segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

ENTREVISTA – FERNANDO ANITELLI, idealizador do projeto O Teatro Mágico - por Bruno Terribas e Enio Lourenço - fonte: http://carosamigos.terra.com.br/

ENTREVISTA – FERNANDO ANITELLI, idealizador do projeto O Teatro Mágico


Música, circo, teatro e poesia. Há três anos, O Teatro Mágico, trupe de mais de 10 artistas de Osasco, (SP) tem ousado mesclar diversas expressões artísticas em suas apresentações, transformando o palco em um grande sarau. Desta forma, o grupo já vendeu mais de 35 mil unidades de seu primeiro CD: “Entrada Para Raros” – todos produzidos de forma artesanal e vendidos a R$ 5 a unidade. Mas não somente isso é o Teatro Mágico. Para além das experimentações estéticas, o artista performático Fernando Anitelli, idealizador do projeto, explica que O Teatro Mágico também aposta em uma proposta de arte independente, o sonho de “fazer do Brasil um sarau gigante”, procurando formar uma rede que aproxime grupos de diversos pontos do país que produzem manifestações artísticas de forma autônoma. Nesta entrevista, Anitelli também expõe a profunda divergência que o Teatro Mágico tem em relação à indústria fonográfica: “A gente diz: ‘não tem dinheiro para comprar meu CD? Pirateia’! Isto nada mais é do que compartilhar informação, compartilhar cultura”.

por Bruno Terribas e Enio Lourenço
Fotos: Daniel Arantes

Como garantir a sobrevivência financeira fazendo uma opção pela arte independente?
A questão d’O Teatro Mágico trabalhar de maneira independente foi uma bandeira que a gente levantou desde o início. Quando eu gravei o primeiro CD eu não tinha uma banda, não tinha uma trupe. Eu gravei um CD sozinho, tinha acabado de sair de uma banda chamada Madalena 19, estava gravando meu primeiro CD solo: “Fernando Anitelli apresenta O Teatro Mágico” e convidei 30 amigos para participar. Participaram o Cordel [do Fogo Encantado], a Simone Soul, o Pavilhão 9, o pessoal do sarau, amigos da comunidade e tal. A segunda parte do projeto era como realizar isso ao vivo. O pessoal pirou, entendeu qual era a proposta, a galera entendeu que não é um espetáculo, que O Teatro Mágico, como digo, é “uma desculpa esfarrapada para uma porção de gente rara se encontrar”, e poder debater, dialogar e criticar com sensibilidade. A questão da independência existe justamente porque a mídia não dá espaço para o artista, a televisão vive de anunciantes, a rádio vive de anunciantes. Se você quiser colocar uma música sua no rádio tem que pagar 4 minutos de anunciantes para poder tocar. A TV é a mesma coisa, ela vai pedir um jabá, uma grana para te divulgar dentro da programação deles.A independência a gente conseguiu através da internet, uma ferramenta nova, que infelizmente só 20% do país tem acesso, e 10% usam de fato. É um meio ainda hoje livre, que a gente pode divulgar o que a gente quer, da maneira que quiser, nossos textos, nossas fotos, nossos encontros, nossas opiniões. As músicas estão todas ali disponíveis para você baixar em mp3. Então o que acontece hoje? Na arte independente o artista corta todos esses caras que engorduram o meio cultural do nosso país. Hoje em dia o artista é obrigado a ter um empresário, que conhece um produtor, que conhece o cara de uma rádio. Quando você chega lá você já está com um preço over, super inflacionado e você não sabe de nada que está acontecendo porque já passou na mão de muita gente. Com a tecnologia as gravadoras estão perdendo muito campo por não divulgar música do artista, só consegue ganhar vendendo CD. É por isso que eu falo nas nossas apresentações: “Pessoal, isso aqui nada mais é do que a idéia de um sarau amplificado”. As coisas no sarau sempre ocorreram de modo livre, independente. Você declama uma poesia, nisso todo mundo começa a cantar uma música junto, alguém entra com uma cena de dança que tem a ver com aquela música, aquela poesia. O sarau tem a ver com como você compartilha, debate, dialoga, consegue criticar, aprende a ouvir. Essa experiência que eu tive de sarau, de teatro de rua, oficina de palhaço, tudo isso aí eu trouxe para O Teatro Mágico. Reuni toda essa galera, a gente se reúne de quando em quando e conversa sobre a mídia, sobre como a gente deve se relacionar com a arte. Temos uma relação muito interessante com a arte, de não fazer parte de maneira aleatória. Bancar uma arte independente é você bancar antes de mais nada um compromisso com a arte, bancar uma verdade em relação à sua arte. Você não pode jamais deixar de ser ousado naquilo que faz, acreditar na sua musicalidade, no seu teatro. Poxa, as pessoas que eu tenho referência como artistas são Ney Matogrosso, Os Secos e Molhados, Tom Zé, Antônio Nóbrega.

