sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Obama, Clinton e política externa americana - por Idelber Avelar - fonte: http://www.idelberavelar.com/

Obama, Clinton e política externa americana

Alguns leitores me pediram um post detalhando como seria a política externa sob Obama ou sob Clinton. Suponho que esteja claro que, com qualquer um dos dois, ela seria bem diferente do que tem sido sob Bush. Nem o eleitor mais convicto de Ralph Nader, o candidato a presidente pelo Partido Verde em 2000, teria coragem de dizer hoje que uma presidência de Al Gore teria sido idêntica à de George W. Bush. Sim, às vezes o malfadado voto útil é uma questão de compromisso com a espécie humana.

É fato que há muitas semelhanças entre os programas de Hillary Clinton e de Barack Obama. Mas talvez a política externa seja uma das áreas onde os contrastes são mais nítidos – e eles ficaram claros para quem assistiu o debate da CNN ontem à noite. Na questão decisiva do nosso tempo, a Guerra do Iraque, eles estiveram em lados opostos. No dia 11 de outubro de 2002, o Senado votou a resolução para o uso de força contra o Iraque. A emenda foi aprovada por 77 votos a 23. Exatamente 21 senadores democratas votaram com George Bush, incluindo-se aí Hillary Clinton. Dez dias antes, Barack Obama, então membro do legislativo de Illinois, participou de um comício em Chicago onde fez um veemente discurso contra a guerra.

A diferença foi decisiva nesta campanha, especialmente pela forma como Hillary lidou com o voto depois que a guerra perdeu popularidade. Entre os candidatos presidenciais que apoiaram a resolução de Bush também estava John Edwards, mas este último pediu desculpas pelo voto. Hillary preferiu racionalizá-lo, dizendo que a resolução exigia que Bush esgotasse as vias diplomáticas e que o presidente havia enganado o Congresso. O problema com a justificativa é que qualquer residente dos EUA com um mínimo de informação e independência de juízo sabia, já em 2002, que Bush mentia sobre o Iraque. A diferença é que antes éramos 10%. Hoje somos 77%. Evidentemente, a senadora fez um cálculo político que, a longo prazo, saiu pela culatra. Esse cálculo já estava nítido -- para quem sabe ler -- no discurso com o qual ela que acompanhou o voto.

Também na política com Cuba há diferenças marcantes. Obama já declarou, no debate de ontem e em outros lugares, que está disposto a sentar-se para conversar, sem pré-condições, com qualquer líder estrangeiro, incluídos Raúl Castro e Ahmadinejad. Clinton defende a tese das pré-condições para o diálogo: que Cuba deve democratizar-se, liberar prisioneiros políticos, abrir a imprensa etc. antes de que possa haver qualquer negociação. A diferença se manifesta em históricos diferentes de votação no Senado. Nos últimos anos, Clinton votou duas vezes para renovar o financiamento da TV Martí, a rede americana de transmissão de propaganda para os cubanos. Obama, já no Senado, votou em ambas ocasiões contra o financiamento à TV Martí. Quanto à normalização das viagens de famílias cubano-americanas à ilha, também há diferença: Obama a favor, Clinton contra.

No que se refere ao desarmamento, os históricos de votação também são bem diferentes. No dia 06 de setembro de 2006, votou-se no Senado a emenda Feinstein, que proibia os EUA de exportar bombas de dispersão (cluster bombs) a não ser que a compra incluísse a proibição de seu uso e estocagem em áreas habitadas por civis. A emenda foi derrotada por 70 x 30. Obama votou a favor. Clinton foi uma de 15 democratas que votaram com os Republicanos para derrotá-la. No dia 26 de setembro deste ano, Clinton também votou com os Republicanos na aprovação da medida Lieberman-Kyl, que designava as forças armadas do Irã como uma organização terrorista. Foi, convenhamos, uma votação bem insólita: o Senado americano se reuniu para declarar terroristas as forças armadas de uma nação soberana. É mais um sinal do desgaste de uma palavra.

Clinton e Obama também estiveram em lados opostos de votações sobre direitos humanos, venda de armamentos e proliferação nuclear. Esse texto pega um pouco pesado com Clinton na retórica, mas todos fatos relatados ali são verdadeiros. Quanto à América Latina, a linha típica dos discursos de Obama tem sido de que a era do junior partner acabou; que a conversa será sempre horizontal; que o continente receberá o respeito de uma interlocução de igual para igual. O tema é sistematicamente mencionado em seus discursos (veja, por exemplo, esse vídeo). Há que se ver tudo com ceticismo, evidentemente. Mas não há dúvidas de que há sinais encorajadores.

PS: Quem tiver assistido o debate de ontem à noite, fique à vontade para comentar. Eu assisti e gostei muito. Foi, provavelmente, a melhor performance de ambos.

PS 2: Já não são dez, e sim onze, as vitórias consecutivas de Obama. Saiu hoje o resultado da votação nas primárias entre os democratas residentes no exterior, com vitória de Obama por 65,6% contra 32,7% de Clinton. Estão curiosos para saber como foi no Brasil? Entre os democratas residentes aí, a vitória foi de Obama por 69,6% contra 30,4% de Clinton (veja os números completos nesse pdf).

PS 3: Em breve, uma explicação sobre as incríveis primárias do Texas, onde é possível conquistar 60% dos votos e ficar com 40% dos delegados. Ou vice-versa. Ou muito antes pelo contrário.


Escrito por Idelber Avelar - fonte: http://www.idelberavelar.com/

Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: