terça-feira, 8 de abril de 2008

CRIMES DE GUERRA: O soldado de inverno marcha novamente

Veteranos do Iraque e do Afeganistão relatam horrores praticados pelas tropas norte-americanas. "No dia 18 de abril de 2006 tive minha primeira 'morte confirmada'. O homem era inocente. Não sei seu nome. Eu o chamava 'o gordo'. Estava caminhando de volta para sua casa e eu atirei contra ele na frente do seu amigo e do seu pai", contou Jon Michael Turner.

por Amy Goodman - Democracy Now

Na metade de março, às vésperas do quinto aniversario da invasão do Iraque, foi realizado um excepcional encontro em Washington D.C. chamado Winter Soldier (Soldado de Inverno): Iraque e Afeganistão, relatos em primeira mão das ocupações. Centenas de veteranos das duas guerras e soldados na ativa, reuniram-se para dar testemunho sobre os horrores da guerra, incluindo as atrocidades que presenciaram ou que eles mesmos cometeram.

O nome Winter Soldier foi tomado de um evento similar realizado em 1971, no qual centenas de veteranos do Vietnã reuniram-se em Detroit, e sua origem está na frase que inicia o panfleto de Thomas Paine, "The Crisis" (A Crise), publicado em 1776:

"Estes são os tempos que põem à prova as almas dos homens: em tempos de crise, o soldado de verão, sem convicção, e o patriota sem causa evitarão servir seu país; mas aquele que se mantiver firme merece o amor e o agradecimento de todos os homens e mulheres".

Este Winter Soldier foi organizado pelo grupo Veteranos do Iraque Contra a Guerra (IVAW, na sigla em inglês). Kelly Dougherty, veterano do Iraque, membro da Guarda Nacional do Exército no Colorado e diretor executivo de IVAW, abriu o evento com estas palavras:

"As vozes dos veteranos e membros na ativa, assim como as dos civis, devem ser ouvidas pelo povo dos Estados Unidos e pelas pessoas de todo o planeta; e também por outras pessoas do exército e outros veteranos, para que eles mesmos possam encontrar sua própria voz para contar sua história, porque cada uma das nossas histórias individuais tem uma importância crucial e deve ser ouvida para que as pessoas compreendam a realidade e o verdadeiro custo humano da guerra e da ocupação".

O que veio a seguir foram quatro dias de intensos depoimentos, relatos de primeira mão de assassinatos de civis iraquianos, indo da desumanização de iraquianos e afegãos que acompanha a violência das ocupações até as vítimas que essa violência cobra entre os soldados e a atenção inadequada que eles recebem quando voltam para casa.

Jon Michael Turner, que combateu no 3º Batalhão da 8ª Companhia de Infantaria da Marinha, arrancou as medalhas do peito. Disse o seguinte:

"No dia 18 de abril de 2006 tive minha primeira "morte confirmada". O homem era inocente. Não sei seu nome. Eu o chamava 'o gordo'. Estava caminhando de volta para sua casa e eu atirei contra ele na frente do seu amigo e do seu pai. O primeiro disparo não o matou, eu tinha acertado na região do pescoço. Então, ele começou a gritar e olhou direto nos meus olhos. Ou seja, que olhei para o meu amigo, que estava montando sentinela comigo, e disse, 'Bom, não posso permitir que isto aconteça'. Então atirei outra vez e acabei com ele. Depois disso, sua família levou ele embora. Foram necessárias sete pessoas para levar seu corpo".

"Todos recebíamos felicitações depois que conseguíamos nossas primeiras mortes, e nesse caso tratou-se da minha. Meu comandante felicitou-me pessoalmente, como fazia com todos os outros da nossa companhia. Esse é o mesmo homem que havia declarado que qualquer um que conseguisse sua primeira "morte confirmada" por meio de esfaqueamento teria uma licença de quatro dias na volta do Iraque".

Hart Viges estava na 82ª Divisão Aerotransportada, que tomou parte da invasão de março de 2003. Descreveu o assalto a uma moradia na qual prenderam os homens errados: "Nunca fizemos uma batida em que tenhamos encontrado a casa certa e, muito menos, com a pessoa certa. Nem uma única vez. Olhei para o meu sargento e disse a ele algo como 'Sargento, estes não são os homens que estamos procurando'. E ele respondeu: 'Não se preocupe, tenho certeza de que estes devem ter feito alguma coisa'. E a mãe chorava na minha frente o tempo todo, tentando beijar meus pés. E, vocês já sabem, eu não sei falar árabe. Mas entendo a linguagem humana. Ela estava dizendo 'Por favor, por que você está levando meus filhos? Eles não fizeram nada de mau'. E isso fez com que eu me sentisse muito impotente. Vocês sabem, 82ª Divisão Aerotransportada, Infantaria, com helicópteros Apache, veículos de combate Bradley e o meu uniforme blindado... e eu me sentia impotente. Sentia-me impotente para ajudá-la"

O ex-sargento Camilo Mejía também falou durante o evento. Depois de servir no Iraque, recusou-se a voltar para lá. Foi submetido a um conselho de guerra e passou quase um ano na prisão. Mejía agora é presidente do IVAW. Quando terminou de dar testemunho sobre sua experiência no Iraque, apresentou as exigências do seu grupo:

"Temos mais de um milhão de iraquianos mortos. Temos mais de 5 milhões de iraquianos deslocados. Temos quase 4.000 norte-americanos mortos. Temos quase 60.000 feridos. E isso sem considerar o transtorno de estresse pós-traumático e o resto das feridas psicológicas e emocionais que a nossa geração traz consigo quando volta para casa. A guerra está desumanizando toda uma geração deste país e está destruindo o povo do Iraque. Para que possamos recuperar nossa humanidade como exército e como país, exigimos a retirada imediata e incondicional do Iraque de todos os soldados, além de cuidados e compensações para todos os veteranos e reparações compensatórias para o povo iraquiano, de modo que possam reconstruir seu país do seu jeito".

Na medida em que adentramos no sexto ano da guerra no Iraque — mais tempo do que os EUA permaneceram na Segunda Guerra Mundial —, deveríamos honrar os veteranos do Iraque e do Afeganistão escutando o que eles têm a dizer.

* Texto publicado originalmente no site Democracy Now

Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores

Fonte: Agência Carta Maior
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