segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Por que não engulo Hillary Clinton, por Ana Maria Gonçalves - fonte:http://www.idelberavelar.com/

Por que não engulo Hillary Clinton, por Ana Maria Gonçalves

Hoje quem escreve o post é a patroa.

Em 2005, Idelber e eu passamos um mês no Chile, exatamente quando tudo apontava que Michelle Bachelet seria a primeira mulher a assumir a presidência daquele país. Coincidentemente, eu também estava na Argentina no dia da posse de Cristina Kirchner, e voltei animada para os Estados Unidos, diante da perspectiva de acompanhar a caminhada de mais uma mulher rumo à presidência. Hillary Clinton, aliás, tinha uma trajetória bastante parecida com a de Cristina: ambas eram senadoras e tinham sido primeiras damas (na verdade Cristina ainda o era quando foi eleita, sendo empossada pelo marido, o ex-presidente Nestor Kirchner).

Embora um dos meus grandes dilemas seja a incapacidade de me entregar completamente a alguma causa ou ideologia, por inércia ou falta de paciência, ou mesmo falta de desprendimento, estava torcendo pelo que seria uma grande vitória feminina. Estava torcendo por Hillary Clinton. A vitória dela representaria para mim um grande prazer, um quase capricho, um afago no ego coletivo feminino, do qual faço parte. Mas não só isso, pois também seria um fato importante ter uma mulher na Casa Branca, dada a atual conjuntura política e econômica do país e sua relação turbulenta e atravessada com o "resto do mundo". Seria interessante ver uma mulher mudando tudo isso e, quem sabe, abrindo caminho para outras mulheres.

Mesmo não votando aqui, eu queria me identificar com Hillary Clinton. Fiquei bastante frustrada quando não consegui, quando não me senti tocada pela presença ou pelas palavras dela, naquele tipo de empatia que é tão importante num primeiro momento. Eu tinha vontade de me identificar com a pessoa que eu achava que ela era: forte, inteligente, corajosa, determinada e prestes a alcançar o posto mais alto dentro da carreira que escolheu. Eu tinha dela a imagem de uma mulher que faz e acontece, e eu gosto de aprender com mulheres que fazem (ou fizeram) e acontecem (ou aconteceram). Tenho vários exemplos na família e escrevi um livro de mais de 900 páginas sobre a vida (inventada, está certo) de uma delas. Mas não consegui gostar do discurso de Hillary Clinton, não me senti representada por ela. E resolvi tentar descobrir o porquê.

Minhas impressões e descobertas:

- Hillary mal consegue deixar de admirar a si e a suas vitórias, passando a impressão de que ninguém precisa ir atrás de mais sonhos e mais conquistas, pois ela está lá, prestes a realizar o sonho mor que, generosamente, vai compartilhar com todos.

- Hillary não consegue se comunicar com pessoas que não tenham um perfil parecido com o dela. Não é por falta de esforço, mas porque tem um discurso muito autocentrado. Fala durante alguns minutos sobre um projeto coletivo de governo e todo o resto do tempo sobre um "eu" que parece ter mais importância que tudo no mundo. É sempre um "eu" fiz, "eu" farei, "eu"quero, "eu" preciso, "eu", "eu", "eu" qualquer coisa, e um "nós" de vez em quando, provavelmente ao seguir o script tantas vezes ensaiado para esse momento.

- Hillary acha que estar na Casa Branca é um direito adquirido, apenas pelo que já fez no passado.

- Hillary não tem o menor pudor em distorcer fatos, acrescentar dados e omitir informações quando percebe que pode se beneficiar da situação criada, como fez naquele caso em que acusou Obama de não ser um verdadeiro democrata.

- Hillary é capaz de continuar representando situações que tiveram certo impacto e montando teatrinhos, seja fingindo choro em mais duas situações depois daquela de New Hampshire, seja contratando (ou deixando contratar, tanto faz) aqueles rapazes que seguraram cartazes com os dizeres "Iron my shirt!", apenas para levantar a bandeira do sexismo.

- Hillary não consegue entender o que os americanos querem dizer quando clamam por "change". Essa mudança se refere ao modo de fazer política, mais que a qualquer outra coisa. É claro que uma mulher no comando da Casa Branca já seria uma grande "change", mas não vejo "change" numa líder política à moda antiga, corrompida pelo sistema.

- Hillary não vê nenhum problema em se comprometer com doações feitas por lobistas ou em chamar para si bons feitos alheios.

