéria mais dura contra Dantas.

Na mesma edição, Gushiken foi atacado em nota do Radar, segundo a qual Lula estaria atribuindo-lhe culpa pelos problemas de comunicação do governo; outra nota fazia ilações entre Gushiken, as ações dos fundos e Delúbio Soares.

De vítima de Dantas, Gushiken começava, a partir de então, a se tornar seu algoz, de acordo com a construção jornalística que Veja começou a montar.

Na edição seguinte, de 22 de junho de 2005, o Radar soltava uma saraivada em cima dos fundos de pensão que disputavam o controle da Brasil Telecom. Uma nota “denunciando” o aluguel de um jatinho pela Previ, para levar um companheiro (para poder chegar a tempo ao enterro do irmão). E outra sobre um suposto “gigantesco prejuízo” do fundo Petros.

Na mesma edição, nota sobre Gushiken insinuando que se preparava para ocupar o lugar de José Dirceu. Em uma edição, se tentava mostrá-lo fraco; na outra, todo poderoso, com o claro intuito de jogá-lo no epicentro do terremoto político que se avizinhava.

Mas era apenas aquecimento. Embalada pela blindagem proporcionada pelo campanha contra Lula, Veja se desarmava dos cuidados necessários e caía de cabeça nos "assassinatos de reputação".

Daniel Dantas conseguia sair de "O Povo" e passava a influenciar diretamente a maior revista semanal brasileira.

Nona Parte:

Os primeiros serviços

Gamecorp e a estratégia de defesa de Dantas

No dia 16 de maio de 2006, sob fogo cruzado - depois de seu dossiê sobre as "contas secretas" de autoridades no exterior ter sido desmascarado -, Daniel Dantas concedeu entrevista à "Folha de S. Paulo" (leia aqui e aqui). Foi uma entrevista, como se denomina no jargão jornalístico, para "levantar a bola".

A repórter levantou duas bolas para Dantas cortar. O que significava que os dois argumentos foram selecionados por Dantas como os mais significativos de sua estratégia de ataque-defesa.

Um deles, o caso do investimento da Telemar na Gamecorp - empresa de jogos eletrônicos, da qual o filho de Lula é um dos sócios. O outro, a atuação do ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Edson Vidigal, que concedeu liminares aos cotistas da CVC-Opportuniy, permitindo que retomassem o controle das mãos de Dantas.

Era uma entrevista defensiva, que sintetizava os dois principais argumentos de defesa. Através deles, Dantas pretendia provar que estava sendo vítima de perseguição política do governo.

Nem se entre, por enquanto, no mérito das denúncias. Nem vamos colocar nessa trama o papel do Ministro Antonio Pallocci - que, na entrevista, Dantas afirma ter trabalhado por sua destituição. Apenas chamar a atenção para o fato de que, naquele mesmo período, de herói da estabilidade, para a Veja, em pouco tempo Palocci se transformou em vilão. Passou a ser alvo de campanha cerrada, até sucumbir ao seu próprio ato criminoso de quebrar o sigilo do caseiro.

Por ora, vamos rever como Veja tratou do caso Gamecorp e Edson Vidigal nos anos anteriores, justo naqueles meses de 2005 em que se consolidou sua ligação com Dantas.

Nesse capítulo, o caso Gamecorp; no próximo, o caso Edson Vidigal.

A ginástica da Gamecorp

Como vocês se recordam, da leitura do capítulo anterior, o último ataque de Veja a Dantas foi no dia 18 de maio de 2005; a primeira defesa ostensiva, no dia 15 de junho de 2005.

No dia 4 de agosto de 2005 publiquei uma coluna em que revelava que a ida a Lisboa de Marcos Valério - o publicitário do "mensalão" - tinha sido a serviço de Dantas, e não de Lula, como insinuado em algumas notas de jornais (clique aqui).

A agência de Valério era contratada da Telemig Celular - controlada pelo banqueiro. Pouco tempo antes houve uma reunião entre o staff de Dantas e dirigentes brasileiros da Portugal Telecom (controladora da Vivo), onde lhes foram oferecidas as empresas Telemig Celular e Amazônia Celular.

Havia razões para essa ofensiva de Dantas.

No dia 12 de abril de 2004, o Citigroup havia entrado com uma ação de perdas e danos contra Dantas na corte de Nova York (clique aqui).

Em maio de 2004, o presidente do Superior Tribunal de Justiça cassara a liminar que impedia a realização da Assembléia Geral Extraordinária do CVC-Opportunity - o fundo que controlava a Brasil Telecom -, na qual Dantas seria destituído.

O banqueiro corria contra o relógio para vender o controle das duas empresas, antes que perdesse o poder de mando sobre elas

Era esse o ambiente na época quando escrevi sobre Dantas.

Dez dias depois, no dia 14 de agosto de 2004 recebi o primeiro ataque de Diogo Mainardi. O pretexto foi uma nota em que criticava seu procedimento de ter revelado a identidade de uma fonte depois de lhe ter garantido o “off”. Era apenas um parágrafo no qual seu nome sequer era citado.

A reação foi desproporcional. O titulo da coluna de Mainardi era agressivo: “Chega de ética, Nassif”. O intertítulo, mais ainda (clique aqui).

A profusão de acusações lançadas - dentro do padrão Veja - mostrava que a intenção não era apenas polemizar: era claramente praticar uma "assassinato de reputação".

Me acusava de ter feito um "panegírico apaixonado" a uma empresa que patrocinava o site do Projeto Brasil; de ter defendido o investimento da Telemar na Gamecorp em retribuição a uma campanha publicitária veiculada em meu site pelo BNDES; e de copiar e-mail de Luiz Roberto Demarco, o arqui-inimigo de Dantas. Os ataques encaixavam-se plenamente na definição de "assassinato de reputação" das guerras empresariais ou políticas.

Pesquisando nos arquivos da "Folha" descobri que, uma vez, em quatro anos, escrevi um elogio de duas palavras ao fundador da empresa: ele tinha montado uma "gestão inovadora". E nada mais.

Não havia relação causal entre a campanha do BNDES e meu artigo sobre a Gamecorp. Apesar de sócio da Telemar, o banco não tem por norma participar de decisões de investimentos de nenhuma empresa da qual seja acionista - menos ainda em valores tão insignificantes (para o porte da Telemar) quanto o que foi aportado na Gamecorp. E a campanha do BNDES, de apenas um mês, tinha sido montada especificamente para sites na Internet, e contemplado dezenas deles.

Como Mainardi jamais havia escrito sobre tema intrincado como esse, era óbvio que estava sendo "cavalgado" por Dantas, que lhe entregara o dossiê pronto. Aliás, como em praticamente todas as colunas que escreve sobre disputas empresariais.

As impressões digitais de Dantas eram tão óbvias que no dia 16 de agosto de 2005 respondi ao ataque de Mainardi em minha coluna, na própria “Folha” (clique aqui). No dia 19, a “Folha” publicou no Painel do Leitor uma contestação à coluna assinada por Maria Amália Cotrim, porta-voz do próprio Opportunity, com os mesmos argumentos brandidos por Mainardi em sua coluna (clique aqui) – e na que sairia na semana seguinte.

De nada adiantaram minhas explicações ou a carta de Paulo Totti, do BNDES, à Veja.

A carta de Totti saiu escondida na seção de Carta dos Leitores.

Na mesma edição, outro artigo de Mainardi, repisando os ataques e passando ao largo das explicações dadas (clique aqui).

Mais tarde ficariam claros os motivos que o levaram a incluir a Gamecorp em seu ataque.

Na ação movida pelo Citigroup, uma das estratégias da defesa de Dantas era sustentar que o banqueiro estava sendo vítima de perseguição política. E apresentar como evidência o fato da empresa do filho do presidente ter recebido aporte de capital da Telemar, concorrente de Brasil Telecom. Por isso mesmo, qualquer análise que mostrasse lógica econômica no investimento estaria enfraquecendo a argumentação de Dantas no processo.

Em 11 de janeiro de 2008, a "Folha Online" trouxe matéria que comprovava amplamente essa tática (clique aqui).

Advogados do grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, apresentaram à Justiça de Nova York documento em que acusam acionistas da Oi (ex-Telemar) de corrupção de membros do PT no governo para conseguir que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva altere a legislação para permitir a compra da Brasil Telecom, como publicado na edição de hoje da Folha de S.Paulo íntegra disponível somente para assinantes do jornal e Uol).

O documento, obtido pela Folha, também menciona o investimento milionário na empresa do filho do presidente Lula, a Gamecorp, que provocou polêmica em 2005. Os advogados do Opportunity alegam que a então Telemar tinha interesse na mudança da legislação do setor de telecomunicações, mas não apresentam provas da acusação.

Essa linha de defesa tinha começado a ser montada justamente no período em que Mainardi sacou do coldre a Gamecorp.

O espírito persecutório

A única informação correta era a respeito do email de Luiz Roberto Demarco – um inimigo de Dantas, compulsivo até o limite da obsessão - que, de fato, havia me passado informações sobre reuniões do staff de Dantas com a direção da Portugal Telecom.

Inteligente, ousado, Demarco ganhou relevância por ter conseguido derrotar Dantas em um tribunal estrangeiro. Como a ação conseguiu bloquear um dos fundos de Dantas - que participava do controle das empresas de telefonia. Para poder liberar o fundo e retomar o controle, o Citigroup fechou um acordo financeiro bastante vantajoso para Demarco. Depois, vários adversários de Dantas aproveitaram as brechas abertas por Demarco para penetrar na fortaleza jurídica do banqueiro.

