A oposição deve ouvir o bispo?
A tentativa da oposição de criar novas "denúncias" em torno do suposto dossiê sobre os gastos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso é a confissão pública do campo conservador de que seus partidos não têm qualquer projeto alternativo para apresentar ao país. O que a oposição propõe se esgotou no passado. A análise é de Gilson Caroni Filho.
por Gilson Caroni Filho
Há algum tempo escrevi que "se a oposição quer se afirmar dentro de regras democráticas, não deve confundir o poder que lhe foi delegado por votação com sabotagem ao governo em exercício. Deve, sim, estabelecer uma estratégia de competição de políticas públicas. Tentar suprir a falta de perspectiva de longo prazo estabelecendo pontos reformistas em seu discurso. O pressuposto é o reconhecimento de que o atual governo, gostem ou não, trouxe ganhos incrementais ao Brasil"Na verdade, buscava alertar que não vivemos mais em uma democracia restrita às minorias e no momento em que os condutos democráticos permitem o crescimento da participação popular, as lideranças políticas de oposição não podem fazer uso de velhos expedientes que, se lograram algum sucesso no passado, estão, hoje, certamente, fadados ao fracasso.
É nesse contexto que deve ser lida a divulgação de novas denúncias que tentam apontar a Casa Civil como origem do dossiê sobre os gastos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso. Um movimento que tenta abafar a agenda exitosa do governo Lula através da imposição da pauta da esfera pública midiática. Na verdade, uma confissão pública do campo conservador de que seus partidos não podem se transformar em instrumentos de afirmação de qualquer projeto alternativo por um motivo simples: ele não existe. O que a oposição propõe se esgotou no passado. Sua base minoritária está órfã e raivosa.
Não é mais possível barrar o avanço social, impedir a tomada de consciência política daqueles que, outrora entregues aos humores do patrimonialismo oligárquico, se tornaram sujeitos titulares de direitos e deveres com a implantação de políticas sociais vigorosas. Como destacou recentemente Mauro Santayana, “Lula consolida e amplia o apoio da maioria dos brasileiros a uma reforma social tanto mais ampla quanto mais pacífica".
O que desespera a oposição é saber que, mais que um novo modelo de desenvolvimento, pautado pela criação de um robusto mercado de massa, a nova classe média resulta de um contrato social que, abandonando o mercadismo do modelo neoliberal, retira a noção de cidadania de um plano abstrato para efetivá-la por uma plena inserção nas esferas produtivas e de consumo. O que vivenciamos é, sem qualquer deslocamento semântico, uma revolução silenciosa. Algo muito doloroso para quem apreciava ver a política, capturada pelo mercado, ser transformada em espetáculo.
Talvez fosse interessante ouvir atentamente o que disse o bispo de Blumenau (SC), dom Angélico Sândalo Bernardino. Não poupando críticas ao Legislativo, quando questionado sobre a CPI dos Cartões e a discussão sobre a suposta existência de dossiês, foi categórico: “fico preocupado quando vejo o Legislativo gastando um tempo enorme com tantas discussões, que não têm levado a nada, enquanto projetos importantes ficam engavetados. Acho que isso também é corrupção."
Seria de bom tom que Álvaro Dias, FHC, Arthur Virgílio, entre outras fontes da Veja, se persignassem ante as palavras do religioso. A maior parte da sociedade brasileira não aceita o jogo demo-tucano que vem sendo orquestrado pela grande mídia. O preço do êxito na economia não pode ter como contrapartida o fracasso no plano político do campo progressista que o gerou. O capitalismo implantado nessa lógica está fadado a não ser democrático. E disso sabem os setores dirigentes que se associaram no golpe de Estado de 1964
Se a orientação religiosa não interessar ao tucanato, quem sabe a tábua de salvação venha de um expoente da "esquerda ética". Em artigo publicado na Folha de São Paulo (05/04/2008), César Benjamin, vice de Heloísa Helena nas últimas eleições presidenciais, afirma: “O PAC é apenas uma catalogação de projetos preexistentes, quase sempre miúdos, concebidos isoladamente, sem visão sistêmica ou capacidade estruturante, sem perspectiva histórica, sem a vocação de produzir mutações".
Contrariando todas as evidências, eis um discurso feito, sob medida, para colher aplausos em grêmios estudantis. Por que a oposição não o adota? Quem sabe não seja um bom negócio para o PSDB a adoção do programa do PSOL? Não guarda qualquer relação com a realidade, mas remoça com a mesma eficácia do botox. Se não der certo, ainda é possível reclamar com o bispo. O problema é que ele quer projetos de desenvolvimento sustentável.
Fonte: Agência Carta Maior
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