SÃO PAULO - Se alguém quiser puxar papo comigo sobre o caso Isabella vai se dar mal. O nome da menina e o fato de que ela está morta é tudo o que sei. E não me interesso por mais do que isso. Conheço por dentro o chamado "jornalismo de manada." Tem gente que dá um jeito de embarcar em assuntos completamente irrelevantes fazendo a crítica da mídia. Tem gente que pega um caso isolado e procura encontrar algum significado socialmente relevante para a morte de uma criança, que considero uma tragédia de foro íntimo para os pais e envolvidos.
Quinta-feira fui à Bahia fazer uma palestra, a convite do Sindicato dos Jornalistas local. Como sempre acontece, fico surpreso quando descubro a fome que as pessoas têm de debater questões relevantes. O tema era a Lei de Imprensa, mas eu falei sobre internet. Acho que as transformações que a internet está causando na mídia, no Jornalismo e na própria sociedade tornarão irrelevante a legislação atual - desde a que trata da obrigatoriedade do diploma até a legislação trabalhista.
Eu usei o meu laptop para dar exemplo. Nunca, na história, uma pessoa comum pôde andar de um lado para o outro com uma biblioteca portátil. No Brasil, isso já foi coisa dos barões do café, que tinham dinheiro e espaço para colecionar livros. Hoje, com a miniaturização dos chips e o poder cada vez maior de armazenagem de dados, o dono de um laptop pode carregar uma biblioteca de uma cidade para outra.
O monopólio da cultura e o monopólio da palavra podem ser rompidos de uma só vez dentro da própria lógica do capitalismo: o barateamento dos computadores e do acesso à internet é apenas uma questão de tempo. Porém, tanto o computador quanto a internet são apenas ferramentas, da mesma forma que a imprensa, o telégrafo e o fax foram ferramentas transformadoras no contexto histórico em que surgiram.
A diferença é que a rede coloca em xeque o monopólio da palavra e da opinião por uma fração do custo que o dono de uma emissora de televisão precisa dispender para exercer esse monopólio. Mal comparando, ele gasta 10 milhões de reais mensais para criminalizar os movimentos sociais, por exemplo. E agora está aberto o caminho para que, com 100 mil reais mensais, 10 milhões de pessoas se cruzem na rede para apresentar opiniões divergentes das do barão da mídia.
Nessa área, acredito que o Brasil enfrenta dois desafios essenciais: o de evitar que, em 20 anos, o governo de plantão tenha que lançar um Internet para Todos - no molde do Luz para Todos - e o de produzir conteúdo de qualidade. Um passo interessante será dado, com respeito a este segundo ponto, no Fórum da Mídia Livre previsto para acontecer no Rio de Janeiro. O interesse pelo fórum, em todo o Brasil, parece bem acima da expectativa daqueles que se mobilizaram para organizá-lo.
No seminário da Bahia eu falei um pouco do impacto da tecnologia na própria organização social. Numa sociedade de serviços, como é a dos Estados Unidos, está aberto o caminho para que cada vez mais as empresas se organizem de maneira mais informal, com boa parte do trabalho sendo feita em casa. O celular e a internet estendem a jornada de trabalho para até 24 horas por dia. Como o sindicalismo vai lidar com isso?
Também notei que quase todos os presentes eram pré-internéticos tanto quanto eu e que o mesmo se aplica ao presidente da República, aos ministros e aos congressistas. Daí a necessidade de que estes assuntos sejam discutidos em todos os fóruns possíveis. Estamos em plena revolução e muitos nem se deram conta.
Não pude falar sobre outra questão que considero atualíssima: há um esforço intelectual difuso, aqui e ali, em busca de novas formas de organização social para fazer frente aos novos tempos, de escassez de energia, de aquecimento global, das consequências da desigualdade social. Podem dar a isso o rótulo que quiserem: socialismo do século 21, ambientalismo comunitário ou, como descobri recentemente no Paraguai, cristianismo comunitário - que é o pensamento em torno do qual se formou parte da coalizão que apóia o candidato Fernando Lugo.
Em linhas gerais, os acima citados concordam que do jeito que está não dá para ficar: o nirvana humano não será atingido pela posse individual do automóvel, uma organização social assentada na exclusão é insustentável, ainda mais quando o morador do Jardim Ângela sabe tanto sobre o mundo - ou mais - do que o morador do Higienópolis.
É por isso que eu não quero saber do caso Isabella. Acho que temos assuntos muito mais sérios, intrigantes e relevantes para discutir.
Fonte: Vi o Mundo
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