Demarco poderia ter se contentado com a derrota que impôs a Dantas. Mas, graças à sua obsessão, ajudou a desmascarar o banqueiro. De outro lado, sua obsessão ajudou a criar uma blindagem e a facilitar o trabalho de desqualificação patrocinado por Dantas, valendo-se principalmente de Mainardi.

Qualquer pessoa que não se tornasse inimigo de Dantas era imediatamente apontado como colaborador por Demarco e jornalista aliado. Da parte dos jornalistas de Dantas, qualquer crítica ao banqueiro faria parte de uma conspiração.

Esse clima persecutório produziu uma confusão monumental, que só ajudou a fortalecer o banqueiro. De um lado e de outro eram jornalistas e fontes levantando teses conspiratórias e acusações generalizadas. Separar o joio do trigo tornou-se tarefa inglória e em muito contribuiu para o silêncio com que a imprensa passou a tratar os escândalos de Dantas e as relações ostensivas com a Veja.

O que não significa que Demarco não fosse extremamente bem informado. Jamais forneceu uma informação incorreta, suportou campanhas difamatórias pesadas, mas não saiu da linha.

Tanto assim que, de posse de suas dicas, marquei uma reunião com Shakhaf Wine - um dos executivos da Portugal Telecom mencionado no e-mail. O encontro se deu no final da tarde, no escritório em frente ao shopping Iguatemi (clique aqui para ler a matéria).

Voltei em cima da hora para o meu escritório e, premido pelo horário de fechamento, acabei copiando trechos do e-mail de Demarco com os nomes das pessoas que tinham participado da reunião. Nada que pudesse ferir a ética jornalística. Nada que não pudesse ser explicado pela correria de um fechamento.

Mas o episódio passou a ser explorado de maneira a se criar a impressão de algo doloso. Eram os "factóides" típicos da tática de fuzilar reputações.

Junto com o primeiro ataque de Mainardi, a edição de Veja saiu com seis páginas de publicidade da Amazônia Celular e da Telemig Celular – empresas controladas por Dantas, e de alcance regional. Era algo sem nexo, para alguém que não entendesse as circunstâncias: duas empresas regionais fazendo encarte em uma revista de circulação nacional. Quando levantei essa questão, a alegação do Opportunity é que, além da Veja, o encarte tinha saído no "Valor Econômico" - com uma tiragem e um custo infinitamente inferior ao da revista.

Na edição seguinte, com o segundo ataque de Mainardi sairiam mais seis páginas de publicidade da Telemig Celular, mas aí compartilhadas com outras publicações.

Estava claro que Veja tinha entrado para valer no jogo de Dantas, e da forma menos sutil possível: dois ataques virulentos, inspirados por Dantas, em duas edições recheadas com 6 páginas de publicidade cada uma, programadas pelo proprio Dantas. Nem se teve o cuidado de separar as edições. Veja passava a se valer das mesmas práticas que denunciava em sua concorrente IstoÉ.

E uma das acusações que Mainardi me lançava era em relação a um adjetivo elogioso que empreguei, em quatro anos de coluna, para qualificar o modelo de gestão do fundador de uma empresa que patrocinava o Projeto Brasil, da Agência Dinheiro Vivo. E o fato de ter veiculado uma campanha que havia programado dezenas de outros sites para veiculação.

O jogo estava apenas começando. Dali para frente, novos "assassinatos de reputação" seriam perpetrados de forma sistemática. Como a incrível "denúncia" contra o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal.

Mas aí é assunto para o próximo capítulo, a partir do qual o jogo ficará cada vez mais claro.

Décima parte:

O caso Edson Vidigal

Como criar escândalos sem crimes

O segundo serviço de Veja foi a tentativa de "assassinato de reputação" do Ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A matéria vinha com uma manchete dúbia: “Não pode pairar a dúvida. O presidente do STJ é envolvido em casos que precisam ser esclarecidos”.

Era uma matéria exemplar para se entender como fabricar um escândalo sem crime. A matéria não enfocava uma suspeita específica. Havia um estoque de fatos relacionados a Vidigal - o que demonstrava, nitidamente, que se tratava de um dossiê especialmente preparado contra ele.

A primeira acusação era um "esquentamento" de fato banal, visando conferir tratamento escandaloso: a de que Vidigal viajara para o Chile, para um Congresso patrocinado pela Amil, empresa de seguro saúde, sendo que, na semana anterior, havia liberado um reajuste de 26% para o setor de planos de saúde.

A viagem tinha sido em um final de semana, em um seminário para discutir a legislação chilena para o seguro saúde. A matéria procurava ressaltar aspectos de mordomia:

“O seminário realizou-se em Santiago, no Chile. Foi uma curta temporada regada a bons vinhos daquele país e com todas as mordomias que costumam acompanhar esses rega-bofes”.

O "prego sobre vinil" esquentava a matéria com obviedades. É óbvio que qualquer Congresso tem coquetéis e almoços e, sendo no Chile, vinhos chilenos.

Pouco importava se o patrocinador não tinha ingerência na programação, ou se um final de semana trabalhando em Santiago de Chile está longe de configurar suborno ou mordomia.

Para tornar mais estranha a acusação, não havia a prova do suborno: a matéria informava que, com sua sentença, Vidigal limitara-se a convalidar um parecer da Secretaria de Direito Econômico sobre o tema. Onde a relação, então, entre favor recebido e serviço prestado?

Dizia mais:

”Muito provavelmente, o pedido da Amil é justo. Mas, depois da viagem ao Chile, também é justo levantar suspeita sobre o julgamento da liminar.”

Mas, para efeito de levantar a mancha da suspeita, dizia que “um observador de fora tem o direito de enxergar no episódio os contornos de improbidade administrativa. O caso deverá ser analisado pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão recém-criado com a incumbência de exercer o controle externo do Judiciário.”

De fato, a "denúncia" foi feita por uma Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor... mencionando justamente a matéria de Veja.

Era de um amadorismo constrangedor. Como Veja poderia saber que haveria uma denúncia baseada na própria reportagem que sequer havia sido publicada? É evidente que havia uma armação da qual a revista participava. Não se contentava meramente em espalhar notícias falsas sobre os adversários de Dantas, mas em participar diretamente de armações bisonhas.

A denúncia nasceu morta. O corregedor Antonio de Pádua Ribeiro rejeitou-a por não estar "consubstanciada infração disciplinar nem violação dos deveres funcionais da magistratura".

A segunda denúncia do dossiê é que o nome de Vidigal aparecera em grampos com membros da quadrilha do argentino Cesar de La Cruz Arrieta. Como eram fitas de um inquérito sigiloso, era óbvio que o dossiê fora obtido de forma ilegal por membros do submundo que habita Brasília.

A matéria reconhecia que a menção a Vidigal poderia ser apenas bravata de contraventores. Mas colocava como agravante o fato do apartamento de um enteado de Vidigal ter sido alugado para os bandidos.

Vidigal explicou que o apartamento tinha sido entregue a uma imobiliária, que se responsabiliza por quem aluga.

"O apartamento, pelo que sei, estava entregue a uma imobiliária. E ninguém pede atestado de bons antecedentes quando aluga um imóvel." Mas a coincidência envolvendo um dos mais altos magistrados do país precisa ser esclarecida.”

Que tipo de favor Vidigal poderia ter prestado a Arrieta?

Consultando seus arquivos, ele constatou ter atuado em apenas um caso envolvendo Arrieta. E sua decisão tinha sido a de negar um habeas corpus a ele.

A troco de quê aquela marcação?

Apenas os leitores mais bem informados entenderam a ginástica jornalística perpetrada por Veja.

Pouco tempo antes, Vidigal havia dado a liminar que permitiu aos fundos de pensão e ao Citibank retomar o controle da Brasil Telecom das mãos de Daniel Dantas (clique aqui para a íntegra da sentença). Foi uma sentença dura contra o Opportunity.

“Com olhos voltados à defesa do interesse público, notadamente porque envolvidos vultosos recursos do erário, antevejo ameaçada a ordem econômica. Neste contexto, considero que eventual prejuízo sofrido pelos fundos de investimento, em última análise, será suportado pelo erário, com vistas a garantir a milhares de brasileiros, beneficiários dos mesmos — e que acreditaram nos fundos de pensões e deles dependem —, a necessária subsistência”, registrou o ministro Vidigal na ocasião.

“Considerei, também, nas razões de decidir, as informações trazidas pelo requerente que dão conta que a decisão objeto da suspensão entrega a gestão de mais de 10 bilhões de reais em ativos financeiros, materiais e societários ao Grupo Opportunity que, anteriormente, já fora destituído da gestão deste fundo por quebra dos deveres fiduciários, o que, também, recomenda a concessão da contracautela”, afirmou também o presidente do STJ.

A sentença de Vidigal foi proferida no dia 15 de junho de 2005. A tentativa de um novo "assassinato de reputação", por parte de Veja, em 21 de setembro de 2005.

No dia 16 de maio de 2006 - quase um ano depois -, acuado pela revelação do dossiê falso sobre as contas de autoridades no exterior, Dantas mostraria claramente as peças que se encaixavam nas duas tentativas de "assassinato de reputação" da Veja.

Na entrevista à "Folha", mencionada no capítulo anterior, Dantas disse o seguinte:

O controlador do Opportunity, Daniel Dantas, disse à Folha ter recebido informações de que o governo pressionou o Judiciário brasileiro para favorecer os fundos de pensão na briga pela telefônica Brasil Telecom.

"Informaram a mim que teria havido uma intervenção do ministro Palocci [ex-ministro da Fazenda] junto ao ministro Edson Vidigal [ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça] para dar uma decisão favorável aos fundos de pensão", disse Dantas em entrevista concedida no último sábado, por videoconferência. "Fui conferir e ouvi de uma pessoa que esteve com Palocci que o próprio teria dito não ter sido ele diretamente, mas alguém ligado a ele [que procurou Vidigal]."

