quinta-feira, 10 de abril de 2008

Os novos terroristas da mídia

por Marcelo Salles

Poucas vezes uma reportagem foi tão distorcida quanto a do Jornal Nacional desta quarta-feira (9/4) a respeito do MST. Nos dois minutos e vinte e quatro segundos da matéria busca-se a criminalização dos camponeses; para tanto, imagens e palavras são cuidadosamente articuladas para transmitir ao telespectador a idéia de que os militantes do MST é quem são os responsáveis por todo o medo que ronda os paraenses.

Logo na abertura da matéria, o fundo escurecido por trás do apresentador exibe a sombra de três camponeses portando ferramentas de trabalho em posições ameaçadoras, como a destruir a cerca cuidadosamente iluminada pelo departamento de arte da emissora. Quando os militantes aparecem nas imagens, estão montando o acampamento e utilizando folhas de palmeiras - naturalmente já arrancadas das árvores. Quando a matéria corta para ouvir a opinião de um empresário local, ele tem ao fundo exatamente uma folha de palmeira, só que firme no solo - e vistosa, viva. O representante da Vale do Rio Doce é o que tem mais tempo para se manifestar, tanto tempo que até gagueja - e balbucia: "esses movimentos... estão [nos] impedindo de trabalhar". Em nenhum momento os representantes do MST são ouvidos, o que contraria, inclusive, as próprias regras do jornalismo da Globo. Mas quando os interesses comerciais de empresas amigas estão em jogo, no caso a Vale do Rio Doce, tudo indica que essas regras são postas de lado.

Outro dado marcante desta reportagem veiculada pelo Jornal Nacional é a descontextualização dos fatos. O telespectador é apenas informado que o MST “ameaça invadir a Estrada de Ferro Carajás, da Companhia Vale”, mas não se explica que esta ação direta tem uma origem: a privatização fraudulenta da Vale do Rio Doce. A companhia foi leiloada, em 1997, por R$ 3,3 bilhões. Valor semelhante ao lucro líquido da empresa obtido no segundo trimestre de 2005 (R$ 3,5 bi), numa clara demonstração do prejuízo causado ao patrimônio do povo brasileiro. Desde então, cidadãos e cidadãs vêm promovendo manifestações políticas e ações judiciais que têm por objetivo chamar a atenção da sociedade brasileira e sensibilizar as autoridades competentes para anular o processo licitatório. Se há uma diferença brutal entre discordar de uma determinada opinião e omiti-la, este caso torna-se ainda mais grave porque não se trata de uma opinião, e sim de um fato político: a privatização da Vale está sendo questionada na Justiça – e com grandes chances de ser revertida. Ao sonegar esta informação, a Globo comete um crime e deveria ser punida pelos órgãos competentes.

Com a mesmíssima parcialidade age o jornal O Globo. A reportagem publicada no mesmo dia sobre o MST não deixa dúvidas quanto ao lado assumido pela publicação. A chamada na capa diz tudo: “MST desafia a Justiça e volta a ameaçar a Vale”; o pequeno texto, logo abaixo, aprofunda a toada: “O MST ameaça descumprir ordem judicial e invadir novamente a ferrovia de Carajás, da Vale, no Pará. Moradores da região estão atemorizados, com a cidade cercada por mais de mil militantes do MST, a quem acusam de terrorismo”. A reportagem principal, à página 9, é acompanhada de outra de igual tamanho. Ambas ouvem apenas a versão da mineradora privatizada pelo governo tucano de FHC. Imediatamente abaixo, como a reforçar a visão policialesca, uma fotografia de um homem morto sobre o título: “Em Porto Alegre, um flagrante de homicídio”. Nenhum dos dois veículos (O Globo e JN) registrou o apoio recebido pelo MST por artistas, intelectuais e lideranças partidárias.

Esta falsa preocupação do “Globo” com a defesa do povo brasileiro não é de agora. O mesmo jornal que hoje sugere que os militantes do MST são terroristas por atemorizar os paraenses procedeu da mesma forma há 44 anos, quando um golpe de Estado derrubou o presidente constitucional João Goulart. Em texto editorial do dia 2 de abril de 1964, o “Globo” assinalou:

- Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas (...) para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas (...), o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. (...) Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente (...) Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos. (...) Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados Governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas. Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo.(...) A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo.(...) Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário, estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem dar ouvidos (...).

Assim como para o “Globo” os inimigos do passado eram aqueles que se insurgiam contra a ditadura que seqüestrou, torturou e matou milhares de brasileiros, hoje os terroristas são aqueles que lutam contra as multinacionais que roubam o patrimônio público, danificam o meio-ambiente e produzem graves problemas sociais. É exatamente por isso que ao interromper o fluxo de exportação de uma dessas empresas os militantes do MST acertam em cheio no sistema nervoso do capitalismo. Dotados apenas de enxadas e coragem, os sem-terra enfrentam jagunços armados, policiais e poderosos grupos de comunicação - esse coquetel que tem como objetivo massacrar o povo organizado. Assim é que os militantes do MST ensinam ao povo brasileiro: não é uma luta justa, mas é uma luta que pode ser vencida.

