sexta-feira, 11 de abril de 2008

URNA ELETRÔNICA: LINUX AJUDA MAS NÃO RESOLVE

Por Paulo Henrique Amorim

O TSE trocou o sistema Windows que era usado nas urnas eletrônicas pelo Linux. O assunto foi tema do programa Entrevista Record, da Record News, na última terça-feira, dia 08 (clique aqui para ver o vídeo).

Paulo Henrique Amorim entrevistou o moderador do Fórum do Voto Eletrônico e autor do livro “Fraudes e Defesas no Voto Eletrônico”, Amílcar Brunazo Filho. E Brunazo disse que trocar o Windows pelo Linux nas urnas eletrônicas é um passo importante, mas não resolve o problema da segurança.

Segundo Brunazo, os partidos ainda não podem fazer uma verificação dos votos, em caso de suspeita de fraude, porque não há prova material, o “papelzinho”, como dizia Leonel Brizola.

“Na urna eletrônica, o software livre é um componente que vai ajudar... Para resolver o problema da urna eletrônica, mais que o software aberto, seria necessário o voto impresso ou voto materializado para depois fazer uma auditoria contábil da apuração”, disse Brunazo.

Leia a íntegra da entrevista com Amílcar Brunazo Filho:


Paulo Henrique Amorim
– Doutor Amílcar, vamos falar primeiro dessa substituição do sistema operacional Windows pelo sistema livre Linux. Isso é uma boa idéia?

Amílcar Brunazo Filho – Sim. É uma das medidas necessárias inclusive para atender a lei. A lei desde 1996, quando entraram as urnas eletrônicas, previa que todos os softwares, todos os programas fossem apresentados aos partidos políticos. E a Justiça Eleitoral não vinha cumprindo esse artigo. Só agora em 2008, pela primeira vez, todos os softwares das urnas serão abertos. Eu considero muito positiva essa adoção, foi corajosa a decisão do TSE, da equipe técnica, de enfrentar esse problema e adotar o Linux. Só que a gente tem que entender isso mo seu nível se segurança. Isso é bom, mas não é a solução definitiva para o problema as urnas.

Paulo Henrique Amorim – Qual é a facilidade que eu teria, como um hacker, de entrar no Linux e eleger o meu amigo Amílcar Brunazo presidente da República?

Amílcar Brunazo Filho – A diferença de ser Linux ou Windows não faz diferença. Se alguém conseguir atacar o sistema, poderá atacar independente do sistema operacional. A vantagem do Linux é que o código estará aberto para análise dos partidos que se habilitarem, que quiserem investir nessa tarefa. Então, poderá analisar para ver se não tem alguma coisa estranha lá dentro. É uma tarefa um pouco pesada, um pouco cara para os partidos.

Paulo Henrique Amorim – Quer dizer, sendo Linux ou sendo Window – e, agora, sendo Linux –, eu posso fraudar a eleição. Como eu não fraudaria a eleição de maneira nenhuma?

Amílcar Brunazo Filho – Primeiro, a gente tem que entender que o processo eleitoral não é só a urna eletrônica. Tem o procedimento de identificação do eleitor, depois tem o procedimento de votação na urna eletrônica e depois tem o procedimento de totalização. Na urna eletrônica, o software livre é um componente que vai ajudar. Existe um problema. Eu preciso saber – o fiscal do partido – se o software que eu vi lá em Brasília é o que foi parar na urna. Não adianta só olhar o software livre aberto e depois o que tiver na urna é outro. Então, esse é um problema da urna eletrônica. Para resolver o problema da urna eletrônica, mais que o software aberto, seria necessário o voto impresso ou voto materializado para depois fazer uma auditoria contábil da apuração.

Paulo Henrique Amorim – Ou seja, a contraprova física do voto que eu dei na urna eletrônica.

Amílcar Brunazo Filho – Isso. A gente chama de materialização do voto. O voto tem que ser materializado, para depois, usando esse voto materializado, conferido pelo eleitor, o eleitor vê aquilo, poder fazer uma auditoria de algumas urnas.

Paulo Henrique Amorim – É o que o Leonel Brizola chamava de papelzinho. “Cadê o papelzinho?”.

Amílcar Brunazo Filho – Isso, exatamente. Era a expressão que ele usava.

Paulo Henrique Amorim – É mais ou menos como se fosse o papelzinho do cartão de crédito: “de fato eu gastei R$ 20, de fato eu gastei R$ 30”. Sem isso a eleição não pode ser conferida.

