sexta-feira, 4 de abril de 2008

A INTERVENÇÃO DOS BANCOS CENTRAIS

O que falta de verdade nas finanças internacionais

A operação “salvadora” dos bancos centrais consiste em assumir o risco financeiro criado pela banca internacional. O que não está claro é que assim possam conseguir evitar o desastre que, como uma mancha de óleo, já pode ter se alastrado de modo irreversível por todo o sistema financeiro internacional.

As chamadas “injeções de liquidez” que os bancos centrais estão fazendo nos mercados financeiros são tão imensas que os cidadãos normais perdemos qualquer sentido da magnitude. E como estão fazendo isso tão reiteradamente, o normal é que as pessoas pensem que esses recursos são o que verdadeiramente é necessário para evitar que a crise se torne mais aguda e se alastre.

Mas eu temo que, mesmo que as injeções continuem proporcionando mais dinheiro líquido aos bancos que operam em escala internacional, elas não vão conseguir parar a crise, porque não é isso que realmente é necessário para controlá-la.

Mais do que isso, até poderia ocorrer que ao colocar à disposição dos bancos cada vez mais recursos líquidos o único resultado seja conseguir que eles continuem fazendo o mesmo tipo de operação que provocou a crise.

Como já foi explicado suficientemente para quem tenha querido compreender, o que provocou a atual desordem financeira foi um processo bastante simples de entender. Amparados pelo boom imobiliário, muitos bancos, principalmente norte-americanos, multiplicaram sua oferta de hipotecas, evidentemente umas mais seguras ou arriscadas do que outras.

Como havia uma grande demanda de créditos, chegou o momento em que os próprios bancos precisaram de recursos alheios para continuar oferecendo títulos de crédito.

Como ocorre com qualquer prestamista, os bancos também tinham que oferecer garantias ou contrapartidas para obter essa liquidez adicional na forma de empréstimos interbancários. E para que pudessem dispor disso com comodidade, foram autorizados a criar novos produtos financeiros derivados das hipotecas que tinham concedido: as chamadas MBS (Mortgage Backed Securities ou obrigações garantidas por hipotecas).

Este produto era, na verdade, uma espécie de “pacote” no qual estavam as hipotecas boas (prime) e as ruins ou muito arriscadas (sub-prime); ou seja, continham, ao mesmo tempo, produtos seguros, mas também outros muito arriscados.

E são esses “pacotes” que foram adquiridos —muitas vezes sem saber realmente o que estavam adquirindo, do ponto de vista do risco, porque não se conhecia o que havia “dentro”— por uma infinidade de bancos de todo o mundo quando começaram a financiar uns aos outros.

A crise estourou quando as hipotecas sub-prime deixaram de ser pagas e, como já é fácil de imaginar, alastrou-se na medida em que o conteúdo desses tais “pacotes” ia sendo descoberto.

Por que, então, os bancos centrais vão injetar tantos recursos para enfrentar uma crise iniciada dessa maneira?

A resposta é fácil: não é por não haver dinheiro, mas porque os bancos não estão emprestando entre eles, temendo que a garantia recebida esteja, por assim dizer, contaminada por um risco oculto alto demais. E porque se os bancos não emprestam entre si, a crise acaba afetando não só os bancos, mas os industriais, os empresários, os consumidores... como está ocorrendo.

Por enquanto, o que os bancos centrais estão fazendo é proporcionar liquidez em troca, fundamentalmente, ... dos pacotes “sujos” (de altíssimo risco) que estão em poder dos bancos!

É assim que estão tentando tirar do mercado os produtos de alto risco, que, ao circular com transparência nula, paralisam a atividade bancária.

Dito de outra maneira, a operação “salvadora” dos bancos centrais está consistindo simplesmente em assumir o risco financeiro criado pela banca internacional, mas o que não está claro de jeito nenhum é que assim possam conseguir evitar o desastre que, como uma mancha de óleo, já pode ter se alastrado de modo irreversível por todo o sistema financeiro internacional.

Acredito que esse último dado é verdadeiro porque eu acho que injetando mais liquidez não se garante que os bancos vão deixar de criar e difundir títulos e produtos financeiros cada vez mais arriscados ou irrealizáveis e, portanto, de aproximar-se cada vez mais das fronteiras da insolvência. Queira-se ou não, a atividade bancária é como andar de bicicleta: se você parar, cai. Ou seja, que ou continuam fazendo o que faziam ou geram perdas ou insolvência.

Por que podemos ter essa suspeita? Porque, na verdade, ninguém sabe o que há no fundo de todos esses produtos financeiros derivados uns dos outros e que hoje em dia são o eixo do investimento financeiro. A opacidade é praticamente total, entre outras coisas, porque assim quiseram e permitiram os bancos centrais que sejam as finanças internacionais da nossa época: sem controle nem transparência.

Considere-se que o processo que desencadeou a crise tem sido possível porque o FED, o banco central dos Estados Unidos, permitiu em seu momento que os créditos hipotecários gerassem “derivados” na forma que mencionei acima e porque todos os grandes bancos centrais ignoraram reiteradamente as demandas para que estabelecessem maior controle e transparência neste tipo de operações de alto risco, feitas, inclusive, por alguns governantes conservadores.

Agora, quando a crise estourou e ninguém sabe quem vai ludibriar quem, o que ocorreu, como acabo de apontar, é que os bancos não confiam em ninguém na hora de mover os recursos de uns para outros, como é imprescindível que ocorra nos mercados financeiros, nem têm possibilidade de gerar novos recursos sem assumir, mais uma vez, riscos elevados.

Os bancos centrais podem continuar injetando liquidez eternamente, mas com isso não proporcionam o remédio que, nestas alturas, se requer com urgência: controle, transparência e confiança.

Juan Torres López é catedrático de Economia Aplicada da Universidade de Málaga (Espanha). Sua página web: www.juantorreslopez.com

Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores
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Fonte: Agência Carta Capital

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