b
"eles vêm com discurso: 'se você compra CD pirata está ajudando o narcotráfico, você é um cara mau'. Não é nada disso. Brasileiro não é mau, brasileiro é pobre”

Como romper com este monopólio da mídia e da indústria fonográfica?
A gente diz: “não tem dinheiro para comprar meu CD? Pirateia”! Vivemos num país onde 60% da população não tem dinheiro para comprar CD. Eles vêm com discurso: “se você compra CD pirata está ajudando o narcotráfico, você é um cara mau”. Não é nada disso. Brasileiro não é mau, brasileiro é pobre, não consegue terminar o ensino fundamental, apanha porque é preto, porque é pobre, porque não tem dente bom, vai pro final da fila, não vai ganhar emprego, este é o nosso Brasil. As gravadoras poderiam fazer um CD original por R$ 10, R$ 15, muita gente compraria. Lança o original por R$ 60 e um outro no saquinho pro cara ouvir por R$ 5. Mas não, as gravadoras fecham os olhos para toda essa massa e cria essa coisa: “se comprar pirata é crime, se não pagar R$ 60 no CD é crime”. Tem que entender que o país é miserável, esta é a grande questão. Eu como artista tenho uma relação com o social, todo o artista tem, porque ele influencia. Inclusive já foi até polícia na nossa apresentação porque a gente estava supostamente fazendo apologia à pirataria. É foi aí que eu pensei: “é agora que eu vou continuar a divulgar, a falar mesmo”. Porque crime para mim é uma multinacional entrar aqui, pegar um artista local, colocar ao lado de uma garrafa de cerveja e vender o CD a R$ 60 e nem um real vai para o artista. Isso é crime. Agora eu falar: “pirateiem o meu trabalho, divulguem!” Isto nada mais é do que compartilhar informação, compartilhar cultura. Nos EUA já estão fazendo leis para coibir a troca de música, o compartilhamento. Você não tem como impedir isso. Isso não é crime, isso é difundir informação. A informação é o quarto poder. Quem tem informação tem força, tem noção, tem poder, tem como reagir.

Como você havia dito boa parte da população não tem acesso à Internet. Quais as alternativas para atingir este público?
A alternativa é a gente conversar com outros artistas independentes. Por exemplo, em Osasco agente começou a fazer sarau no Grande Otelo. Então começou a reunir artistas, poetas. Tem que trocar informação com essa galera, procurar centros culturais, prefeituras, escolas, porque esses lugares dão abertura para um festival de música, para uma oficina, um debate. A gente tem que conseguir criar um ambiente de debate, discussão, cultura. Se o pessoal de Osasco conseguir se comunicar com o pessoal da Bahia, do Rio de Janeiro, a gente vai ter um pólo cultural gigante. Se a gente conseguir essa troca de informações a gente consegue chegar a uma porção de lugares. Nós d’O Teatro Mágico fomos até Curitiba, porque lá tem um rapaz envolvido com música independente, ouviu nosso CD, e chamou a gente para tocar num festival num galpão velho que tinha o pessoal do rap, o pessoal do punk, o pessoal do chorinho, e a gente lá apareceu lá vestido de palhaço. Foi muito bacana, trocamos informações, figurinhas com um monte de gente. Fomos agora para o Rio de Janeiro, tocamos no centro cultural da Finep, levamos nosso cdzinho, fizemos contato, trocamos idéia. Então você vai começar a descobrir que em todo lugar tem alguém pessoas pensando da mesma maneira, tem pessoas que buscam essa libertação da cultura, da música, que buscam essa freqüência comum. A gente tem que descobrir essas pessoas. A internet é um meio interessante porque já tem muita gente que mexe com isso. Temos contato com muita gente da Bahia, muita gente de Porto Alegre, mas tem que aprofundar, tem que ter políticas para isso. Nas prefeituras, escolas, comunidades, tem que criar saraus, organizar festivais com sarau com oficinas, debate, música ao vivo. Se a gente batalhar por rádios livres, TVs locais nas cidades. Eu não tenho resposta para isso, mas o fato de conseguir trocar informação gera um poder gigante. Se conseguirmos fazer do Brasil um sarau gigante isso vai ter um poder incrível.

