quinta-feira, 26 de março de 2009

A banditização da política

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Por João Vergílio

A situação chegou no limite da clareza, distinção e escancaramento há mais de dez anos. Desde o tiro que matou PC Farias, era absolutamente claro para qualquer pessoa que acompanhasse o noticiário pelo Jornal Nacional que a política brasileira estava completamente banditizada. Era igualmente claro que boa parte do Judiciário não seria insensível ao apelo dos novos tempos, e tinha disposição para participar do jogo com seu arsenal de tecnicalidades.

A imprensa, embora ainda não de forma tão concertada como hoje, já dava seus primeiros passos na transformação de literatura fantástica em senso comum. A revista Veja capitaneou o processo. “Caso Encerrado” - quem não se lembra do cheiro que exalava das bancas de jornal? Eram tempos românticos. Fitas no gravador do dentista, crimes passionais, e um presidente outsider, vergonhosamente apeado do poder pelo mecanismo recém inventado das denúncias seletivas, que o Brasil em peso aplaudiu. Finalmente, tínhamos o nosso caso Watergate. Éramos uma democracia plena. Salve, salve.

Foi nesse mar de hipocrisia que o PSDB dos ministros de Itamar começou a surfar. Foi nele também que o PSDB de Mário Covas foi aos poucos submergindo, sobrecarregado de escrúpulos e medalhinhas de honra ao mérito no pescoço. Fernando Henrique era o cara. Talvez por inocência, gosto de pensar que, nesses primeiros tempos, o grande enigma que ocupava a cabeça do grande sociólogo ainda era o seguinte: “Como passar a sacolinha sem ferir as instituições?” Muitos dos meus colegas aqui do blog, ainda mais inocentes que eu, gostam de refazer esta mesma questão todas as noites, antes de dormir, apertando o botom do PT no coração. Caros colegas, a resposta é tão óbvia quanto inútil, hoje, quando já mandamos as instituições às favas: não dê bandeira, e (acima de tudo) não permita que os outros se unam para bisbilhotar institucionalmente as suas culpas. Na oposição, é moleza. O encarregado de bisbilhotar é você. Lembram como era bom? Pois, então…

Só que, aí, Fernando Henrique chegou ao trono. Vinha montado num partido nanico, e trazia debaixo do braço um plano de poder para os próximos trinta anos. Era preciso juntar gente interessada no projeto, ou, na falta de ideais mais elevados, interessada ao menos nos juros e dividendos que o investimento poderia render mais adiante. Dividiu os parceiros em dois grupos de importância e natureza desigual. Aliados táticos, como Jáder Barbalho, levavam a Sudam e saíam contentes da vida, lambendo os beiços. Um esquema jurássico, mas que ainda dava certo no curto e no curtíssimo prazo. Para os prazos mais dilatados, estratégicos, havia o PFL, recauchutado na figura-símbolo de Luiz Eduardo Magalhães, o filhinho que não rouba e fala inglês. Só que, aí, o tradicional loteamento dos balcões de achaque, embora fosse ainda condição necessária, sine qua nananina, não era mais estímulo suficiente. Sacumé… “Uma coisa, meu amor, é se lambuzar por meia horinha. Matrimônio, isto são outros quinhentos…”

Daniel Dantas, que, como todos tiveram a oportunidade de ficar sabendo, é um homem brilhante, mostrou o caminho das pedras. A aliança dos tucanos com os pefelistas foi feita, pelo visto, com base num novo esquema de financiamento, muito mais polpudo que o tradicional, envolvendo boa parte dos crimes contra o sistema financeiro previstos em nossos ordenamento jurídico. Com a garantia de fluxos aparentemente inesgotáveis de recursos, os tucanos não queriam nem ouvir falar em financiamento público de campanhas políticas, já que esta lhes roubaria o que, na linguagem do mercado, talvez pudesse ser descrito como um conjunto de vantagens comparativas. Tinham garantia de financiamento mais abundante e melhor que o dos outros. Para que mexer em time que está ganhando?

O PT, nesse meio tempo, foi fazendo sua boquinha nas prefeituras. Aprendeu as diversas modalidades de assalto aos cofres públicos inobjetáveis do ponto de vista jurídico e institucional. José Dirceu foi o grande timoneiro que conduziu o navio petista pelos mares de lama disponíveis para os que têm o estômago fortalecido pela ambição. Não recuou diante de nada. Até mesmo o cadáver de Celso Daniel deixou-o impassível. Sua percepção era muito simples, e basicamente CORRETA. Há regras formais, e regras informais nesse jogo. As formais devem ser dribladas, instrumentalizadas, esquecidas, relembradas, conforme o caso. As informais, não. Estão aí para serem obedecidas, e pronto. A pena para quem as ignora vai da morte política à morte mais prosaica, com direito a tiro de misericórdia e um corpo abandonado numa estradinha nos arredores da capital paulista. Celso Daniel, lá do alto, não o deixava mentir. E ele não mentiu - não, pelo menos, para si mesmo e para os que participavam de seu círculo mais íntimo. Contou toda a verdade no espelho, e passou a agir com o mais completo desprezo pela ilusão de companheiros incapazes de compreender a natureza do jogo em tinham se metido. E Lula chegou ao poder. Quem poderia condená-lo por ter feito exatamente aquilo que todos são obrigados a fazer, se não querem fazer o triste papel de bobo tão bem desempenhado pelo honesto senador Suplicy?

É isso que está bem aí, diante do nosso nariz. É pegar ou largar. Ou começamos a pensar em mudar as regrinhas formais e informais desse jogo, ou então deveríamos começar a ter um pouquinho mais de coerência e, ao invés de ficar cacarejando de raiva a cada novo escândalo que surge, comprar um tapetinho, ir até um templo budista e ficar meditando sobre o vazio.

Vamos falar em financiamento público de campanhas?

Fonte: Luis Nassif Online

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