Amílcar Brunazo Filho – A parte da urna eletrônica. A parte da totalização, que ocorre nos computadores do TSE, é outro problema. Essa segunda parte, da totalização, estará bem resolvida pela primeira vez. Os partidos vão poder fazer uma auditoria da totalização razoável.

Paulo Henrique Amorim – O que mudou este ano?

Amílcar Brunazo Filho – Eles vão publicar na internet, depois de publicado o resultado, eles vão publicar na internet os resultados de cada urna eleitoral. Chama-se Boletim de Urna. Então, os partidos poderão, de uma maneira muito barata, muito simples, coletar o boletim de urna que é impresso pela urna eletrônica às 6 da tarde, às 5 da tarde, coletar aquele boletim impresso e, depois, no dia seguinte, vai na internet e verifica se aqueles boletins que saíram das urnas, se aqueles totais que saíram das urnas foram os que entraram no sistema de digitalização e, assim, fazer uma auditoria da totalização. E isso vai ser barato e simples para os partidos fazerem. Então, essa é uma segunda novidade que tem no processo eleitoral deste ano que eu considero mais positiva que a adoção do software livre.

Paulo Henrique Amorim – Mais importante do que a adoção do Linux.

Amílcar Brunazo Filho – É.

Paulo Henrique Amorim – Outra questão, Amílcar. Agora está sendo efetivado o sistema pelo qual o eleitor vai ser identificado por impressão digital. Que tal isso?

Amílcar Brunazo Filho – Essa é a terceira novidade que haverá na eleição deste ano. Esta eu considero não tão positiva quanto se fala. Aliás, considero negativa. O problema todo, Paulo Henrique, é que está se fazendo a identificação do eleitor na mesma máquina em que o eleitor vota. Isso em outros países nem sequer é permitido. Tem se falado que essa urna brasileira, com identificação biométrica, será a mais moderna do mundo. Na verdade, no resto do mundo eles não usam isso não porque eles não tenham a tecnologia.

Paulo Henrique Amorim – É porque não é boa idéia.

Amílcar Brunazo Filho – É porque não é boa idéia. A tecnologia de impressão digital é toda importada, ela não é desenvolvida no Brasil. E lá, eles não usam porque eles consideram arriscado colocar na mesma máquina a identificação e o voto do eleitor.

Paulo Henrique Amorim – Por que é arriscado?

Amílcar Brunazo Filho – Porque um programa simples, se você tiver acesso ao programa da urna – aquele problema, se você tiver acesso ao programa e conseguir modificar –, você consegue vincular as duas informações e quebra o sigilo do voto.

Paulo Henrique Amorim – E descobre em quem você votou.

Amílcar Brunazo Filho – É, e o sigilo do voto é uma condição básica do conceito da democracia moderna.

Paulo Henrique Amorim – Claro, sem isso, não há democracia. Então não é uma boa idéia.

Amílcar Brunazo Filho – Não é uma boa idéia.

Paulo Henrique Amorim – E por que o Brasil copiou essa má idéia?

Amílcar Brunazo Filho – Ele não copiou, ele criou essa má idéia.

Paulo Henrique Amorim – Ele inventou essa má idéia. Ninguém mais faz isso.

Amílcar Brunazo Filho – Ninguém mais faz isso..

Paulo Henrique Amorim – É mais uma contribuição do Brasil ao pensamento ocidental.

Amílcar Brunazo Filho – É mais uma coisa que fora do Brasil eles não entendem bem porque se usa isso. Inclusive, tem um outro detalhe. Se fala muito que esse procedimento é para evitar que um eleitor vote no lugar de outro. Vai diminuir um pouco essa fraude. Mas tem um problema: o mesário vai poder continuar votando pelo eleitor ausente, mesmo com a biometria.

Paulo Henrique Amorim – Por que? Isso é muito comum no interior do Brasil: o mesário votar pelo eleitor que não vai.

Amílcar Brunazo Filho – É bastante comum. Essa é uma fraude de freqüência grande que não está sendo resolvida por esse problema. Existe umas fraudes menores. Por exemplo: um eleitor que tem um parente que vai viajar, o pai, o tio. Ele pega o título do pai e vota. É uma fraude, mas essa de pequena monta. Essa vai ser resolvida. Então, a fraude grande, do mesário, que vota pelo eleitor ausente, essa não será resolvida porque o mesário terá uma senha que, ele digitando, libera a urna, ele vai lá e pode colocar votos.

Paulo Henrique Amorim – Há vários casos. Inclusive em Pernambuco eu soube de um caso, eu menciono num livro que eu escrevi, de um prefeito que perdeu a eleição e desconfia que os mesários tenham votado no candidato oposto, que venceu a eleição.