Por outro lado, o jornalismo das Organizações Globo mais uma vez revelou seu caráter covarde e submisso. Aliou-se aos poderosos e rasgou o juramento profissional da categoria, sobretudo no seguinte trecho: "A Comunicação é uma missão social. Por isto, juro respeitar o público, combatendo todas as formas de preconceito e discriminação, valorizando os seres humanos em sua singularidade e na luta por sua dignidade".

Mas não há de ser nada. A História vai se ocupar de reservar a cada qual seu devido lugar.

* Marcelo Salles é editor do jornal Fazendo Media (www.fazendomedia.com).


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2 comentários:

Anônimo disse...

À Comissão de Ética

Comunico o recebimento e agradeço o envio da nota da Comissão de Ética.
Espero sinceramente, ainda que com certo ceticismo derivado do comportamento anterior da chamada Comissão de Ética, que esta iniciativa não seja apenas uma maneira de mascarar a grave quebra da ética que deve vigir no serviço público que ocorreu no caso mencionado.

Aproveito a oportunidade para pedir que a mesma investigação se estenda ao caso do Demian Fioca, que também saiu diretamente da presidencia do Banco para ocupar uma diretoria especialmente criada para êle também na Vale ( vide nota pública emitida pela Vale, quando do convite feito ao Demian).

Não me conduz outro sentimento que não seja a defesa intransigente do BNDES como um órgão público regido por uma ética superior, voltado para o desenvolvimento nacional. Como tal, é uma instituição que somente poderá cumprir o seu papel na medida em que o seu patrimonio - tanto moral como financeiro - não seja apropriado por ninguém em particular, seja uma empresa ou grupos políticos regidos por outras dinamicas de comportamento.

Insisto no meu ponto de vista - que expressa, creio eu, o sentimento dos técnicos e funcionários do sistema BNDES - que o setor público é o setor público, e o setor privado o setor privado. O acacianismo desta afirmação se deriva do fato que esta diferenciação entre o público e o privado tem se transformado em um oxímoro nos últimos tempos.

Gostaria de me colocar à disposição da Comissão para prestar meu depoimento, se convocado for. Acabo de ser informado por um integrante de um dos quatro grandes escritórios de advocacia que negociaram , pelo lado da Vale, o maior empréstimo de sua história que o BNDES acaba de conceder- em condições excepcionalíssimas -a esta grande empresa privatizada, que o nosso ex-colega Luciano Siani participou diuturnamente, nos últimos meses, em nome do BNDES e com plenos poderes delegados pela presidencia do Banco, em toda a negociação que resultou no empréstimo excepcional à Vale.

Em uma ponta, negociava pelo BNDES o empréstimo de R$ 7,3 bilhões.
Agora, na outra ponta - e sem esperar sequer que o cadáver esfriara...-, horas apenas depois da concessão do magno empréstimo (verdadeiro "cheque especial " concedido à Vale, na feliz expressão de um dos nossos colegas da Área Social do Banco) vai gerir os mesmos R$ 7,3 bilhões pela Vale, como seu diretor de projetos estratégicos.

Como diziam os latinos : oh! tempora, oh! mores...


Mauricio Dias David
Economista (AIB/DEINQ)
Presidente do Instituto pela Transparencia e a Ética Pública


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AVISO CEP/BNDES Nº 04/2008

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Com base na notória publicidade dada por empregado do BNDES no dia 07/04/2008 pelo correio eletrônico da instituição, no encaminhamento de juízo à CEP/ BNDES, esta Comissão aprovou a abertura de processo para apuração de eventuais transgressões éticas, em sua reunião ordinária desta data, a ocorrer nos termos previstos na legislação e normativos internos vigentes.

Embora a divulgação do conteúdo da mensagem eletrônica tenha ocorrido por decisão unilateral do referido empregado, a CEP/ BNDES conduzirá o processo, com o devido sigilo, nos termos do § Único, Inciso IX, Capítulo III do Código de Ética Profissional dos Empregados do Sistema BNDES.


Rio de Janeiro, 08 de abril de 2008

Comissão de Ética Profissional do Sistema BNDES - CEP/BNDES

Anônimo disse...

Trabalho no BNDES e essa denúncia e seríssima. Aqui só se fala nisso. Se quiser, te passo o email para comprovar que é verdade. Só pediria para vc não publicar que foi eu que mandei. Isso queimaria o meu filme.