(...) A versão segue as declarações feitas por advogados do banco em Nova York. Em documento público, eles lembram que o STJ tem 21 ministros, mas que os litígios entre o Opportunity e os fundos costumavam ser julgados por Vidigal (o ex-ministro assinou pelo menos três liminares favoráveis aos fundos de pensão).

No texto, os defensores do Opportunity ressaltam que Vidigal deixou o Judiciário e que concorre ao governo do Maranhão -pelo PSB, com apoio do PT.

(...) Questionado se o Planalto pediu que não fizesse declarações contundentes sobre o caso Gamecorp, Dantas confirmou. Segundo ele, o recado chegou por meio de Yon Moreira, então diretor da Brasil Telecom. Ele não soube dizer quem foi o emissário do governo. A empresa Gamecorp tem entre os sócios um filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Foi o segundo capítulo de uma longa série de matérias que, nos anos seguintes, marcaria de forma indelével a parceria Dantas-Veja.


O dossiê falso

O furo jornalístico que virou um pterodáctilo

A parceria de Veja com Daniel Dantas prosseguiu no decorrer de 2006. Várias matérias, dossiês, especialmente os mais improváveis, pareciam terem sido fornecidos pelo banqueiro.

Na edição de 17 de maio de 2006, Veja fez sua aposta mais ousada.

O diretor Eurípedes Alcântara recebeu um dossiê de Dantas, sobre presumíveis contas de altas autoridades do governo no exterior. O mesmo dossiê foi encaminhado a outro membro do quarteto de Veja, Diogo Mainardi.

A tarefa de ir atrás das pistas do dossiê coube a Márcio Aith, o mesmo jornalista que cobrira o caso do dossiê da Kroll para a “Folha”.

Até então, Aith construíra uma sólida reputação de jornalista investigativo. Passou pela “Gazeta Mercantil” e “Folha”, tinha conhecimentos sobre mercado, balanços, economia, e caminhava para se transformar em um dos grandes repórteres da sua geração.

Saiu a campo e, em pouco tempo, constatou que o dossiê era uma falsificação. Tinha tudo para uma reportagem memorável.

O levantamento tinha sido feito por Frank Holder, ex-agente da CIA especializado em América Latina que, depois, largou o serviço secreto e montou uma firma de investigação – a Holder Associates – posteriormente adquirida pela Kroll.

Aith foi atrás de Holder na Suíça. Ouviu sua versão de que a lista tinha sido obtida no curso da investigação italiana sobre a parte brasileira dos escândalos da Parmalat. O repórter foi atrás de autoridades policiais de Milão – que investigavam o caso Parmalat – que afirmaram desconhecer a informação.

Holder, então, mudou a versão e informou que o dossiê tinha sido levantado pelo argentino José Luiz Manzano, ex-ministro e, segundo Aith, um dos símbolos da corrupção do governo Menen.

Aith foi atrás de Manzano que confirmou o dossiê e incumbiu assessores de passar mais dados. O material entregue apresentava inúmeras inconsistências. Estava configurado um novo dossiê Cayman.

Aith tinha conseguido juntar informações suficientes para lhe garantir a reportagem da sua vida, um quase certo Prêmio Esso de Reportagem.

Há um princípio básico de jornalismo: quando está configurado que a fonte tentou enganar o jornalista, é obrigação do jornalista denunciá-la. Eurípedes resistiu a divulgar o nome de Dantas. Houve discussão interna. Não havia como fugir do levantamento de Aith mas, por outro lado, Eurípedes queria defender o aliado.

Aith cedeu. De um lado, admitia-se que a fonte era Dantas. Mas foram tais e tantas as tentativas de salvar a cara do banqueiro, que a matéria transformou-se em um pterodáctilo, um bicho disforme e mal acabado.

O "prego sobre vinil" era claro.

Aith cometeu o erro de sua vida, concordando em assinar a matéria. Ganhou um boxe especial, cheio de elogios, e a primeira mancha grave na sua até então impecável folha de serviços jornalísticos. Veja não se limitava a apenas a “assassinatos de reputação” de terceiros, mas a destruir a reputação dos seus próprios jornalistas.

Começava pela capa. A chamada não mencionava dossiê falso. Pelo contrario, apresentava a falsificação como se fosse algo real:

“Daniel Dantas: o banqueiro-bomba. O seu arsenal tem até o numero da suposta conta de Lula no exterior"

A matéria não tinha pé nem cabeça. As investigações de Aith já tinham confirmado tratar-se de uma falsificação preparada por Dantas.

Mas o “lead” da matéria falava o contrario:

"O banqueiro Daniel Dantas está prestes a abrir um capítulo explosivo na investigação sobre os métodos da "organização criminosa" que se instalou no governo e o estrago causado por ela ao país".

O primeiro parágrafo inteiro, em vez de realçar o furo de Aith – a descoberta de que era um dossiê falso – dizia que:

"Na sessão, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) revelou o teor de um documento no qual o banco Opportunity, controlado por Dantas, diz ter sofrido perseguição do governo Lula por rejeitar pedidos de propina de "dezenas de milhões de dólares" feitos por petistas em 2002 e 2003. A carta, escrita por advogados de Dantas e entregue à Justiça de Nova York, onde o banqueiro é processado pelo Citigroup por fraude e negligência, é só o começo de uma novela que, a julgar pela biografia de Dantas, não se resume a uma simples tentativa frustrada de achaque".

Prosseguia a matéria:

"Para defender-se das pressões que garante ter sofrido do PT nos últimos três anos e meio, Dantas acumulou toda sorte de informações que pôde coletar sobre seus algozes. A mais explosiva é uma relação de cardeais petistas que manteriam dinheiro escondido em paraísos fiscais".

Ia mais longe:

"Além disso, Dantas compilou metodicamente não só os pedidos de propina como também as contratações e os pagamentos efetivamente feitos para tentar aplacar as investidas do atual governo sobre seus interesses. Se pelo menos uma parte desse material for verdadeira, o governo Lula estará a caminho da desintegração"

Esse tipo de menção ao poder terrível do banqueiro era um convite ao achaque. Na mesma matéria, Veja justificava a publicação do dossiê como forma de prevenir achaques:

"Ao mesmo tempo, isso (a publicação do dossiê) impedirá que o banqueiro do Opportunity venha a utilizar os dados como instrumento de chantagem em que o maior prejudicado, ao final, seriam o país e suas instituições".

A conclusão final era risível:

"Por todos os meios legais, VEJA tentou confirmar a veracidade do material entregue por Manzano. Submetido a uma perícia contratada pela revista, o material apresentou inúmeras inconsistências, mas nenhuma suficientemente forte para eliminar completamente a possibilidade de os papéis conterem dados verídicos".

Só então entrava na reportagem o conteúdo apurado por Aith.

A entrevista armada

Pior: em uma matéria em que Dantas era desmascarado como autor de documentos comprovadamente falsos, Eurípedes colocou um membro do quarteto ligado a Dantas – Diogo Mainardi – para permitir ao próprio banqueiro fazer sua defesa (clique aqui).

Não era uma entrevista normal. Sua leitura induzia qualquer leitor atento a suspeitar que as perguntas foram formuladas por quem respondeu. Não se deram sequer ao trabalho de utilizar o padrão de formatação da revista para entrevistas ping-pong. É como se Mainardi tivesse ido até Dantas, recebido o questionário preparado pelo advogado, remetido para a revista, que o publicou na íntegra. Nem edição houve.

Cada pergunta levantava uma bola para o banqueiro bater em sua tecla de defesa: a de que seus problemas eram decorrentes de perseguição política – na mesma matéria em que se demonstrava que ele próprio recorria a dossiês falsos para achaques.

O nível do ping pong era da seguinte ordem:

POR QUE O GOVERNO QUERIA TIRAR O OPPORTUNITY DO COMANDO DA BRASIL TELECOM?
Porque havia um acordo entre o PT e a Telemar para tomar os ativos da telecomunicação, em troca de dinheiro de campanha.

A TELEMAR ACABOU COMPRANDO A EMPRESA DO LULINHA. POR QUE VOCÊS TAMBÉM NEGOCIARAM COM ELE? ERA UM AGRADO AO PRESIDENTE LULA?
Nós procuramos de todas as maneiras diminuir a hostilidade do governo.

O EX-PRESIDENTE DO BANCO DO BRASIL CÁSSIO CASSEB DISSE AO CITIBANK QUE LULA ODEIA VOCÊ.
Casseb disse também que ou a gente entregava o controle da companhia ou o governo iria passar por cima.

A entrevista, na qual provavelmente a única participação de Mainardi foi a assinatura, terminava apresentando Dantas como vitima de achacadores, e não como quem tinha acabado de produzir um dossiê falso, com o claro intuito de achacar:

"Agora releia a entrevista. Mas sabendo o seguinte: Daniel Dantas cedeu aos achacadores petistas. Ele e muitos outros".

Pelas informações que correram na época, o máximo que Aith conseguiu, como contrapartida ao fato de ter concordado em assinar aquele texto, foi uma matéria na edição seguinte, contando em detalhes como o dossiê chegou à revista: entregue pelo próprio Dantas ao diretor Eurípedes Alcântara (clique aqui). Eurípedes só cedeu à segunda matéria porque percebeu que a falta de limites o colocara na zona cinzenta que separa a legalidade da ilegalidade.

De nada adiantou o escândalo, de nada adiantou saber da capacidade do banqueiro em inventar dossiês. A mídia estava completamente anestesiada. Mesmo com o absurdo dessa matéria, o quarteto de Veja continuou com autorização para matar.

