sexta-feira, 11 de abril de 2008

Denúncia: Conflito de Interesses no BNDES

ROBERTO MACHADO
da Folha de S.Paulo, no Rio

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) informou, ontem, que a Comissão de Ética Profissional da instituição vai convidar o funcionário Maurício Dias David para prestar esclarecimentos sobre o pedido que o economista fez à comissão: que investigue se houve irregularidade ou "quebra de ética" na licença obtida pelo ex-secretário-executivo da presidência do BNDES, Luciano Siani Pires, para trabalhar na Vale.

Segundo a assessoria, "a Comissão de Ética abriu um procedimento interno de averiguação e vai convidar o denunciante para apresentar as provas das denúncias que fez". Não está previsto convite semelhante para Siani Pires.

No domingo, dia 6, Pires encaminhou a diversas gerências e diretorias do BNDES uma mensagem eletrônica comunicando o seu novo destino profissional: a diretoria de Planejamento Estratégico da Vale, onde começou a trabalhar na última segunda-feira, dia 7. Na semana anterior, no dia 1º de abril, o BNDES colocou à disposição da Vale um financiamento de R$ 7,3 bilhões -a maior linha de crédito já concedida pelo banco.

Na mesma segunda-feira, David pediu, também por meio de mensagem eletrônica (copiada para diversos setores do banco), que a Comissão de Ética se pronunciasse sobre o caso e fez acusações a Pires. Para David, houve "grave quebra da ética que deve vigir no serviço público". Ele argumenta que o ex-secretário da presidência ocupava um cargo de alto escalão no BNDES na véspera do anúncio do empréstimo --e que se transferiu para a Vale imediatamente após a concessão da linha de crédito. No quadro funcional do banco, Pires era superintendente, destacado para ocupar a Secretária-Executiva da Presidência.

A autorização da licença foi aprovada numa reunião da diretoria do BNDES, em março. Trata-se de uma "Licença para Trato de Interesse Particular", contando a partir do dia 1º de abril, com validade de dois anos. Em tese, depois desse período, Pires poderia retornar.

Procurado pela Folha, o novo diretor da Vale encaminhou o pedido de entrevista à assessoria de imprensa da companhia. Segundo a assessoria, Pires "é um ótimo profissional, com uma carreira de sucesso, e a Vale tem por política contratar sempre os melhores profissionais". Ele já era integrante do Conselho de Administração da mineradora, indicado pelo próprio BNDES.

Funcionário concursado, o engenheiro Luciano Siani Pires foi chefe do departamento de Gestão da Carteira de Ações e chegou a ocupar o posto de chefe de gabinete da Presidência na gestão de Demian Fiocca --que saiu do BNDES, cumpriu "quarentena" e hoje também é diretor da Vale. Já o economista Maurício David chegou a assessorar o ex-presidente do banco Carlos Lessa e hoje atua na área de Insumos Básicos.

A legislação federal não faz referência direta a casos como o da licença obtida por Pires e sua transferência para a Vale. Só estabelece a chamada quarentena para presidentes e diretores de estatais.

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A seguir, publico os emails internos do BNDES:

À Comissão de Ética

Comunico o recebimento e agradeço o envio da nota da Comissão de Ética.
Espero sinceramente, ainda que com certo ceticismo derivado do comportamento anterior da chamada Comissão de Ética, que esta iniciativa não seja apenas uma maneira de mascarar a grave quebra da ética que deve vigir no serviço público que ocorreu no caso mencionado.

Aproveito a oportunidade para pedir que a mesma investigação se estenda ao caso do Demian Fioca, que também saiu diretamente da presidencia do Banco para ocupar uma diretoria especialmente criada para êle também na Vale ( vide nota pública emitida pela Vale, quando do convite feito ao Demian).

Não me conduz outro sentimento que não seja a defesa intransigente do BNDES como um órgão público regido por uma ética superior, voltado para o desenvolvimento nacional. Como tal, é uma instituição que somente poderá cumprir o seu papel na medida em que o seu patrimonio - tanto moral como financeiro - não seja apropriado por ninguém em particular, seja uma empresa ou grupos políticos regidos por outras dinamicas de comportamento.

