Quem se interessa por futebol deveria acompanhar com atenção o que anda ocorrendo com um dos clubes mais tradicionais do mundo, o River Plate. No último domingo, aconteceu outra tragédia no futebol argentino. Desta vez, inacreditavelmente, a pancadaria se desenvolveu entre duas facções da mesma torcida. O River enfrentaria o Arsenal no Estádio do Vélez Sarsfield, já que o Monumental de Núñez se encontrava ocupado com o Quilmes Rock. La banda de Gonzalo, facção antes comandada por Gonzalo Acro, assassinado em 2007, já não comparece ao Núñez, insatisfeita com a quantidade de ingressos que lhe é destinada. Compareceu ao jogo no campo de Vélez. La banda del Oeste, facção rival, havia chegado cedo e ocupado as populares. Foi cercada com um aparato de guerra impressionante: walkie-talkies, armas brancas de todo tipo, brutamontes anabolizados. O horror durou intermináveis minutos e deixou dezenas de feridos e detidos, incluído aí um torcedor com politraumatismo craniano. Ainda faltam 21 meses para as eleições no River, mas adivinhe quem são os potenciais apoiadores mais cortejados pelos candidatos? Sim, os bandidos, que adquiriram uma inserção dentro do clube que os torna praticamente intocáveis. (fontes: um, dois, três, quatro).
Na primeira rodada do campeonato mineiro deste ano, o Atlético jogou às 10:00 da manhã contra o Democrata, em Sete Lagoas. O Cruzeiro enfrentaria o Uberaba no Mineirão, às 16:00. Ao bater o olho na tabela, pensei: espero que a BH Trans tenha tido a óbvia idéia de mudar o lugar de chegada dos ônibus da torcida do Galo. Previ a tragédia. Não sou nenhum gênio, mas sei que (1) uma partida de futebol demora pouco menos de duas horas; (2) uma viagem de ônibus de Sete Lagoas ao centro de Belo Horizonte tarda uma hora; (3) os ônibus saem do mesmo lugar, na rua Rio Grande do Sul. Os atleticanos voltavam quando os cruzeirenses se aglomeravam para ir ver seu time. O resultado? Batalha campal, com um atleticano morto (de infarto, coitado, enquanto corria da confusão) e um cruzeirense com o crânio esmigalhado e o corpo provavelmente inutilizado por um bom tempo. Os criminosos chegaram a combinar a briga pelo Orkut. É inacreditável que alguém seja responsável pelo transporte de torcedores e não faça uma matemática tão simples como a que era necessária no dia 27 de janeiro em Belo Horizonte.
A situação das torcidas organizadas no Brasil chegou a um ponto em que não há outra saída a não ser sua abolição completa, acompanhada de investigação de suas relações com a cartolagem. Sim, eu sei que decretar sua abolição pode ferir o princípio constitucional da livre associação. Mas também sei que já há farto material juridicamente válido para imputar a elas um rastro de sangue que não deixa dúvidas sobre sua verdadeira natureza. Não cola o argumento de que só alguns de seus membros são responsáveis por crimes. A organização em si incentiva, promove e possibilita a barbárie. É inaceitável que um político – como Eduardo Paes (PSDB-RJ) – se dedique a fazer proselitismo propondo apoiar os presidentes das torcidas organizadas, que são pessoas sérias, pra impedir que a marginalidade tome conta. Pessoas sérias, meu senhor? Tenha dó. A afirmação é um descalabro de cinismo. Neste debate, estou com Vladimir Palmeira (PT-RJ), que respondeu a mesma pergunta de maneira taxativa: Torcidas organizadas, deveriam ser encerradas suas atividades, o governo deveria proibir.
Houve uma época em que coexistiam, em cada grande clube brasileiro, dezenas de agremiações de torcedores sem que houvesse nenhuma clara hierarquia. Nos últimos tempos, consolidou-se um grupo privilegiado para cada clube (Galoucura e Máfia Azul em BH; Gaviões, Independente e Mancha Verde em SP etc.). Esse gigantismo foi construído através de métodos sujos de troca de favores, extorsão, corrupção e violência. Não aceito o argumento de que há gente boa e sincera dentro desses grupos. Não é essa a questão. Também há gente sincera dentro da Klux Klux Klan Ku Klux Klan que nunca cometeu nenhum crime. Essas organizações estão apodrecidas em sua essência. Em Minas Gerais, o Ministério Público já pediu sua extinção. O Brasil não pode esperar que a coisa chegue no nível em que se encontra na Argentina. Elas têm que ser abolidas. Já.
Leia mais: Desesperança, belo texto de Douglas Ceconello sobre a tragédia de Criciúma.
Arquivos sobre violência do excelente blog Além do Jogo.
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