As referências a informações e dossiês de Dantas, ao seu poder ameaçador, passaram a ser freqüentes nas notas de Lauro Jardim e Mainardi.

A ponto de, na semana passada, em seu podcast no site da Veja, Mainardi continuar acenando com dossiês italianos para chantagear críticos. Minha série sobre a Veja estava ainda nos primeiros capítulos, mas já estava claro que Mainardi seria um dos próximos personagens.

No dia 7 de fevereiro passado, coloquei o seguinte post em meu blog:

Do último podcast de Diogo Mainardi:

Clique aqui para ouvir. Ele me relaciona entre os jornalistas "quintacolunistas" e enfatiza por duas vezes a palavra "dinheiro vivo" para se referir às malas de dinheiro da Telecom Itália.

No final do podcast, manda um aviso:

"Da próxima vez, antes de reclamar de mim, lembre-se: teimo em falar sobre o caso Telecom Itália porque ele pode revelar não apenas o destino das malas sujas de dólares, como o jogo sujo de sua escolta de jornalistas".

Esse mesmo recado aparece com destaque na chamada do podcast, no portal da Veja.

O Houaiss descreve assim a palavra chantagem:

"pressão exercida sobre alguém para obter dinheiro ou favores mediante ameaças de revelação de fatos criminosos ou escandalosos (verídicos ou não)".

Do lado de outros grandes veículos, silêncio, complacência, aceitação conformada do estupro semanal a que o jornalismo está sendo submetido.

O bookmark de Mainardi

De como as fontes italianas falavam o português

Terminei o capítulo anterior narrando a tentativa de chantagem de Diogo Mainardi, em seu podcast semanal na Veja. Nele, o colunista afirmava dispor de informações que comprometeriam jornalistas, mas não as divulgava. Apenas ameaçava quem se metesse com ele.

Na semana seguinte (atual edição da revista), Mainardi avançaria alguns pontos em sua chantagem Na quinta, em novo podcast que reiterava as ameaças. Ora, se possuía as informações, por que não as divulgava?

Três pontos chamavam a atenção:

Ponto 1 - Dizia que graças ao fato de ter morado na Itália tinha muitas fontes italianas. “Meus sete informantes italianos continuam a me mandar documentos referentes ao processo por espionagem contra a Telecom Italia, conduzido pelo Procurador da República Fabio Napoleone”. Informação falsa.

Para ouvir, clique aqui

Um pequeno detalhe liquidava com sua versão: o post-it do arquivo PDF (chamado de bookmark, anotação que se coloca na barra do documento).

122 - Grampos: De Marco e Angra Partners

Como se sabe, o arquivo PDF pode ser editado, mas as alterações ficam registradas. No caso do relatório, alguém pegou partes do inquérito (que é sigiloso), scaneou e imprimiu.

Fez mais. Anotou os comentários dos principais trechos com a ferramenta. Depois, eliminou todos os bookmarks, mas esqueceu um: aquele que indicava, na página 122, "Grampos - De Marco e Angra Partners", no mais puro português do Brasil. Nas "Propriedades do Documento" havia as informações de que ele fora criado em 21 de janeiro de 2008 e modificado em 22 de janeiro - antes da data que Mainardi informava tê-lo recebido.

É evidente que não era nenhuma das "sete fontes italianas" que enviara a documentação para Mainardi, mas uma fonte brasileira. Por que a insistência em mentir sobre a origem da fonte?

Por que todas as indicações são de que sua fonte é Daniel Dantas - o mesmo Dantas que, quando foi desmascarado o dossiê falso sobre as contas fantasmas, Mainardi foi incumbido de acudir (clique aqui).

Pior: os grampos eram em cima de adversários de Dantas. Logo, as vítimas eram os adversários de Dantas, não o banqueiro. Quem encaminhou o arquivo para Mainardi deixou escapar não apenas o post-it como a informação. Mainardi obviamente nem leu o cartapácio: limitou-se a se deixar cavalgar.

(O arquivo pode ser encontrado no seguinte link, indicado na coluna dele, na última Veja (clique aqui). Para evitar alguma mudança no documento original, baixei o arquivo e o coloquei em outro endereço (clique aqui).)

Ponto 2 - “Assim que os documentos chegam aqui em casa, eu os encaminho à magistratura brasileira.. Se o Brasil tem uma saída, só pode ser através das leis”. A troco de que um jornalista ou para-jornalista recebe informações e, em vez de divulgá-las, as encaminha ao judiciário? Isso é papel de advogado. Tenho algumas hipóteses que analisarei no próximo capítulo.

Ponto 3 - Mencionava o fato do empresário Luiz Roberto Demarco ter recebido US$ 1 milhão. E dava detalhes da conta que mantinha em Miami, em nome de um sócio, e que teria recebido US$ 100 mil.

Lembrava as relações de Demarco com fundos e imprensa. Sugere, obviamente, que parte desse dinheiro veio para a imprensa. Mas não ousava uma acusação, nomes, detalhes, nada. Também será analisado no próximo capítulo.

Finalmente, dizia que o nome do Presidente da República tinha sido mencionado no inquérito.

Guarde essas informações, por enquanto. Para melhor facilitar o entendimento, antes de avançar na análise vamos a uma pequena coleção de episódios jornalísticos, para explicar didaticamente - como estudo de caso - como ocorre a manipulação da notícia no mundo das disputas jurídico-empresariais.

Imprensa e Judiciário

Um dos pontos principais do manual de guerrilha nas disputas corporativas, é o uso das notícias como ferramenta auxiliar – seja para “assassinar reputações” ou "plantar" matérias para influenciar (ou fornecer álibis) para as sentenças dos juízes.

Episódio 1: o caso Lauro Jardim


Em agosto de 2000, por exemplo, os advogados dos fundos de pensão, liderados pelo ex-presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) Francisco da Costa e Silva, conseguiram realizar uma Assembléia Geral Extraordinária (AGE) do CVC-Opportunity – o fundo que controlava a Brasil Telecom. Foi a primeira vez que isso ocorreu, apesar de parte relevante do capital do CVC ser dos fundos.

Com o controle da AGE, os fundos indicaram o advogado Fernando Albino para presidi-la. Albino autorizou que Costa e Silva retirasse as atas e documentos do CVC, para que pudesse xeroca-los. No dia seguinte, os documentos foram devolvidos, tudo de acordo com a lei e com as decisões da AGE.

A resposta de Dantas foi imediata, através da revista Veja.

Trombadas e trombadinhas

São cada vez menos elegantes as ações de certos advogados em defesa de seus clientes. Na semana passada, depois de uma tensa reunião entre os fundos de pensão e o banco Opportunity – que andam se estapeando em público há meses –, Francisco da Costa e Silva, advogado da Previ e ex-presidente da CVM, surrupiou a ata do encontro e se mandou. Supõe-se que ele saiba que o que fez é proibido pela legislação.

A nota saiu na edição de 16 de agosto de 2000 (clique aqui). Seção: Radar. Colunista: Lauro Jardim, o mesmo jornalista que aproximou o quarteto de Veja de Dantas.

Costa e Silva precisou enviar e-mail para cada um de seus clientes, para reduzir o estrago provocado pela nota. Mandou uma carta de esclarecimentos para a Veja - que não foi publicada.

Episódio 2: o caso Attuch-Rocha Mattos

Uma segunda manipulação da imprensa consiste na articulação entre diversos jornalistas, para dar foro de verdade a qualquer boato e, com isso, álibi para uma sentença favorável de algum juiz. Um jornalista divulga o primeiro boato ou notícia, verdadeira ou não, obtida por meios legais ou ilegais. Depois, outros jornalistas cooptados promovem a repercussão, garantindo o álibi para a sentença ou despacho do juiz. Esse modelo foi utilizado várias vezes no decorrer do último ano.

Em 8 de maio de 2002, despacho do notório juiz João Carlos da Rocha Mattos, da Quarta Vara Criminal de São Paulo para o Delegado Ariovaldo Peixoto dos Anjos, Superintendente da Policia Federal em São Paulo determina o seguinte:

“Senhor superintendente,

Pelo presente, encaminho a Vossa Senhoria, em anexo, matérias veiculadas nas edições 242, de 17.04.2002 e 244, de 01.05.2002, da revista “IstoÉ Dinheiro”, ambos os episódios (ilegível) o controle (ilegível) das empresas de telefonia celular Telemig Celular e Tele Amazônia, com menção inclusive a altos funcionários do Banco do Brasil e do Fundo de Pensão Previ, decorrentes de gravações de diálogos telefônicos mantidos entre as partes interessadas, envolvendo, em especial, o presidente da empresa canadense TIW, Bruno Ducharme”.

Matérias jornalísticas semelhantes às mencionadas foram publicadas em outros órgãos de imprensa e, ao menos em princípio, constitui indício de credibilidade dos graves acontecimentos veiculados nas gravações das conversas telefônicas, se não se sabe se teriam ou não sido obtidas licitamente (...)" (clique aqui).

A matéria, em questão, era de Leonardo Attuch. Houve repercussão em alguns outros órgãos de mídia, o suficiente para garantir o álibi para o despacho do juiz.

Rocha Mattos tornou-se, anos depois, um dos símbolos máximos da corrupção do Judiciário em São Paulo. Está preso até hoje.

Episódio 3: o caso Janaína Leite

Esse caso é relevante por estar inserido na atual onda midiática de Dantas. Antes de contar, algumas explicações para facilitar o entendimento de atos e respectivas conseqüências.

Primeiro, entenda qual é o objetivo jurídico do Opportunity quando articula sua rede de colaboradores em torno do inquérito sobre a Telecom Itália, que corre na justiça italiana. A partir daí ficará mais fácil compreender os movimentos de Diogo Mainardi e de outros jornalistas que trabalham de forma articulada em torno do tema.

