terça-feira, 31 de março de 2009

O MARANHÃO DAS CICATRIZES

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por Mário Augusto Jakobskind

Não costumo escrever artigo na primeira pessoa, mas neste caso não tem jeito, pois o principal protagonista é o próprio autor destas mal traçadas, que me deixou verdadeiramente com a pulga atrás da orelha.

Fui a São Luís do Maranhão participar de um Fórum sobre Jornalismo e Direitos Humanos a convite da coordenadoria de Comunicação Social da Faculdade São Luís, numa oportunidade de debater com os universitários em uma cidade onde existem 12 jornais diários, talvez um recorde brasileiro.

Deparei-me com futuros jornalistas - estavam inscritos no Fórum também estudantes de Direito e Administração - antenados com as questões atuais da mídia. Em síntese, procurei demonstrar que a mídia tem responsabilidade que não pode fugir e que os setores conservadores procuram a todo custo incutir na opinião pública preconceitos do tipo “direito humano é coisa de bandido” etc. Creditei este estereótipo ao gênero senso comum, lembrando que o então Governador Leonel Brizola foi linchado pela mídia hegemônica exatamente por exigir que a polícia do Estado, militar e civil, respeitasse os direitos humanos em áreas pobres da cidade. Lembrei que uma semana antes da morte de Brizola, um articulista de O Globo, em junho de 2004, acusava o ex-governador de ser o responsável pela onda de violência que se abatia (e continua até hoje) sobre o Rio.

Na minha passagem pela capital maranhense aproveitei a oportunidade para realizar uma reportagem sobre a crise política que se abateu sobre o Estado com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de cassar o mandato do Governador Jackson Lago sob a alegação de “abuso do poder econômico” na eleição de outubro de 2006. Consegui me deslocar até o município de Santa Rita, a cerca de 70 quilômetros de São Luís, para ver a “Marcha Balaiada em defesa do voto”, organizado por movimentos sociais maranhenses, com destaque para o MST, e partidos políticos como o PT e PDT. Os manifestantes vinham de uma caminhada de 600 quilômetros denunciando o que consideravam um golpe da família Sarney contra a vontade popular.

Com uma máquina de filmar digital registrei a manifestação, que culminou com um comício do qual participou o ex-Ministro das Cidades e ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra. Fiquei radiante, pois tinha certeza que as imagens colhidas seriam possivelmente inéditas no Rio de Janeiro e mesmo em outras cidades brasileiras.

No dia seguinte, quando tinha pautado filmar a fachada do Tribunal de Contas do Estado, que tem o nome de Roseana Sarney, estampado em bronze, fui surpreendido com um assalto, na lagoa Jansen, praticado por cinco jovens (possivelmente nenhum deles tinha mais de 20 anos) que foram diretos na bolsa que eu levava no ombro, onde se encontrava, devidamente protegida, a máquina filmadora. Tinha colocado dentro da bolsa, juntamente uma câmara fotográfica, exatamente para não chamar a atenção, pois sabia que atualmente nas grandes cidades brasileiras todo o cuidado é pouco para estas coisas.

Dentro do possível procurei resistir à investida, mas não foi possível. De quebra os ladrões ainda esfaquearam a minha mão direita, abrindo uma “avenida”, o que exigiu que tivesse de levar cinco pontos num posto de saúde. Fiquei com a pulga atrás da orelha inclusive pelo fato de os ladrões não terem se interessado pelo relógio de pulso que eu portava e o dinheiro que levava no bolso. Depois, ainda por cima fui informado que uma patrulha da PM que fazia a ronda preventiva no local estava momentaneamente parada, pois os soldados tinham ido “almoçar”.

Fiquei ainda mais intrigado com uma nota do jornal O Estado do Maranhão, de propriedade da família Sarney, que afirmava na coluna “Estado Maior” que a “maioria dos balaios (participantes da caminhada em defesa do voto) é de jovens entre 20 e 35 anos, todos bens nutridos e com aparência urbana que não conseguiam esconder nem usando chapéu”.

As imagens que colhi numa fita mini-dv, que os ladrões também levaram, desmentiam a afirmação da página 3, da sexta-feira 27 de março de O Estado do Maranhão. Constatei que a maioria dos manifestantes, ao contrário do que afirmava o jornal da família Sarney, era integrada por representantes de movimentos sociais maranhenses, sobretudo do MST, verdadeiramente com aparência de gente não tão “bem nutrida”.

Como se sabe, ao decidir, por 4 a 3, pela cassação do mandato de Jackson Lago, o TSE ordenou que a concorrente segunda colocada, exatamente Roseana Sarney, assumisse no lugar do governador impedido. Os advogados de Lago ainda entraram com um recurso final para evitar a cassação, enquanto partidos políticos tentavam na Justiça que fosse revogada a decisão que ordenava a posse de Roseana. O recurso pedia que o governador substituto fosse escolhido ou pela Assembléia Legislativa ou pelo voto.

Não posso afirmar que os cinco ladrões que levaram a máquina de filmar e todos os meus documentos e anotações jornalísticas fizeram isso - porque sabiam o que iam encontrar - estariam cumprindo uma “missão”, ou o incidente foi apenas mera coincidência.

Prefiro que os leitores concluam. O certo é que regressei frustrado, sobretudo por não ter as imagens colhidas na caminhada que passava pelo município de Santa Rita. A lamentável ocorrência está registrada no 9º Distrito Policial de São Luís. Continuo com os cinco pontos na mão direita. É o Brasil com muitas cicatrizes.



Fonte: Direto da Redação

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