18/02/2008 16:04:49
Ivana Bentes
O que está por trás dessa recente conversão das TVs abertas em "defensoras do conteúdo brasileiro contra a pirataria"? Afinal de contas, a melhor defesa desses conteúdos seria exibir nossos filmes, vídeos, a produção independente na TV aberta comercial, de forma sistemática.
Mas não passam! E aí tome fechar rádios livres, criminalizar ou tirar do ar vídeos do You Tube, perseguir hackers e camelôs, se apropriarem do que é produzido livremente nos blogs e redes. Fenômenos que provam que é possível novas formas de produção, consumo e distribuição das informações e imagens. E que estão deixando a mídia tradicional desnorteada, pois não sabem como lidar com os novos “prossumidores” (neologismo para o consumidor ativo, que produz).
Nas campanhas da TV contra a pirataria (DVD pirata, software pirata, rádio pirata!!!) , na novela das oito, nos editoriais, a mídia tenta angariar simpatia dos criadores e produtores de cultura, supostamente "lesados" em seus direitos autorais, com uma estratégia bem pouco inteligente, que se recusa discutir o que tem que ser discutido: a crise estrutural do capitalismo da exclusividade e da restrição da produção e circulação de bens culturais, que de “escassos e caros” agora podem ser produzidos e reproduzidos aos milhares em DVDs, CDs, MP3, MP4, digital.
É que estamos no meio de uma mutação cultural, emergência de uma Cultura Livre dentro do próprio “capitalismo cognitivo”, com ativistas no mundo todo trabalhando pelo barateamento cada vez maior dos meios de produção cultural e o fortalecimento das trocas e redes colaborativas.
Camelôs, artistas, estudantes, programadores, profissionais da informação, designers, formam o novo “precariado”, ou melhor, o novo “cognitariado”, pois trabalham com a produção “imaterial” e difusão de conhecimentos, um valor que pode ser partilhado pela multidão, por qualquer um.
Esse cognitariado aumenta a sua produtividade social passando por cima da legalidade burra. A legalidade improdutiva, que impede a explosão da produção social, em qualquer área. Que quer barrar os fluxos, com licenças, senhas, bloqueadores que impedem o rio-corrente das informações, tecnologias, invenções.
Mas como criminalizar downloads de música quando milhares de Ipods são distribuídos em palito de picolé? Com zilhões de gravadores e duplicadores de DVDs e CDs, câmeras na mão de cada vez mais gente? Quem vai pagar R$ 50 reais quando um CD ou DVD virgem custa centavos?
A crise do direito autoral é a crise do capitalismo privatista. É só pesquisar as novas formas flexíveis de direito autoral que vão do “todos os direitos reservados” até o copyleft (o contrário do copyright) que libera radicalmente os direitos para seu uso livre, para perceber essa mutação histórica.
Afinal, os primeiros a desqualificar o direito autoral são as gravadoras, as editoras, as TVs que pagam pouco aos criadores e lucram muito. A pirataria, a cópia, a circulação social, já está (ou deveria estar) embutida nos lucros da indústria,
A Microsoft, as gravadoras, os editores de livros, a indústria cultural brasileira, vão falir? Provavelmente não, vão tentar inventar novas formas de ganhar dinheiro, vão fazer "reengenharia" (ou seja lá o que for) para reestruturarem a forma "cara" de produzir.
O preço abusivo dos produtos culturais atuais tem a ver com a forma antiga de produção, fordista, agigantada, fabril. Mas a fábrica tradicional está em crise, acabou. Nos Estados Unidos, o sistema de estúdios, os contratos de exclusividade com atores, faliu nos anos 50! Não pode vender produto com preço da fábrica capitalista fordista, num sistema em que toda a produção barateou. Menos o produto final!
Sinal dos tempos, a fábrica dos filmes e máquinas Polaroides, com sua inesquecível moldura branca e um único original, a foto instantânea que saía da máquina com a imagem se formando diante dos olhos do fotógrafo em suspense, está fechando as portas. Pois afinal, as imagens hoje nem precisam ser impressas, circulam velozmente pelas telas dos computadores, para serem vistas, no computador, nas telas, no celular, voláteis e imateriais. Quem ainda imprime fotografias?
A propriedade intelectual e o direito autoral não vão acabar, vão ter que ser repensados! Estão em crise no capitalismo da reprodutibilidade técnica, no capitalismo do imaterial, em que é barato produzir. É barato fazer circular! É barato copiar e compartilhar.
A velha forma do lucro, em cima da venda exclusiva de milhões de "originais" está em crise em um capitalismo que não funciona mais com a escassez, mas com a facilidade e abundância, com a reprodutibilidade técnica máxima, amadora, fácil, com os meios de produção disseminados socialmente. Com o P2P, com as redes colaborativas, a internet, a telefonia móvel, o digital.
Ou seja, como criminalizar toda uma cultura nova, do compatilhamento da duplicação, da difusão, como isso pode ser "ilegal"?
Jovens no mundo todo trocam seus arquivos de música, filmes, vídeos, pelo computador. Que corporação, que moralidade vai impedir essa forma de compartilhar o imaterial? Perguntem o que esses usuários pensam da "pirataria". Estão é se engajando nos novos movimentos, fazendo micropolitica sem sair do quarto de dormir, pela livre circulação e distribuição do conhecimento. Capturar, compartilhar, disseminar. Movimentos viróticos.
Ciberativismo, Copyleft, Cognitariado, Precariado, Cultura Livre, livres capturas pelas redes....dispositivos, estética, essas são algumas das senhas de acesso para a coluna que está começando. Pode logar!
*Ivana Bentes é pesquisadora da Escola de Comunicação da UFRJ, participa da rede Universidade Nômade
Capturas - fonte: http://www.cartacapital.com.br
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