- Hillary é mestre em tentar agradar a gregos e a troianos, como no caso da carta de motorista para imigrantes ilegais, assunto no qual ela já mudou de lado tantas vezes que já nem mais sei se continua contra, ou a favor, ou muito pelo contrário. Na verdade ela não defende opiniões próprias, pois está sempre preocupada com o que possíveis eleitores vão pensar, ou deixar de pensar, ou muito pelo contrário também.

- Hillary quebra acordos com a mesma facilidade com que os faz. No caso das primárias na Flórida e em Michigan, por exemplo, foi feito um acordo para que nenhum dos candidatos fizesse campanha por lá. Os delegados desses estados não teriam poder de voto na escolha do candidato na convenção do partido, pois anteciparam as datas de suas primárias para que tivessem mais influência no resultado final. Todos os candidatos concordaram com isso, inclusive a Hillary. Mas ela foi a única a fazer campanha nos dois estados e a esquecer de mandar tirar seu nome das cédulas (é interessante que em Michigan, mesmo como candidata única, ela quase perde para os "uncommited"). Ganhou nos dois e agora diz que vai entrar na justiça para validar suas "vitórias".

- Hillary é covarde, ou então nos chama de burros quando fala de sua posição quanto à guerra. É orgulhosa demais para reconhecer que errou ao assinar a autorização para a invasão do Iraque. Muitos dos que a assinaram junto com ela já reconheceram o erro, como foi o caso de John Edwards. Ela diz que não errou, que continua absolutamente certa de que era a melhor decisão que tinha a tomar naquele momento com os dados de que dispunha, e que depois foi enganada por Bush. Bem, isso quase me dá o direito de pensar que ela não será esperta o suficiente para não cair em armadilhas similares, caso ocupe um dos cargos mais importantes do mundo. Ou então, ela acha que não sou esperta o suficiente para desconfiar de uma desculpa esfarrapada como essa. Todos sabiam que se iniciava ali uma guerra irresponsável, covarde, injustificada.

Vou parar por aqui, embora tenha certeza de que encontraria muitos outros motivos se continuasse pesquisando ou puxasse um pouco mais pela memória. Mas os aqui apresentados foram mais do que suficientes para me deixarem feliz por não me identificar com Hillary Clinton. Se votasse aqui nos EUA e votasse nela, estaria aprovando tudo isso aí acima. Po isso, eu fico um pouco incomodada quando leio textos como esse ou esse, que querem fazer com que eu me sinta uma menina inocente, manipulável e bobinha ou uma grande traidora alienada, por ser mulher e não apoiar uma mulher num momento tão importante. Não, eu realmente não quero me sentir obrigada a apoiar uma mulher apenas porque se trata de uma mulher, porque eu preciso de um pouco mais que isto. Eu preciso, no mínimo, de confiar nela; e na Hillary eu não confio.

Não há como deixar de admirar mulheres como as autoras dos textos que citei, e estar eternamente agradecida, pois, com certeza, sem a dedicação delas ao movimento feminista, minha vida seria muito diferente do que é hoje. Mas não consigo concordar com seus argumentos. Entendo o quanto a eleição da Hillary seria uma coroação, uma validação de tantos anos de trabalho, luta, revolta e entrega. Eis aqui algo que eu também queria ver: uma mulher na Casa Branca. Mas não a Hillary Clinton. Acredito que sua nomeação como candidata democrata será um tiro no pé do movimento feminista, pois ela levaria uma lavada do candidato republicano, fazendo com que qualquer mulher que chegue onde ela está agora tenha que se esforçar muito mais para provar que merece estar lá, para provar que não é nenhuma Hillary Clinton.

*****

Na verdade, a idéia deste texto era explicar por que sou a favor de Obama mas talvez a decepção com Clinton tenha feito com que, hoje, eu veja mais motivos para não apoiá-la do que para apoiar Obama. Foi quase um desabafo. Não tenho a menor idéia se Obama será um bom candidato ou um bom presidente, mas aquilo de que gosto nele e nem cheguei a vislumbrar nela é a capacidade de mobilizar e de fazer as pessoas acreditarem que sonhos são possíveis, que mudanças são viáveis e estão ao alcance de todos. A impressão que dá é que as pessoas querem mudar este cenário contaminado e velho representado por Hillary, com o apoio de Obama. E estão dispostas a ajudá-lo e a cobrá-lo, caso ele não esteja à altura de suas expectativas. Então, para dizer por que torço por Obama, deixo esse link e endosso esse vídeo maravilhoso (que também está transcrito aqui).


Escrito por Idelber
http://www.idelberavelar.com/

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Um comentário:

lucelia zamborlini disse...

ale,

seu blog está muito legal. gostei de passar por aqui.

beijos

lu