Amílcar Brunazo Filho – É. Isso inclusive analisando os arquivos de auditoria que a urna gera – chama-se arquivos de log –, dá até para desconfiar o que aconteceu porque a gente vê que de repente, no final do período, começa a aumentar a freqüência de votos, depois das 16 horas começa a ter um voto a cada 20 segundos.

Paulo Henrique Amorim – São os mesários trabalhando.

Amílcar Brunazo Filho – São os mesários trabalhando nessa hora. Então, é uma fraude que existe e não será resolvida pela biometria.

Paulo Henrique Amorim – E essa biometria do Superior Tribunal Eleitoral não conseguiu resolver.

Amílcar Brunazo Filho – É. Tem outra fraude que eu descobri. Eu fui acompanhar o cadastramento que está sendo feito na cidade de São João Batista, em Santa Catarina, a coleta dos dados biométricos. E lá eu fiquei conhecendo uma nova modalidade de fraude que eu não conhecia, que é a compra do não voto.

Paulo Henrique Amorim – Como assim?

Amílcar Brunazo Filho – Eles pagam para o eleitor, a cidade é pequena, eleição municipal, todo mundo sabe quem vota em quem, quem é simpático para que lado. Então, é comum os candidatos comprarem o título, pagarem para uma pessoa fornecer o título dele, da família, quatro ou cinco títulos da família para o eleitor não votar. O eleitor fornece título e RG. O candidato fica com aquele título, não vota. E depois da eleição, devolve (o título) para o eleitor. Então ele compra o não voto, o eleitor que votaria no outro...

Paulo Henrique Amorim – Ele compra a abstenção daquele que votaria no seu adversário.

Amílcar Brunazo Filho – E esse é um problema que a biometria não vai resolver, e que funciona em cidades pequenas.

Paulo Henrique Amorim – Amílcar, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara criou uma Subcomissão de Segurança do Voto Eletrônico e quer fazer algumas reformas. E uma dessas reformas é exatamente a reforma para criar o papelzinho. E essa idéia, aprovada pela Subcomissão de Segurança do Voto Eletrônico, sofreu oposição feroz do ministro Marco Aurélio de Mello, até agora presidente do Superior Tribunal Eleitoral, embora venha a ser substituído brevemente pelo ministro Ayres Brito, também ministro do Supremo. Qual a sua expectativa? Na sua avaliação é possível se criar agora um ambiente político favorável à introdução do papelzinho?

Amílcar Brunazo Filho – Acho que mais década, menos década isso vai ocorrer. Mas ainda existe uma resistência muito grande dentro do corpo técnico da Justiça Eleitoral. Este ano eles conseguiram dar um grande passo que foi fornecer o boletim na internet, que vai permitir a auditoria da totalização. Eles deram outro grande passo de adotar o software aberto. Mas ainda existe muita resistência em permitir auditoria da urna eletrônica.

Paulo Henrique Amorim – Por que isso?

Amílcar Brunazo Filho – Eu não sei. Acho que foi um começo de tecnofascinação do brasileiro, que aceitou esse sistema eleitoral que não dá pra conferir. No resto do mundo isso está sendo rejeitado, a urna brasileira está sendo rejeitada, proibida até, em muitos países, na maioria dos países. Ao contrário do que se pensa, a urna brasileira nem mais no Paraguai. O Paraguai recebeu 120 mil urnas de graça, usou duas eleições e não vão mais usar.

Paulo Henrique Amorim – Como é que eles fazem, no Paraguai?

Amílcar Brunazo Filho – Desta vez, agora, neste mês de abril, vai ter eleição presidencial, vai ser voto manual.

Paulo Henrique Amorim – E nos Estados Unidos está havendo em vários municípios, em vários Estados, uma mudança do sistema de votar e nunca se adota o sistema de urna eletrônica sem comprovante físico, sem o papelzinho.

Amílcar Brunazo Filho – Não só nos Estados Unidos. Por exemplo, agora tivemos na Rússia também. Na eleição na Rússia foi usado o sistema em que o leitor preenche o voto, coloca numa máquina leitora, digitalizadora ou scaneadora, o voto aparece numa tela para ele confirmar e, depois, o voto escrito é guardado para auditoria posterior. Esse é o processo que está sendo usado na Rússia, nos Estados Unidos, na maior parte dos países, na Flórida se tornou obrigatório.

Paulo Henrique Amorim – Na Flórida é proibido, onde houve aquele problema no ano 2000 na primeira eleição de Bush. E por que no Brasil existe essa mística de que a nossa urna eletrônica é uma das melhores do mundo?