Houve duas investigações sobre Dantas: uma legal, conduzida pelo Ministério Público e pela Policia Federal, com grampos, quebras de sigilo, tudo ao amparo da lei.

Paralelamente, aqui no Brasil, houve investigações da Telecom Itália – na gestão do cappo Marco Tronchetti Provera, no começo adversário, depois aliado de Dantas. Foram investigações ilegais, criminosas, sem autorização judicial.

É importante não entender a Telecom Itália como uma empresa com continuidade de ação. A empresa passou por vários controladores nos últimos anos. Todos os episódios relatados se referem à era Provera (que já foi afastado do seu comando), que começou combatendo Dantas e terminou se aliando a ele.

O que os advogados de Dantas buscam é a chamada “contaminação do inquérito” – isto é, trazer para o inquérito da PF o inquérito da Telecom Itália e as vinculações brasileiras. Fazendo isso, Dantas se livra. Qualquer juiz considerará que o inquérito se baseou em práticas ilegais. Daí o termo “contaminação”: as ilegalidades da Telecom Itália no Brasil (sob Tronchetti Provera) comprometerão os trabalhos legais da Policia Federal e do MP, porque estarão ambos reunidos no mesmo inquérito. E tudo terminará em pizza.

Insisto: anote bem essas observações, porque ficará mais fácil entender os caminhos que Diogo Mainardi passou a trilhar.

No julgamento de 12/12/2006, a Segunda Turma do Tribunal Federal Regional da 3a Região, acompanhou o voto da relatora – desembargadora Cecília Mello – e exigiu a incorporação do inquérito italiano ao inquérito brasileiro contra o Opportunity.

No seu voto, a relatora sustenta que o argumento dos advogados do Opportunity é que o inquérito da PF teve origem em prova ilícita, gravação de uma conversa entre Ângelo Jannone (chefe dos arapongas italianos) e Tiago Verdial (o português que tinha trabalhado na Kroll).

A desembargadora levou em conta reportagens jornalísticas que, segundo a desembargadora, noticiam “fatos gravíssimos”.

As reportagens são de Janaína Leite, da “Folha” de São Paulo, repórter que ganhou espaço no jornal no longo período, na grande noite que acompanhou a agonia e falecimento do grande reformador do jornal Otávio Frias de Oliveira.

Até então, a área de telefonia e esses embates corporativos eram cobertos por Elvira Lobato – de longe a mais preparada e isenta repórter investigativa da área. De repente, o tema passa para a instância de Janaína Leite.

A matéria mencionada pela desembargadora é de 21 de setembro de 2006 (clique aqui), e diz o seguinte:

Segundo a Folha apurou junto a pessoas que colaboram nas investigações italianas, não está descartada a possibilidade de ramificações do caso acabarem no Brasil, onde a Telecom Italia participa de duas operadoras: a fixa Brasil Telecom e a móvel TIM Brasil.

Reparem no modelo de atuação:

1. A repórter Janaína Leite publica uma matéria dizendo que há probabilidade das investigações sobre a Telecom Itália terem ramificações no Brasil. Diz que a "Folha" apurou.

2. Com base nessa matéria, os advogados do Opportunity pedem que os inquéritos italianos sejam anexados aos da PF. Com isso conseguiriam “contaminar” o inquérito brasileiro.

3. A desembargadora Cecília Mello aprova o pedido, citando como elemento os “fatos gravíssimos” que constam da matéria de Janaína

4. Na semana passada, a Justiça (de Primeira Instância) tomou o depoimento de Rodrigo Andrade, que trabalha para o Opportunity. Pressionado a revelar seus contatos na imprensa, inclusive sob ameaça de prisão, Rodrigo informou que era Janaína Leite.

Não apenas Janaína, mas outros membros da rede se incorporaram à trama. A orquestração era clara.

No dia 11 de outubro de 2006, Diogo Mainardi publicava a coluna "Notícias da Itália", com o seguinte intertítulo (clique aqui ou clique aqui):

"O caso estourou duas semanas atrás. Os promotores públicos milaneses descobriram que a Telecom Italia tinha um esquema de pagamentos ilegais a autoridades brasileiras. O lulismo realmente ganhou o mundo. Em sua forma mais autêntica: o dinheiro sujo"

Na edição da "IstoÉ Dinheiro" de 4 de outubro de 2006 (da mesma semana), o enviado especial a Milão, Leonardo Attuch, bateu na mesma tecla (clique aqui).

"Caso Kroll: foi armação? Investigação na Itália aponta que políticos e policiais podem ter recebido dinheiro para deflagrar ação contra o grupo Opportunity".

A única diferença é que, para disfarçar sua atuação, Mainardi sempre trata de incluir Lula na história. Poderia lançar um segundo livro, "Lula, Meu Álibi".

Attuch nunca teve esses cuidados.

Hoje em dia, Janaína não mais trabalha na “Folha”. Os demais jornalistas e parajornalista continuam atuantes em seus respectivos órgãos de imprensa.

Esse modelo de articulação advogados-jornalistas ocorreu em todo esse período e continua a ocorrer, mas com novos personagens se incorporando ao círculo.

Como o capítulo está longo, deixaremos os detalhes para o próximo.

Uma dúvida fica no ar. Com todo a movimentação em cima do tema, com a série provocando repercussões no meio jornalístico, empresarial e na própria Abril, por que Mainardi insistiu no assunto, com a sutileza de um "prego sobre vinil"? Tenho hipóteses. A resposta quem tem é ele - e suas fontes.





Lula, meu álibi

A blindagem política para as jogadas comerciais


Por várias razões, a coluna de Diogo Mainardi, na última edição de Veja, é exemplar para uma análise de caso, sobre a manipulação das notícias para propósitos de disputas empresariais.

Consiste em juntar um conjunto de informações detalhadas (número de contas, de cheques, valores) e compor uma salada, muitas vezes sem lógica, confiando na falta de discernimento dos leitores. Compensa-se a falta de lógica com excesso de detalhes. Depois, se confia que a complexidade do tema impedirá que as afirmações sejam conferidas.

A coluna falava do inquérito que corre na Itália sobre operações fraudulentas da Telecom Itália. Mainardi alegou ter informações reservadas do inquérito. Não as divulgou. Limitou-se a acenar com ameaças a jornalistas que ousassem criticá-lo. Blefou para chantagear.

O centro de suas acusações eram US$ 100 mil recebidos pelo advogado Marcelo Elias – que derrotou Daniel Dantas em um caso rumoroso na corte inglesa. Segundo Mainardi, esses US$ 100 mil teriam sido pagos a Elias, para que distribuísse entre autoridades e jornalistas brasileiros.

O primeiro furo foi a tentativa de atribuir o dossiê a fontes italianas. Conforme você conferiu no capítulo anterior, o bookmark deixava claro que era uma fonte brasileira.

O segundo engôdo foi o álibi para a publicação da coluna. A única justificativa para publicar uma notícia é quando há um fato novo. Mainardi apresentou o dossiê como algo inédito, recém-chegado da Itália. Era notícia requentada. No dia 11 de outubro de 2006, na coluna “Notícias da Itália” Mainardi já havia se referido a esses fatos (clique aqui).

Nessa coluna, um dos parágrafos chamava atenção:

“A Business Security Agency era administrada por Marco Bernardini, consultor da Pirelli e da Telecom Italia. Ele entregou todos os seus documentos bancários à magistratura italiana. Há uma série de pagamentos em favor do advogado Marcelo Ellias: 50.000 dólares em 13 de julho de 2005, 200.000 em 5 de janeiro de 2006, 50.000 em 2 de fevereiro de 2006. De acordo com Angelo Jannone, outro funcionário da Telecom Italia, Marcelo Ellias era o canal usado pela empresa para pagar Luiz Roberto Demarco, aliado da Telecom Italia na batalha contra Daniel Dantas, e parceiro dos petistas que controlavam os fundos de pensão estatais”.

Os tais US$ 100 mil já tinham sido mencionados ali.

No final da coluna, a mesma esperteza de sempre: incluir Lula de alguma maneira, no estilo "prego sobre vinil", para criar o álibi político:

A revista Panorama reconstruiu também um caso denunciado por VEJA: aqueles 3,2 milhões de reais em dinheiro vivo retirados da Telecom Italia em nome de Naji Nahas. Um dos encarregados pelo pagamento conta agora que o dinheiro foi entregue a deputados da base do governo, do PL, membros da Comissão de Ciência e Tecnologia.

Lula se orgulha de seu prestígio internacional. Orgulha-se a ponto de roubar aplausos dirigidos ao secretário-geral da ONU. O caso da Telecom Italia permite dizer que o lulismo realmente ganhou o mundo. Em sua forma mais autêntica: o dinheiro sujo.

Há um vendaval de dinheiro jorrando por várias fontes, da Telecom Itália antes do acordo com Dantas; da Telecom Itália depois do acordo com Dantas; das empresas de telefonia quando controladas por Dantas; das agencias SMPB e DNA, de Marcos Valério, muito dinheiro jorrando de Nagi Nahas. Dinheiro entrando para parlamentares, para políticos petistas e de outros partidos. E para jornalistas.

No acordo celebrado com Tronchetti Provera, por exemplo, Dantas recebeu 50 milhões de euros; Nahas, outros 25 milhões. O dinheiro foi pago a Najas de 2002 a 2006 – 7,2 milhões de euros em 2002, 11,3 milhões em 2003, 6,2 milhões em 2005 e 750 mil em 2006 (página 14 do documento). Provera e Dantas tornam-se aliados justamente em 2005, quando é retomado o pagamento a Nahas (depois de interrompido em 2004). Ou seja, toda atuação de Nahas, a partir de então, é feita obedecendo ao pacto Dantas-Provera.