E como reagir frente ao assédio da mídia comercial?
Eu sempre falo que não sou contra nenhuma mídia, sou contra o uso que se faz do espaço que a gente tem para jogar cultura na casa das pessoas. Já fomos em programas de baixíssima qualidade na TV para falar sobre O Teatro Mágico, sobre poesia, sobre cultura. Através desse pouco espaço em um canal aberto, desse lixo, que o pessoal do Espírito Santo, do Maranhão, conheceu nosso trabalho. Fomos a TV Cultura três vezes, achei um tesão. As rádios que a gente toca são a rádio USP, rádio Eldorado e rádio Brasil 2000. Houve também a polêmica em relação a nossa participação no Big Brother Brasil. O que acontece é que eu não estou me juntando, me rendendo, apoiando os conchavos que a Globo faz. Isso não existe! O cara que entrou lá no Big Brother é de Osasco, trabalha com nosso gaitista, se formou com meu irmão, e o grito de guerra que ele lançou quando entrou lá foi a nossa frase: “os opostos se distraem e os dispostos se atraem”. Eles perguntaram: “pô, vocês são de Osasco, não querem aparecer?”, e a gente: “vamos lá, sem problemas”. Durante 9 segundos o Brasil ouviu uns palhaços cantando e pensou: “o que é isso aí”? Ouvi de um monte de gente: “pô, mas porque você apareceu na Globo”? Entendo sua questão, mas eu não estou me vendendo, eu consegui entrar numa máquina que leva informação para 99% da população, eu consegui fazer isso sem pagar nada, foi esquema de pirata mesmo, de pular de um navio para o outro. Saímos na Folha de São Paulo, na Revista Capricho, que é uma revista de adolescente. O pessoal falou “poxa, olha isso”. Mas a gente não escolhe revista, e você pode ver que não mudou o discurso, pode ver que nas nossas apresentações a essência é a mesma, o discurso é o mesmo. No ano passado no show do nosso aniversário de 3 anos no Sesc Ipiranga teve mais de 2.700 pessoas, teve roda de ciranda, falamos sobre mídia, educação, cultura, arte independente. Acabou o show e fomos pintados falar com todo mundo lá na calçada, trocando figurinhas. Até quando vamos ter fôlego para fazer isso? Espero que eternamente.

a
"se eu posso aparecer cinco minutos na TV cantando uma música minha, falando sobre o meu trabalho, eu vou".

No caso da participação em programas de massificados, é possível fazer conseguir fazer um discurso, não apenas executar a performance artística e tocar as músicas de uma forma descontextualizada?
Veja o caso do Domingo Legal e do programa do Leão. Beleza, vamos lá. Vou chegar lá e falar: “Leão, é bacana estar aqui, mas seu programa e o dos outros são muito iguais, exploram o corpo da mulher, eu vou falar isso. Mas vou falar: “viva a arte independente”! O tempo que tiver para falar sobre nossos saraus, eu vou falar. Agora, eu não vou deixar de ter esse espaço, se eu posso aparecer cinco minutos na TV cantando uma música minha, falando sobre o meu trabalho, eu vou. Não pense que eu vou fazer conchavo, não é nada disso. Mas num país onde a mídia é tão pasteurizada, onde a população fica fixada num canal só, que a novela daquele canal dita a moda, dita a vida, dita a postura – inclusive a mídia cria um estereótipo que diz o que é certo, o que é errado, o que é belo. Você pensa: “putz, estou no programa do Ratinho”! Neste momento, que ninguém conhece O Teatro Mágico, sinceramente eu gostaria de aproveitar o espaço mínimo que fosse para falar do projeto, aparecer nosso site, mostrar minha cara. Isto não quer dizer que estou compactuando com isso, que eu estou me vendendo, que eu estou deixando mudar as coisas que eu escrevo. Quer dizer é a maneira que eu tenho que ir dizer: “viva a arte livre”! E a única forma de eu dizer isso é entrando na mídia comercial. Se a gente ficar só na internet, pouca gente vai ter acesso. A Globo hoje em dia pega não só no país inteiro como pega lá fora, na América do Sul, nos EUA, TV a cabo e satélite. Como eu não vou me dispor a mostrar meu trabalho, no espaço mínimo que tenha?