Amílcar Brunazo Filho – Nós atribuímos isso a dois motivos. Um é a propaganda maciça que a Justiça Eleitoral fez, aproveitando – tem que considerar que só no Brasil existe isso – que ela tem muitos poderes. Ela é o Executivo eleitoral, ela é o Judiciário eleitoral, ela é o Legislativo eleitoral. Então, com essa acumulação de poderes, daí brota, Paulo Henrique, é inevitável, o autoritarismo. E ela aproveitou muito o ufanismo do brasileiro pensar que estava na linha de frente da tecnologia.

Paulo Henrique Amorim – Conosco, ninguém pode. Nós temos a urna eletrônica...

Amílcar Brunazo Filho – Foi uma tecnofascinação, que é o segundo motivo que eu falo, o fascinado com a tecnologia. O que estava sendo rejeitado no resto do mundo, aqui foi implantado em larga escala.

Paulo Henrique Amorim – Sob aplausos.

Amílcar Brunazo Filho – Isso.

Paulo Henrique Amorim – Só para o nosso telespectador entender bem do que nós estamos falando, para que serve o papelzinho? O caso que houve, por exemplo, quando houve um plebiscito na Venezuela, cujas eleições foram monitoradas pelo ex-presidente americano Jimmy Carter. O presidente Hugo Chávez ganhou o plebiscito, o penúltimo plebiscito, não o último. Ganhou e aí a oposição disse que houve fraude. Muito simples: os dois partidos, governo e oposição, sentaram numa mesa e escolheram um número específico de urnas bem grande que fosse representativo do conjunto dos votos. E aí pegaram essas urnas, a latinha, a bolsa em que estava o papelzinho. Contaram os votos do papelzinho e conferiram com os votos da urna eletrônica. Quando um era igual ao outro, a urna funcionou. Quando não era, jogou fora. Como a maioria esmagadora dos votos coincidia com o que estava no papelzinho e o que estava na urna eletrônica, o Jimmy Carter considerou que o vencedor, de fato, venceu a eleição que era, por um acaso, o presidente Hugo Chávez. É pra isso, pra conferir.

Amílcar Brunazo Filho – A materialização do voto é isso. Não é para o eleitor levar pra casa. Às vezes as pessoas falam em recibo de voto para o eleitor levar para casa. Isso, não.

Paulo Henrique Amorim – Ele deixa lá, numa sacola, no próprio lugar onde votou.

Amílcar Brunazo Filho – Para não vender o voto posteriormente. E aí se escolhe por sorteio algumas urnas, uma amostragem das urnas. E aí se faz uma verificação, se o voto eletrônico é igual ao voto impresso. Claro que tem que ter uma regra para depois decidir o que se faz se tiver diferença. Tem todo um procedimento sobre essa auditoria. Na Venezuela é feita em menos de um dia. No último plebiscito, em que o Chávez perdeu, a conferência foi feita em menos de 50% das urnas e em 24 horas estava feita. Então, é errada essa informação que isso vai atrasar...

Paulo Henrique Amorim – Mas se diz que o papelzinho encarece muito a eleição. É verdadeiro isso?

Amílcar Brunazo Filho – É. É mas caro que sem o papel. Mas aí é aquela questão: o papelzinho dá credibilidade, dá pra conferir o resultado. E sem o papel, não dá para conferir o resultado.

Paulo Henrique Amorim – A minha dúvida é a seguinte: vamos imaginar uma eleição para presidente da República em que no segundo turno a diferença entre o primeiro colocado e o segundo colocado seja inferior a 1%, um ponto percentual. Como é que o segundo vai provar que houve fraude, se ele desconfia que tem fraude?

Amílcar Brunazo Filho – Não tem como. Hoje se diz muito que não se provou fraude no sistema eleitoral, na verdade não dá pra provar. Essa é a verdade. Está tendo uma auditoria agora, no caso de um Estado que estão procurando ver, mas eles não vão conseguir comprovar se houve. Já se conseguiu comprovar que as urnas não estavam funcionando como deviam, tinha uma coisa anormal no funcionamento delas. Mas se houve desvio de voto, isso não vai ser possível. Não tem o voto para saber se foi contado ou não. Quanto à questão do custo eu queria lembrar o seguinte: as urnas eletrônicas brasileiras atuais, o TSE está comprando mais 50 mil este ano. Desde 2000, quando foi abrangida eleição eletrônica no país inteiro, tinha 374 mil urnas. E de lá pra cá, o TSE já comprou mais de 200 mil urnas para repor as defeituosas. Então, o voto eletrônico é muito caro e não é a impressão do papel que vai encarecer esse processo.

Fonte: Conversa Afiada


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