A matéria de Veja, de 14 de novembro de 2007, limita-se a dizer que a maior parte do dinheiro foi pago a Nahas entre 2002 e 2003 (clique aqui), modo esperto de ocultar que uma boa fatia foi entregue em 2005, no auge da disputa, e quando já tinha sido celebrado o pacto Provera-Dantas.

Em suma, há inúmeros dutos por onde vaza o dinheiro, inúmeros financiadores. Por que a insistência de Mainardi nos US$ 100 mil dólares de Elias e restringir as informações sobre Dantas a meras críticas pontuais, muito mais parecendo manobras de despiste, já que nenhuma trazia informações concretas?

Ora, era sabido que Marcelo Elias era advogado contratado da Telecom Itália. Com ele trabalhavam mais dois advogados, um deles na Inglaterra. Como coordenador das ações, cabia a ele receber o pagamento e remunerar o trabalho da equipe.

Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento saberia que, para ações desse tamanho, honorários de US$ 100 mil eram ridículos. Provavelmente Elias ganhou muito mais do que isso apenas como honorários, sem contar o que repassou para os demais advogados, por pagamento de serviço.

Além disso, como especialista em legislação internacional, Elias poderia tranqüilamente receber seu dinheiro em uma offshore, sem ser identificado. Mas preferiu receber em uma empresa registrada, com tudo declarado em seu nome, imposto pago, e registro dos pagamentos feitos para terceiros. Esse tipo de conta – onde o advogado recebe os pagamentos – é chamada de “client account”.

Em seu podcast, Mainardi deu o número da conta e o valor recebido como se fosse fruto de uma investigação sigilosa que tinha identificado um crime. E não passava de um registro normal de pagamento de serviços advocatícios, registrado na contabilidade da Telecom Italia.

Tome-se o caso de Roberto Mangabeira Unger, que cumpria para Daniel Dantas o mesmo papel que Elias para os adversários de Dantas.

Teoricamente, seu trabalho era similar ao de Elias. Cabia a ele coordenar uma equipe de advogados para tratar de um conjunto de ações e pagar os honorários.

Os pagamentos foram efetuados em nome dele e de The International Strategies Group, em uma "client account". Em 2005 foram US$ 900 mil dólares. Nos anos anteriores, mais US$ 1 milhão. Se juntar tudo, a conta aumenta substancialmente. Parte desse dinheiro era para remunerar advogados da equipe - tal e qual Elias, tudo legalizado, só que em valores muito maiores.

Mas havia muito mais. Na relação de pagamentos da Brasil Telecom (sob o comando de Dantas) a advogados, contam pagamentos de R$ 8,5 milhões a Carlos Alberto Almeida Castro, o notório Kakai, advogado de Brasília, com vinculações políticas óbvias. Desse total, R$ 5 milhões foram para uma causa da qual ele não tinha sequer procuração. O advogado Roberto Teixeira recebeu quase R$ 1 milhão; R$ 1 milhão para Oliveira Lima, atual advogado de José Dirceu.

Tudo isso sem contar quantias elevadas colocadas em assessorias de imprensa.

Só a FSB, assessoria de imprensa, tinha quatro contratos, um de R$ 30 mil mensais; outro de R$ 400 mil por ano, no total quase R$ 1 milhão, sem nenhuma evidência de serviço prestado. Muitas e muitas assessorias receberam somas milionárias muito mais do que os honorários normais de mercado. Para onde ía esse dinheiro?

Esses dados constam de processos na Justiça, em que a Brasil Telecom pede ressarcimento dos valores pagos. Na ação sobre gastos com assessorias de imprensa, lê-se:


Eurípedes e Mainardi poderiam alegar desconhecimento sobre esses universo de relações com advogados e jornalistas? Poderiam, em tese.

Acontece que, depois da primeira coluna de Mainardi, em 2006, o advogado Elias encaminhou carta protocolada a Eurípedes dando-lhe ciência de todos os honorários pagos pela Brasil Telecom (sob a gestão Dantas) a esses advogados. A desproporção de valores era enorme, em relação aos tais US$ 100 mil que teriam sido utilizados para corromper políticos e jornalistas.

De 9 de outubro de 2006, a carta de Elias trazia todos esses dados, com profusão de detalhes. Mostrava os honorários pagos a Oliveira Lima, Kakai, Nélio Machado, Wilson Mirza, Torjal, Teixeira, Ferreira Serrano & Renault (clique aqui).

Se a guerra de Mainardi era contra Lula, por que razão não divulgou esses nomes? Porque, na outra ponta, apareceria Daniel Dantas.

Não era possível mais o álibi da ignorância ou a síndrome do “boimate” – de supor que US$ 100 mil são suficientes para comprar a República.

O compromisso do jornalista é com os fatos. Os fatos foram colocados em suas mãos, em carta protocolada. O diretor de redação e seu colunista esconderam a carta embaixo do tapete e continuaram repetindo as mesmas afirmações (desmentidas). E Eurípedes garantindo a Roberto Civita que todas as afirmações eram fundamentadas. Era muita coisa para que Roberto Civita pudesse alegar desconhecimento.

E ambos usando dados falsos para intimidar jornalistas. A crença era de que, com o pacto de silêncio da mídia em torno do tema, com nenhum veículo se animando a denunciar esse esquema, todos os que fossem atacados ficariam intimidados pela falta de espaço para se defender.

Não se deram conta do fenômeno da Internet.

A possível fraude

No domingo, quando publiquei o Capítulo sobre esse suspeito dossiê italiano, cujo link estava na coluna de Mainardi, alguns leitores fizeram o download, analisaram o documento e ajudaram a reforçar as suspeitas de fraude:

1) O documento não tem começo nem final. O documento tem duas numerações. Uma, aparentemente a numeração oficial do inquérito. Outra, uma numeração específica do documento. Por exemplo, a primeira página tem o número 1 (que é do dossiê entregue a Mainardi) e o número 136 (que provavelmente é do inquérito da polícia italiana). Significa que foram escondidas as 135 primeiras páginas do inquérito original. O que continham?

2) A diferença da numeração no inicio do arquivo é de 135 paginas. Já no final é de 140, indicando que foram suprimidas 5 paginas, sem motivo algum. Entre a penúltima e a última página estão faltando a 317 e 318.

3) Depois, a numeração do documento vai até a página 75 (que corresponde à página 210 do documento original). A partir daí, acaba a numeração original. É um claro sinal de que alguma coisa, que não interessava, foi suprimida do documento original.

4) É só conferir a página 97 do documento. Começa a falar de Motta Veiga (o principal contato de Dantas com a mídia) e, de repente, acaba.

Há indícios fortes de que Mainardi divulgou intencionalmente uma fraude.

Nos próximos capitulos vamos dar uma folga a vocês, sair de temas espinhosos, e mostrar outros campos onde o anti-jornalismo da Veja deixou rastros e impressões digitais.


Os Mais Vendidos
De como Sabino manipulou a revista para se promover

Ao longo dos últimos anos, duas vertentes determinaram o aprofundamento da deformação editorial da revista Veja. No comando, Eurípedes Alcântara e suas coberturas estranhas; nas entranhas, Mário Sabino, incumbido de coordenar a brigada dos "assassinos de reputação".

Eurípedes é o homem dos altos contatos, altamente agressivo, jornalisticamente bastante limitado porém sabendo disfarçar. Seus braços na revista são Lauro Jardim e Diogo Mainardi.

Já Sabino é o truculento, uma espécie de cão de guarda feroz, sem escrúpulos nos ataques a terceiros, praticando cotidianamente o ritual da maldade, com uma agressividade quase pornográfica que se propaga por seus três alter egos: Sérgio Martins, Jerônimo Teixeira e Reinaldo Azevedo.

Guarde por ora essas informações e nomes, enquanto tentamos entender melhor o desastre que foi o fenômeno Sabino para a Veja.

O caráter jornalístico

Há duas características do jornalismo que ajudam a legitimá-lo. Primeiro, investir contra qualquer ameaça de super-poder. Quando quer fuzilar algum personagem público, um dos expedientes mais utilizados pela mídia é superestimar o poder do alvo. Nas sociedades democráticas, a criação do super-poder (ou do mito) é suficiente para mobilizar a opinião pública contra ele.

Uma derivada do princípio anterior, é a denúncia de qualquer forma de utilização indevida dos poderes conferidos. É por isso que denúncias sobre pequenas mordomias ecoam quase tanto quanto aquelas sobre grandes escândalos.

Obviamente, quem denuncia não pode incorrer nesses vícios.

No entanto, esses dois princípios fundamentais foram atropelados de forma impiedosa por Sabino, como se verá a seguir

O Mais Vendido

A seção “Mais Vendidos” é uma instituição da Veja. Criada nos anos 70, se tornou o principal referencial de vendas de livros no país. Aparecendo na lista, aumentam as encomendas do livro, e as livrarias passam a colocá-lo em lugar de destaque em vitrines e estantes. Há um ganho efetivo – intelectual e financeiro – em aparecer na relação.

Um dos textos mais agressivos de Veja foi o comentário “O mais vendido”, referindo-se ao jornalista Leonardo Attuch. Veja ainda estava na fase dos ataques a Dantas – que precedeu o grande pacto.

Attuch escreveu o livro “A CPI que abalou o Brasil”. O livro entrou para a lista dos mais vendidos. Depois, descobriu-se que a Editora Siciliano, que lançara o livro, havia inflado os dados de venda incluindo livros em consignação.

