segunda-feira, 7 de abril de 2008

Uma mentira

Por Eduardo Galeano [Segunda-Feira, 7 de Abril de 2008 às 14:52hs]

Até há pouco, as grandes mídias brindavam-nos, a cada dia, com números alegres acerca da luta internacional contra a pobreza. A pobreza estava a bater em retirada, ainda que os pobres, mal informados, não soubessem da boa notícia. Os burocratas mais bem pagos do planeta confessam agora que os mal informados eram eles. O Banco Mundial divulgou a atualização do seu International Comparison Program . Neste trabalho, participaram, juntamente com o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Nações Unidas, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e outras instituições filantrópicas. Ali os peritos corrigem alguns errozinhos dos relatórios anteriores. Entre outras coisas, ficamos sabendo agora que os pobres mais pobres do mundo, os chamados "indigentes", somam 500 milhões mais do que os que apareciam nas estatísticas. Além disso, a nova informação afirma que os países pobres são mais pobres do que aquilo que diziam os números e que a sua desgraça piorou enquanto o Banco Mundial lhes vendia a pílula da felicidade do mercado livre. E como se isso fosse pouco, verifica-se que a desigualdade universal entre pobres e ricos havia sido mal medida e à escala planetária o abismo é ainda mais fundo que o do Brasil.

Outra mentira Ao mesmo tempo, um ex-vice-presidente do Banco Mundial, Joseph Stiglitz, em trabalho conjunto com Linda Bilmes, investigou os custos da guerra do Iraque. O presidente George W. Bush havia anunciado que a guerra poderia custar, quando muito, 50 mil milhões de dólares, o que a primeira vista não parecia demasiado caro tratando-se da conquista de um país tão rico em petróleo. Eram números redondos, ou melhor, quadrados. A carnificina do Iraque dura há mais de cinco anos e, neste período, os Estados Unidos gastaram um bilhão de dólares matando civis inocentes. A partir das nuvens, as bombas matam sem saber quem. Sob a mortalha de fumaça, os mortos morrem sem saber por que. Aquele número de Bush chega para financiar apenas um trimestre de crimes e discursos. O número mentia, ao serviço desta guerra, nascida de uma mentira, que continua a mentir.

E mais outra mentira
Quando todo o mundo já sabia que no Iraque não havia mais armas de destruição em massa do que as que utilizavam os seus invasores, a guerra continuou, ainda que houvessem esquecido os seus pretextos. Então, a 14 de dezembro de 2005, os jornalistas perguntar quantos iraquianos haviam morrido nos dois primeiros anos de guerra. E o presidente Bush falou do assunto pela primeira vez. Respondeu: “Uns 30 mil, mais ou menos”. E a seguir fez uma piada, confirmando o seu sempre oportuno humor. No ano seguinte, reiterou o número. Não esclareceu que os 30 mil referiam-se aos civis iraquianos cuja morte havia aparecido nos diários. O número real era muito maior, como ele bem sabia, porque a maioria das mortes não se publica, e bem sabia também que entre as vítimas havia muitos velhos e crianças.

Essa foi a única informação proporcionada pelo governo dos Estados Unidos sobre a prática do tiro ao alvo contra os civis iraquianos. O país invasor só faz contas, detalhadas, dos seus soldados caídos. Os demais são inimigos, ou danos colaterais que não merecem ser contados. E, em todo caso, contá-los poderia ser perigoso: essa montanha de cadáveres poderia causar má impressão.

E uma verdade...
Bush vivia seus primeiros tempos na presidência quando, a 27 de Julho de 2001, perguntou aos seus compatriotas: “Podem vocês imaginar um país que não fosse capaz de cultivar alimentos suficientes para alimentar a sua população? Seria uma nação exposta a pressões internacionais. Seria uma nação vulnerável. E por isso, quando falamos da agricultura americana, na realidade falamos de uma questão de segurança nacional”. Essa vez, o presidente não mentiu. Ele estava a defender os fabulosos subsídios que protegem o campo do seu país. "Agricultura americana" significava e significa "Agricultura dos Estados Unidos".

Contudo, é o México, outro país americano, o que melhor ilustra os seus acertados conceitos. Desde que firmou o tratado de livre comércio com os Estados Unidos, o México já não cultiva alimentos suficientes para as necessidades da sua população, é uma nação exposta a pressões internacionais e é uma nação vulnerável, cuja segurança nacional corre grave perigo:
- atualmente o México compra aos Estados Unidos 10 mil milhões de dólares de alimentos que poderia produzir;
- os subsídios protecionista tornam impossível a competição;
- por esse andar, daqui a pouco a tortillas mexicanas continuarão a ser mexicanas pelas bocas que as comem, mas não pelo milho que as faz, importado, subsidiado e transgênico;
- o tratado havia prometido prosperidade comercial, mas a carne humana, camponeses arruinados que emigram, é o principal produto mexicano de exportação.

Há países que sabem defender-se. São poucos. Por isso são ricos. Há outros países treinados para trabalhar para a sua própria perdição. São quase todos os demais.

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Eduardo Galeano é jornalista e escritor uruguaio. O artigo foi originalmente publicado no jornal Pagina12

Tradução: Brunna Rosa

Fonte: Revista Fórum


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