E quanto a fazer comerciais?
Comercial eu já sou contra, acho que não faz sentido. Ver Marcelo D2 e O Rappa dizendo que “democracia se faz batendo na latinha”, aí não né? Aí é sacanagem. A gente não critica o artista, a gente fala que cada um tem um preço para rebolar. Então o que a gente critica é o que nós aqui filtramos tudo que a mídia joga. O Marcelo D2 e o Rappa fizeram coisas legais pra caramba. Mas se eu não puder questionar meu professor, se eu não puder questionar os meus mestres... Jamais vou deixar de ter letras politizadas, de ter uma postura politizada, de debater, de ouvir crítica.


c
"não fiquei seis meses trancado em casa, saí e disse “sou um artista”

O Teatro Mágico é uma referência para muitos jovens. Como conciliar as músicas que falam sobre sentimentos com uma mensagem de mudança?
Dentro do Teatro Mágico a gente procura mesclar. Algumas músicas até que são bem breguinhas. “Ana e o Mar” é bem brega, eu até falo isso na apresentação. Não é que é brega, mas fala de um amor, dessa brincadeira, do jogo de palavras. A idéia é que de toda maneira, seja através do forró, de um reggae, de uma tecnera, de um samba, a gente não deixa de ser ousado em nossas experimentações de música. Por exemplo, você vê o Tom Zé com a mesma estranheza sempre. Seja ousado nas suas experimentações. O Ney Matogrosso está sempre diferente, o cara choca, está com 60 anos, com uma puta estrutura física. O Antônio Nóbrega é um senhor, com mais de 50 anos ele pula, dança capoeira. Lenine, Zeca Baleiro, Nação Zumbi, a galera chama pra briga. No trabalho d’O Teatro Mágico eu quero justamente brincar de experimentar sempre, poder conjugar os diversos timbres de musicalidade, convidar outros músicos, misturar poesia. Tudo é inspiração. Eu busco levar para O Teatro Mágico as minhas experiências, de outras pessoas, sou muito aberto a ouvir. A idéia é jamais se tornar um cover de si mesmo. Tem uma coisa que o Herman Hesse diz no livro O Lobo da Estepe: “ser é ousar ser”. A gente tem que debater, eu vejo isso como uma missão. Nosso próximo CD, que está saindo, “O Teatro Mágico – Segundo Ato”, é muito mais politizado nas letras porque eu amadureci muito como ser humano, e espero ser uma pessoa diferente sempre. Se daqui a dois anos vocês me entrevistarem de novo e eu disser a mesma coisa, vocês vão pensar “esse cara parou no tempo”. É a metamorfose ambulante do Raul. Falar para essa galera, o jovem tem essa coisa de “vamos mudar, vamos lá!” Porque quando chega com uns 27 ele já está pensando “mano, cadê meu trampo?”. Com 29 eu larguei tudo que eu tinha, fui para os Estados Unidos trabalhar de garçom, de músico em shopping, juntar uma grana. Vendi tudo que eu tinha para investir n’O Teatro Mágico, fiquei dois anos sem ganhar nada. Os músicos ganhavam pouco, mas ganhavam, eram amigos meus. Como eu convidei-os e cada um tinha um grupo paralelo, e batalhamos. Saía na mídia, não saia na mídia, ia de sala em sala em Osasco com um violão, falando para a galera, os amigos panfletando, fazíamos cortejo, falávamos sobre arte independente, dávamos o CD. É uma história que tem chão, não é do nada. Não fiquei seis meses trancado em casa, saí e disse “sou um artista”. A idéia é: “você que é jovem, comece a ler, debata”. Comece a conversar com os seus pais, seus professores, seus amigos, promovam saraus, tragam idéias novas, saibam criticar, tomem uma postura. E isso tudo é o que eu tento jogar na arte misturando circo, música, teatro, poesia, dança, fotografia, videoarte, artes plásticas. O Teatro Mágico é um baú infinito de possibilidades.


Bruno Terribas e Enio Lourenço são estudantes de jornalismo. brunoterribas@carosamigos.com.br

fonte: http://carosamigos.terra.com.br/


Share/Save/Bookmark

Um comentário:

Anônimo disse...

Poxa, adorei a maréria...
acho que cada vez mais a midia deveria abrir espaços para o artista independende, para aqueles que realmente cantam, dançam, vivem a arte...Não vou prolongar pq dai estaria repetindo o texto de Anitelli...
Parábens pela matéria, parábens Anitelli, Parabéns O Teatro Magico!!

anadayko@hotmail.com