A resposta de Veja, ao estilo Sabino (embora internamente se atribua o texto a Eurípedes) foi de uma virulência desproporcional (clique aqui para ler a íntegra):

O mais vendido

Investigado pela Polícia Federal por atividades ilícitas, o negociante de notícias Leonardo Attuch está envolvido em uma nova fraude.

Attuch processou a revista e ganhou.

Depois de qualificar Attuch como “quadrilheiro” e “vendido”, o quarteto de Veja se aproximou dele, compondo a grande frente em defesa de Dantas na mídia. Mas isso é tema para outro capítulo.

Continuemos com os “Mais Vendidos”.

No dia 10 de março de 2004, o romance de estréia de Mário Sabino – “O Dia em que Matei Meu Pai”- foi resenhado na Veja (clique aqui). A resenha foi de responsabilidade do jornalista Carlos Graieb, repórter da revista e subordinado a Sabino. Era algo impensável, vetado por qualquer código de ética escrito ou tácito, que um subordinado fosse incumbido de resenhar um livro do chefe.

Os elogios eram derramados:

"Dois tipos de sedução aguardam o leitor de O Dia em que Matei Meu Pai (Record; 221 páginas; 25,90 reais). Primeiro, a sedução do bom texto literário, à qual ele pode se entregar sem medo. O romance de estréia do jornalista Mario Sabino, editor executivo de VEJA, é daqueles que se devoram rápido, de preferência de uma vez só, porque a história é envolvente e a linguagem, cristalina. Sabino possui atributos fundamentais para um ficcionista, como o poder de criar imagens precisas: em seu texto, ao ser atingido pelas costas um personagem não apenas se curva antes de desabar; ele se curva como se fosse "para amarrar os sapatos"".

A resenha destaca a passagem mais marcante do livro, um diálogo do personagem com o psicanalista, à altura de uma cena hamletiana:

"A certa altura, ele grita para sua analista: "Não quero saber de interpretações. Faça-as longe de mim, e sem a minha colaboração. De que elas servem, meu Deus? Você, aqui, não passa de coadjuvante, está entendendo? Por isso, não tente ser protagonista por meio de suas interpretações"".

Escrita a resenha, foi encaminhada ao editor responsável pela liberação: o próprio Sabino. Ele conferiu o título, aprovou a foto em que aparece com o ar circunspecto dos grandes autores atormentados, e mandou para a gráfica.

No dia 31 de março de 2004, três semanas após o panegírico, a relação dos livros mais vendidos na categoria “Ficção" era a seguinte:

1o Perdas e Ganhos, de Lya Luft
2o Pensar é transigir, de Lya Luft
3o Budapeste, de Chico Buarque
4o As Filhas da Princesa, de Jean Sasson
5o Quinze Minutos, de Paulo Coelho
6o O Beijo da Morte, de Carlos Heitor Cony e Anna Lee
7o Harry Potter e a Ordem do Fênix, de J.K. Howlling
8o O Rei das Fraudes, de John Grisban
9o Sobre meninos e lobos, de Dennis Lehane
10o Paixões Obscuras, de Nora Robers.

O livro de Sabino não aparecia.

Na edição seguinte, de 7 de abril de 2004, a seção dos “Mais Vendidos” anunciava uma mudança nos critérios de classificação dos livros.

Da categoria de ficção farão parte apenas romances e coletâneas de contos. Da categoria de não-ficção constarão ensaios e biografias, mas também livros de crônicas, cuja referência principal se encontra no noticiário e no registro de uma realidade mais imediata” Isso acontecerá ainda que o cronista lance mão de recursos ficcionais"

Não fazia sentido. Há um padrão consagrado nas listas e nas premiações e de mais vendidos, de considerar crônicas como Ficção. Segundo o leitor Saulo Maciel, que percebeu essa manobra:

"Um livro de Luis Fernando Verissimo – 100% ficcional –, depois de dois anos na categoria Ficção, passava a ser considerado Não-Ficção, embora o próprio sítio internet de sua editora, a Objetiva, o incluísse na página Ficção. (Recentemente os livros de Verissimo voltaram a figurar, sem explicação aparente, na categoria Ficção). A revista também não explicava por que quatro livrarias haviam sido excluídas da lista de estabelecimentos consultados. (Basta conferir com a edição anterior)"

Quatro livros da categoria “Ficção” foram transferidos para a “Não Ficção”: os dois da campeã Lya Luft, “As Filhas da Princesa”, e um de Luiz Fernando Veríssimo.

Essas mudanças permitiram ao livro de Sabino entrar em 10o lugar na lista, na categoria “Ficção” (clique aqui).

Geralmente o livro entra na relação dos mais vendidos na semana do lançamento, ainda mais após a exposição recebida de Veja. O de Sabino entrava na terceira semana, à custa de mudança de critérios e da exclusão de livrarias pesquisadas.

Mesmo com as alterações nos critérios, o livro não resistiu e sumiu da lista na semana seguinte. Depois, sem muito alarde, voltaram os critérios originais dos "Mais Vendidos".

Pouco tempo depois, Graieb foi promovido.

As mordomias do cargo

Não ficou apenas nisso. Valendo-se do prestígio conferido pelo cargo, Sabino estabeleceu contatos pessoais para “emplacar” o livro. Marcou almoço com Otávio Frias Filho, da “Folha”. Em 1986, Sabino havia sido demitido do jornal por ser considerado muito parcial na edição da página de livros da Ilustrada: defendia seus amigos e atacava os inimigos. Atacou, por exemplo, o escritor Marcos Rey, chamando-o de "sapo". Como se ele, Sabino, tivesse a fina estampa de um príncipe.

No dia 10 de dezembro de 2003, Sabino fez questão de assinar resenha consagradora do livro lançado por Otávio. Logo após o almoço, Sabino obteve uma resenha elogiosa da "Folha".

Na “Época” recorreu a seu então amigo Luiz Antonio Giron – que, depois, seria alvo de uma tentativa de “assassinato de reputação” no caso dos IPods de Maria Rita -, ganhando mais uma resenha elogiosa.

O uso do cargo em proveito próprio não ficou só nisso.

O caso Record

De 2003 a 2007, Mário Sabino foi namorado da diretora editorial da Record, Luciana Villas-Boas. Houve troca de favores, na época, que provocou ressentimento tanto nas editoras concorrentes como das seções de lançamento de livros de outras publicações.

Entusiasmada com o talento nascente do namorado (ironia da fonte que me relatou a história), durante a Bienal do Livro em São Paulo de 2004 Luciana mandou espalhar outdoors por toda a cidade, vendendo Sabino como a grande descoberta do novo romance brasileiro.

Mesmo assim, tirando resenhas de amigos e subalternos, a repercussão foi quase nula.

Mas, a partir dessa relação, a seção de Livros de Veja passou a dar um tratamento diferenciado para a Record – e a Record a dar com exclusividade, para Veja, o anúncio de seus lançamentos mais relevantes. Se a Abril quiser aprofundar, bastará consultar as editoras concorrentes.

A Record se indispôs com todos os demais veículos, ao privilegiar Veja no lançamento de alguns títulos - caso de “Memórias de Minhas Putas Tristes”, de Gabriel Garcia Márquez, que saiu com chamada na capa de Veja, e livros de Lya Luft, com várias exclusividades para a revista. E Veja se indispôs com outras editoras, pelo favorecimento explícito à Record.

Sabino ia conseguindo pavimentar seu prestígio pessoal, à custa desse duplo desgaste.

A situação tornou-se tão escandalosa, que várias chefes de revistas concorrentes foram tomar satisfações com Luciana.

Mesmo assim, seguiu-se um jogo de troca de favores poucas vezes visto no jornalismo cultural brasileiro. Sabino assinava uma resenha positiva sobre Miguel Sanchez Neto. Grato, Miguel incluía um conto de Sabino na coletânea “Contos para Ler”. O volume era publicado por Luciana Villas-Boas, que conseguia nota bajulatória em Veja.

Mas não se ficou nisso.

Como conta um jornalista do setor, o esquema de divulgação da editora Record segue uma velocidade de McDonald's. Ela lança um livro por dia, e não dá atenção aos autores por muito tempo. Mas Sabino mereceu tratamento vip: além dos outodoors, seus livros passaram a ser oferecidos no Exterior, graças ao empenho pessoal de Luciana e à enorme enorme influência da Record, maior editora brasileira.

O segundo livro de Sabino, “O Antinarciso” foi resenhado pelo escritor e médico gaúcho Moacir Scliar.

Na edição de 11 de maio de 2005, o romance “Na Noite do Ventre, o Diamante”, de Scliar, mereceu resenha elogiosa de Jerônimo Teixeira (clique aqui), subordinado de Sabino.

Duas edições depois, em 25 de maio de 2005, Scliar resenhou o livro de contos de Sabino (clique aqui). Scliar é um escritor sério. Mas não havia nenhuma possibilidade de uma resenha negativa.

No fecho da resenha, Scliar chamava a atenção para o título “O Antinarciso”, que não sai de nenhum dos contos:

"A esse narcisismo cego, que barra as possibilidades afetivas dos personagens, é que se contrapõe o olhar atento do autor antinarciso. E também se opõe à tentação que assalta muitos escritores contemporâneos – de girar em torno ao próprio umbigo, de fazer do pronome "eu" a palavra mais importante da literatura. Os contos de Mario Sabino mostram que a subjetividade só tem sentido quando está a serviço do entendimento, quando funciona como um sensível sismógrafo capaz de captar as vibrações da alma".

O antinarciso

O levantamento das mudanças na lista dos “Mais Vendidos” foi publicado por Saulo Maciel em 2005, no Observatório da Imprensa. Passou despercebido.