Insisto no meu ponto de vista - que expressa, creio eu, o sentimento dos técnicos e funcionários do sistema BNDES - que o setor público é o setor público, e o setor privado o setor privado. O acacianismo desta afirmação se deriva do fato que esta diferenciação entre o público e o privado tem se transformado em um oxímoro nos últimos tempos.

Gostaria de me colocar à disposição da Comissão para prestar meu depoimento, se convocado for. Acabo de ser informado por um integrante de um dos quatro grandes escritórios de advocacia que negociaram , pelo lado da Vale, o maior empréstimo de sua história que o BNDES acaba de conceder- em condições excepcionalíssimas -a esta grande empresa privatizada, que o nosso ex-colega Luciano Siani participou diuturnamente, nos últimos meses, em nome do BNDES e com plenos poderes delegados pela presidencia do Banco, em toda a negociação que resultou no empréstimo excepcional à Vale.

Em uma ponta, negociava pelo BNDES o empréstimo de R$ 7,3 bilhões.
Agora, na outra ponta - e sem esperar sequer que o cadáver esfriara...-, horas apenas depois da concessão do magno empréstimo (verdadeiro "cheque especial " concedido à Vale, na feliz expressão de um dos nossos colegas da Área Social do Banco) vai gerir os mesmos R$ 7,3 bilhões pela Vale, como seu diretor de projetos estratégicos.

Como diziam os latinos : oh! tempora, oh! mores...


Mauricio Dias David
Economista (AIB/DEINQ)
Presidente do Instituto pela Transparencia e a Ética Pública


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AVISO CEP/BNDES Nº 04/2008

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Com base na notória publicidade dada por empregado do BNDES no dia 07/04/2008 pelo correio eletrônico da instituição, no encaminhamento de juízo à CEP/ BNDES, esta Comissão aprovou a abertura de processo para apuração de eventuais transgressões éticas, em sua reunião ordinária desta data, a ocorrer nos termos previstos na legislação e normativos internos vigentes.

Embora a divulgação do conteúdo da mensagem eletrônica tenha ocorrido por decisão unilateral do referido empregado, a CEP/ BNDES conduzirá o processo, com o devido sigilo, nos termos do § Único, Inciso IX, Capítulo III do Código de Ética Profissional dos Empregados do Sistema BNDES.


Rio de Janeiro, 08 de abril de 2008

Comissão de Ética Profissional do Sistema BNDES - CEP/BNDES


Meu comentário:
Nunca é demais lembrar Celso Furtado!
http://www.centrocelsofurtado.org.br/

De uma matéria recente da revista Carta Capital, de autoria de Márcia Pinheiro,sobre o documentário que acaba de estrear, sobre a vida e obra do maior economista brasileiro do século XX, extraio um trecho que mostra o que é ser um homem público:
"O economista sempre combateu as elites, que condenaram a Região Nordeste a ser pobre e analfabeta. A partir de 1949, abraçou a causa da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), sob a batuta do ex-presidente do Banco Central argentino Raúl Prebisch. No livro A Fantasia Organizada, Furtado relata que indagou por que Prebisch voltou à universidade depois de sua passagem pelo BC. Resposta: ' Quando deixei o Banco Central , fiquei sem meios de vida. Eu havia sido muitos anos diretor-presidente do BC, conhecia a carteira de todos os bancos. Quando me demitiram, muitos grande bancos me ofereceram altas posições, mas como eu podia colocar meus conhecimentos a serviço deu um se conhecia os segredos de todos?' Como esse mestre, Furtado nunca cedeu às tentações do setor privado. Alguém consegue ter uma referência contemporânea apenas levemente parecida com esta? Difícil. Foi um homem público por excelência , que acreditava na política como instrumento de transformação e não trampolim para o mundo empresarial-financeiro.
Fonte: Revista Carta Capital - Edição 489 - abril de 2008

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