Semanas atrás, quando republiquei seu artigo no meu Blog, Sabino decidiu se valer de Reinaldo Azevedo - blogueiro do portal da Veja, contratado e comandado por ele.

Subordinado a Sabino, Azevedo resolveu "espontaneamente" solicitar-lhe um artigo, para que pudesse falar de seu próprio valor literário.

O “pedido” de Azevedo é um marco do jornalismo bajulatório; a resposta de Sabino um marco do jornalismo auto-laudatório. Juntando as duas partes, se terá o quadro mais expressivo, até agora, das deformações que passaram a fazer parte do ambiente interno da revista, refletindo-se inevitavelmente em seu conteúdo.

De Reinaldo Azevedo:

Vejam só: sou um pouco mais briguento do que algumas pessoas com as quais convivo. Por mais que certos ataques sejam de impressionante vileza, de uma estupidez ímpar, acabam ganhando a rede e são usados como instrumento de luta pela Al Qaeda eletrônica. E precisam ter uma resposta. Uma resposta dada às pessoas de bem, não aos terroristas. Mario Sabino, redator-chefe da VEJA, tem sido alvo de uma impressionante baixaria. Por isso, eu o convidei a escrever um texto para o blog. E pedi: “Gostaria que fosse um testemunho, na primeira pessoa mesmo". Acabamos combinando que ele me mandaria um e-mail, que eu publicaria se achasse conveniente.

Trata-se de um jornalista brilhante — nem quem eventualmente o detesta lhe nega isso — e de um escritor formidável, além de bem-sucedido. Certos círculos têm horror à competência.

Estava falando do próprio chefe. Mas como um bom seguro não faz mal a ninguém, do nada Azevedo estendia seus elogios ao diretor de redação da “Folha”, Otávio Frias Filho:

"Em 2003, resenhei, por exemplo, ainda na revista Primeira Leitura, o excelente livro Queda Livre, de Otavio Frias Filho. Gostei tanto da resenha, que a publiquei em Contra O Consenso, uma antologia de artigos meus. Aponto ali que os livros de Otavio costumam ter uma recepção fria da crítica por ele “ser quem é, não por escrever como escreve”. Explico-me: ofende certa mentalidade escrava o fato de o diretor de redação (e dono) da Folha ser também um dos melhores textos do país.

Ah, não. Não estava procurando emprego. Se estivesse, acho que Otavio não me contrataria se o preço fosse uma resenha favorável (...) Um petralha vagabundo (pleonasmo) enviou-me um comentário: “Aí, hein?, puxou o saco do Otavio no seu livro, mas ele acham você um lixo, ka, ka, ka” (esse “ka, ka, ka” é como estranhamente representa graficamente o que suponho ser sua risada).

Vou fazer o quê? Descobrir defeitos no texto de Otavio porque um articulista seu decide me atacar de modo boçal, rasteiro? Arrepender-me? Ah, não! Esse não sou eu. O mundo em que vivo é feito de outras qualidades. Que eu saiba, Otavio prepara um novo livro, que aguardo com muito boa expectativa."

Tudo isso no site da Veja, como parte do seu conteúdo editorial.

Sobre esses círculos de adulação, capaz de chocar qualquer pessoa com um mínimo de caráter, escreverei em outro capítulo.

Interessa, neste momento, a resposta de Sabino, o autor de “O antinarciso”, o escritor que, segundo Scliar, se opunha
“à tentação que assalta muitos escritores contemporâneos – de girar em torno ao próprio umbigo, de fazer do pronome "eu" a palavra mais importante da literatura”.

"Reinaldo, caro,

Com o risco de parecer cabotino, o fato é que sou um autor bem-sucedido. Tenho dois livros publicados, o romance O Dia Em Que Matei Meu Pai, de 2004, e um de contos, O Antinarciso, de 2005. Antes de lançar o romance, mostrei-o a Raduan Nassar, que deu duas sugestões — acatadas — e me fez elogios. Disse que eu era um narrador "brilhante", adjetivo do qual, vindo de quem veio, muito me orgulho. Poucas pessoas têm conhecimento disso. Só o revelo agora por causa dos insultos que ando recebendo. O livro vendeu, no Brasil, cerca de 4 500 exemplares, uma marca, como você sabe, acima da média nacional. Não precisei mendigar críticas positivas, ao contrário do que espalham os inimigos de VEJA. Ele foi elogiado na Folha, no Estado, no Globo, na Bravo! e outras publicações especializadas, como o jornal Rascunho, de Curitiba. Até a revista Época, concorrente de VEJA, brindou-me com uma resenha elogiosa, escrita por Luís Antonio Giron"

Os mais argutos perceberam a esperteza de atribuir as revelações aos "inimigos de Veja". Era apenas uma tentativa canhestra de se esconder atrás da blindagem. Quando se valeu do cargo para benefício pessoal, seguramente Sabino não estava defendendo os interesses de Veja. Até hoje, aliás, Giron lamenta seu momento de fraqueza, de ter cedido aos apelos de um falso amigo. Sobre o fato do livro ter sido resenhado por um subordinado que, na seqüência, foi promovido, a explicação de Sabino era de um simplismo atroz:

"O livro recebeu uma bela resenha em VEJA, escrita por Carlos Graieb, um profissional honrado, tradutor de Emerson e ex-editor de Opinião do Estadão. O livro foi passado a Graieb pelo diretor de redação, Euripedes Alcântara. O que sei é que Carlos Graieb leu e gostou. Ele foi promovido depois? Foi, mas não por causa da resenha positiva, como afirmou um detrator da revista. A promoção já estava acertada muito antes de eu publicar o meu livro. Seu desempenho extraordinário como editor de Artes e Espetáculos justificou a ascensão. VEJA chegou ao posto de quarta revista semanal do mundo porque, em sua redação, vigora a meritocracia, não o compadrio".

Prosseguia o inacreditável libelo do “antinarciso”, explicando o sucesso do seu romance:

"O romance está fazendo uma carreira internacional, se me permite o adjetivo, estupenda. Já foi publicado em Portugal e Itália" .

“O Antinarciso” fez carreira mais modesta. Culpa de quem? Dos petistas.

"O Antinarciso foi finalista, ainda, do Prêmio Portugal Telecom em 2006. Apesar de chegar à final, houve boicote dos jurados. Como sei? Um deles, do qual declino o nome por razões óbvias, contou à editora Record que boa parte dos jurados, petistas ou simpatizantes havia concluído que "para alguém da direita, o Sabino já havia ido longe demais. Um editor da VEJA não pode ganhar o prêmio". Obviamente, não compareci à entrega. Sou péssimo ator. Tudo bem, não ligo para o boicote, mas é um desaforo me acusarem de manipulador. Quem manipula são eles".

Se entrar no site da Amazon e clicar "Luís Nassif", aparecerão o CD "Roda de Choro", relançado alguns anos atrás, e meus livros "O Menino de São Benedito" e "Os Cabeças de Planilha". Não ousaria dizer que nenhum deles foi sucesso internacional, nem mesmo nacional, apesar do primeiro ter sido finalista da categoria Conto/Crônica, do Prêmio Jabuti. Hoje em dia, provavelmente está fora de catálogo. Mas continua aparecendo na Amazon.

Se clicar o nome de Mario Sabino, aparecerão três menções: uma ópera de Verdi (que nada tem a ver com ele), uma pornochanchada (presumo que não), e seu livro "O Antinarciso", edição brasileira. Nenhuma obra em outra língua.

Sobre a manipulação da lista de Veja, Sabino envereda por um contorcionismo extravagante:

"Quanto aos livros que, naquele momento, passaram a ser considerados "não-ficção", qualquer pessoa alfabetizada que os abrir verificará que fizemos o certo. Aliás, é comum que as livrarias forneçam à imprensa listas em que trocam os livros de categoria, como sabem os profissionais encarregados de fazer as tabulações nos jornais e nas revistas. Esses ajustes, pelo menos em VEJA, são freqüentes. Se não me engano, meu romance, na ocasião em que foi lançado, vendeu, na primeira e segunda semanas, 300 e 250 livros, respectivamente. Foi o bastante para pegar o último lugar na lista de ficção, numa única semana. Convenhamos que, como manipulador, sou um desastre."

Foi um desastre como venda. A manipulação ocorreu, ocorreram os favores de amigos, o acordo com a Record que garantiu campanha de outdoor nas ruas. E nem assim o livro emplacou.

Duas coisas chamavam a atenção. Uma, a falta de limites em colocar seu cargo a serviço de seus interesses pessoais, inclusive comprometendo uma das instituições de Veja, a lista dos "Mais Vendidos". Mas isso é problema de Roberto Civita.

A segunda, o fato de Sabino julgar que o nível raso de seus argumentos poderia convencer qualquer leitor medianamente informado de que não houve manipulação. Como explicar que esse nível primário de argumentação, em um texto quase tatibitate, pudesse ser de um "jornalista brilhante — nem quem eventualmente o detesta lhe nega isso", nos dizeres de seu subordinado, Azevedo?

Tudo isso passou incólume no jornalismo impresso por que, a esta altura, a imprensa estava contaminada por um fenômeno que, na França, foi batizado de "Os novos cães de guarda": a montagem de grupos de auto-promoção, com um exercício tão ostensivo de agressividade gratuita (contra os de fora) e de lisonja (para os poderosos), de auto-promoção escandalosa, que amordaçava a mídia mas era impossível passar despercebido dos formadores de opinião.

Esse processo de compadrio, de colocar a revista a serviço da promoção pessoal, a linguagem chula, os ataques gratuitos, marcas do estilo Sabino, trouxeram mais desgaste à Veja do que as coberturas estranhas de negócios empresariais. Mas será assunto para o próximo capítulo.

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